sexta-feira, 21 de maio de 2010

A Tutela Penal e Contra-Ordenacional do Ambiente

Plano do Trabalho:

1- Introdução
2 - Da Possibilidade da existência de um Direito Penal do Ambiente
3 -Tutela Penal versus Tutela Contra-Ordenacional
4 - Breve Elenco dos crimes ambientais.
5 - Conclusões; No meio é que está a virtude

Introdução

A importância dada ao Ambiente tem aumentado ao longo dos últimos anos, assistindo-se a uma maior consciencialização da causa ambiental. A importância da tutela do ambiente, ganha assim uma maior importância. Importa desde já afirmarmos que, a tutela do ambiente, pode ser feita de variadas formas. Neste trabalho, procuraremos atentar em duas possibilidades distintas de tutelar o ambiente: Uma primeira pela via penal, uma segunda que se remete para a tutela contra-ordenacional do Ambiente. Assim, numa primeira fase iremos indagar sobre a possibilidade da existência de um Direito Penal do Ambiente, traçando numa fase posterior uma contraposição entre a tutela operada pela via penal e pela via contra-ordenacional. Por fim, concluiremos com a tomada de posição sobre o problema sub júdice.

Da possibilidade da existência de um Direito Penal do Ambiente

Neste ponto, cumpre colocar a questão da possibilidade de se criminalizar condutas lesivas do ambiente, adiantando-se que, este é um problema que só mais recentemente se coloca, na medida em que, tal como foi dito no ponto introdutório, a consciencialização da causa ambiental e a conclusão da necessidade de tutelar o Ambiente são conquistas modernas. Este problema de se saber se é possível criminalizar condutas ecologicamente agressivas, prende-se, tal como lembra o Professor Vasco Pereira da Silva, com a própria natureza do Direito Penal. Quer dizer, o Direito Penal ao consagrar determinado crime, está a reagir da forma mais enérgica e marcante possível, na medida em que prevê a aplicação de uma pena privativa da liberdade, razão pela qual, a tutela penal deve ser reservada para um conjunto de situações que se reportem aos valores fundamentais da sociedade, ou seja, deve apenas aplicar-se sanção privativa da liberdade, nos casos em que seja violado determinada regra primordial. A questão que se coloca, é a de se saber se o Ambiente consubstancia um bem jurídico desse nível de fundamentalidade, que justifique a tutela penal.
A resposta a esta questão deve ser positiva, na medida em que, embora que muito recentemente, o Ambiente assumiu a dimensão fundamental a que aludimos, passando a integrar, tal como anota o Professor Vasco Pereira da Silva, os valores essenciais da sociedade, tendo ainda consagração constitucional, passando a ser considerado como um direito fundamental, concretizador das exigências decorrentes do principio da dignidade da pessoa humana, absolutamente basilar no nosso ordenamento jurídico-constitucional, pelo que, é possível e correcto falar-se em Direito Penal do Ambiente, declarando-se desde já, que é possível a tutela penal do Ambiente, enfim, respondendo à questão que propusemos neste ponto 2 da nossa exposição, é possível existir um Direito Penal do Ambiente. Mas será uma solução eficaz? Ou, pelo contrário, será, o Ambiente, tutelado mais eficazmente pela via contra-ordenacional? É o que veremos de seguida.

Tutela Penal versus Tutela Contra-Ordenacional

A favor de uma tutela sancionatória pela via penal, invocam-se os seguintes argumentos:

§ Por um lado, a protecção penal, pela excepcionalidade que acarreta conferiria uma maior dignidade jurídica ao Ambiente, ou seja, pelo simbolismo que a protecção penal consubstancia, a protecção ao Ambiente seria encarada como algo de mais sério, de mais importante, enfim, nas palavras de Hassemer, existiria aqui uma função de pedagogia social.

§ Por outro lado, a reacção mais vigorosa intrínseca ao Direito Penal, permitia tutelar de forma mais intensa o Ambiente, protegendo-o mais eficazmente contra comportamentos lesivos.

§ Ainda, o facto de serem asseguradas aos cidadãos, um conjunto de garantias de defesa, como é o caso da presunção de inocência e do direito à realização de um justo julgamento, por estarmos em sede de Processo Penal.

Contudo, outros autores, apontam como inconvenientes:

§ O facto do Direito Penal ser essencialmente repressivo, destinado a sancionar comportamentos anti-jurídicos graves, enquanto o Direito Ambiente assenta numa lógica de protecção.

§ O Direito Penal imputar responsabilidades em termos individualizados, enquanto os ilícitos ambientais se reportam essencialmente a danos provocados por pessoas colectivas.

§ O perigo de descaracterização e de subalternização do Direito Penal, no sentido em que os crimes ambientais decorrem da desobediência de prescrições de índole administrativa, razão pela qual, o Direito Penal se colocaria numa posição de acessoriedade perante o Direito Administrativo.

§ Ineficácia de um sistema sancionatório baseado na tutela penal, porque é manifestamente difícil condenar os sujeitos que cometem crimes ambientais, não se concretizando efectivamente a tutela penal do Ambiente.


Cingindo-nos agora à tutela pela via administrativa, ou seja, a tutela contra-ordenacional, salientam-se os argumentos a favor da tutela pela via administrativa:

§ Mais celeridade e eficácia na punição do infractor ambiental, por via da maior simplicidade do procedimento administrativo, face ao processo penal.

§ Imputação do comportamento delitual, não só a sujeitos individuais, mas também a entidades colectivas, alargando o universo de sujeitos a quem pode ser imputado o referido comportamento delitual.

§ Ainda um argumento relativo à salvaguarda da autonomia e da pureza teórica e dogmática do Direito Penal, que desta forma não ficaria subalternizado e dependente do Direito Administrativo.

Mas, do lado passivo do balanço, contra a tutela sancionatória ambiental efectuada preferentemente pela via administrativa, foi aduzida argumentação nos seguintes termos:

§ A Diminuição das garantias de defesa dos particulares, na medida em que existem menos meios de defesa no processo administrativo, por relação com o processo penal.

§ A Tendência para a banalização das actuações delituais, já que estas se reconduzem a uma natureza pecuniária, sendo vistas como uma realidade de importância menor por comparação com as penas restritivas da liberdade verificadas em sede da tutela penal.

§ Por outro lado, a aplicação de sanções pecuniárias, podem fazer com que, as empresas poluidoras observem essa sanção como um custo produtivo, internalizando-o no processo produtivo, reconduzindo-se, portanto, a sanção a uma mera operação contabilística, sem efeito dissuasor para o poluente.

Breve elenco dos crimes ambientais

Antes mesmo de indicarmos as nossas conclusões, deixamos um elenco dos crimes ambientais:

§ Danos contra a natureza – 278º Código Penal; Pena de prisão até 3 anos ou multa até 600 dias, em caso de dolo ou de ano de prisão ou pena de multa, em caso de negligencia;

§ Poluição – 279º Código Penal; Crime com a mesma moldura penal supracitada.

§ Poluição com perigo comum – 280º Código Penal; Pena de Prisão de 1 a 8 anos, se a conduta e a criação do perigo forem dolosos; de prisão de 1 a 5 anos, se a conduta for dolosa e a criação do perigo ocorrer por negligência;

5. Conclusões; No meio é que está a virtude.


Cumpre agora tecer o nosso comentário relativamente a cada um dos argumentos que foi dado, tanto os que defendem a tese da tutela pela via penal do Ambiente, como aqueles que são contrários a essa via de tutela do Ambiente. Faremos semelhante exercício no que se refere à tutela pela via administrativa, contra-ordenacional.
Assim, relativamente à tutela penal, estamos em concordância com os argumentos aduzidos. A tutela pela via penal provoca junto dos cidadãos uma maior reverência relativamente ao que sucede com a tutela pela via contra-ordenacional, até pelo facto de, na primeira solução, se aplicar uma sanção restritiva da liberdade, social e moralmente muito mais desvaliosa do que a simples coima. Para além disso a resposta dada pelo Direito Penal, é efectivamente mais enérgica e profunda do que aquela que é dada pela via contra-ordenacional. Quanto às garantias dadas aos cidadãos, mais amplas no processo penal, concordamos, mas não será um argumento decisivo, até porque algumas delas resultam da Constituição da República, não se situando num plano infraconstitucional, e nessa medida sendo de aplicação nas várias jurisdições.
Quanto aos argumentos aduzidos no sentido contrário de uma tutela pela via penal, estamos em desacordo quanto ao facto do Direito Penal ser desadequado a tutelar o ambiente, porque enquanto o primeiro assenta numa lógica de repressão, o segundo coloca-se numa perspectiva preventiva, na medida em que, a finalidade das penas de Direito Penal, no nosso ordenamento jurídico e, em geral, na generalidade dos ordenamentos jurídicos europeus, se relaciona precisamente com uma prevenção, seja ela geral ou especial, matéria estudada amplamente por vários autores, dos quais salientamos Claus Roxin, que afirma, numa frase ilustrativa do que dissemos, que o Direito Penal não pode ser como um pau com que se bate a um cão, fugindo das lógicas repressivas e colocando as finalidades da pena numa sede preventiva. Já, tendemos a concordar com a ideia de que a imputação de responsabilidades no Direito Penal é individual, sendo que os danos ambientais são provocados generalizadamente por pessoas colectivas. Existe, certamente, uma acessoriedade do Direito Penal em relação ao Direito Administrativo, visível na observação do elenco de crimes que enunciámos. Contudo, essa acessoriedade, não coloca em causa, em nossa opinião, a dignidade do Direito Penal, nem tão pouco leva à sua descaracterização, na medida em que, tal como anota o Professor Vasco Pereira da Silva, esta acessoriedade não se materializa numa substituição dos critérios individualizados da culpa, ou de imputação subjectiva da conduta criminosa a um individuo, por critérios de simples aferição da desobediência a disposições de índole administrativa, devendo-se antes, conjugar as disposições penais e administrativas para melhor se valorar e imputar os danos ecológicos cometidos. Quanto à ineficácia do Direito Penal, devemos reconhecer que, efectivamente, o Direito Administrativo patrocina uma tutela mais célere e eficaz, até porque, como lembra Hassemer, são muito poucos aqueles que são apresentados a julgamento, tendo cometidos crimes ambientais, sendo que, nesses casos, os juízes acabam por hesitar em punir adequada e severamente esses criminosos, precisamente porque sabem que a grande parte dos criminosos ambientais nunca serão apanhados e que aqueles que são serão os menos aptos a personificarem a realidade dos atentados contra o ambiente.
Descendo à tutela contra-ordenacional do Ambiente, temos como aspectos positivos, precisamente a maior eficácia e celeridade que decorre do procedimento administrativo, que permite uma resposta mais adequada ao delito cometido e a possibilidade de responsabilização de entes colectivos, alargando-se assim o leque dos sujeitos a quem pode ser imputado um comportamento delitual, por oposição à tutela mais restritiva, exclusivamente individual, diga-se, do Direito Penal. Mais uma vez, não concordamos que se coloque aqui em causa a pureza teórica e dogmática do Direito Penal, pelas razões que já explicitámos acima.
Como aspecto negativo é apontado um primeiro argumento que refere a diminuição das garantias de defesa dos particulares, realidade com a qual concordamos apenas a título parcial, já que existe uma salvaguarda constitucional, nos termos do que afirmámos supra. Um outro argumento, prende-se com a menor dignidade que é dada a esta tutela, isto no sentido, de não se provocar no particular uma desmotivação na mesma proporção da que se consegue operar com a tutela penal, porque efectivamente, em termos de pedagogia social, uma pena restritiva da liberdade simboliza mais e tem um impacto superior, ao que sucede com a aplicação de coimas. Um argumento muito importante e com o qual concordamos inteiramente, relaciona-se com o facto de, a coima poder ser vista como um custo do processo produtivo a que fica adstrito o produtor, podendo o mesmo fazer um raciocínio contabilístico do deve e haver, sendo-lhe muitas vezes vantajoso internalizar esse custo, pagar essa coima, a adquirir os meios tecnológicos necessários para baixar os níveis de poluição, enfim, num exemplo dado pelo Professor Vasco Pereira da Silva nas aulas plenárias, uma sociedade suinicultora que produz 1000 porcos por ano, nada lhe afectará se tiver que pagar o preço correspondente a um porco (e nem será por ano, mas por períodos de 4 ou 5 anos, já que dificilmente a fiscalização ambiental “visita” a mesma sociedade em anos seguidos).

Enfim, tudo visto, julgamos que é no meio que está a virtude. Não no “meio” proposto por Hassemer, que propõe a criação de um novo ramo do Direito, uma autêntica zona cinzenta, um melting pot que materializaria uma amálgama com vestígios de Direito Penal, Fiscal, Económico, dos ilícitos civis, das contravenções, da política, do planeamento do território, da protecção da natureza ou das autarquias, num rol de exemplos proposto pelo Professor Vasco Pereira da Silva. Numa expressão elucidativa do Regente da Cadeira, seria um “albergue espanhol em versão alemã”.
Assim a solução que propomos, indo ao encontro do defendido pelo Professor Vasco Pereira da Silva, é a tutela pelo Direito Penal dos crimes mais graves (tal como é feito actualmente), porque consideramos que se deve, nestes casos, ter em consideração com maior intensidade a referida “pedagogia social” e a resposta mais enérgica que o Direito Penal oferece, porque se trata, efectivamente, de crimes cuja gravidade merece uma tutela reforçada. Em todos os outros, e regra geral, será chamado a intervir o Direito Administrativo, sendo a tutela pela via contra-ordenacional e a consequente aplicação de coimas a melhor forma de imputação da responsabilidade, sendo mais importante nestes casos, uma resposta rápida, e, desse ponto de vista, que de forma mais eficaz e com maior celeridade faça parar a actividade danosa para o ambiente, aplicando-se uma coima, não obstante de, dever essa coima constituir um verdadeiro desincentivo ao acto gerador de dano ambiental, deverão ser coimas avultadas que não permitam que essa coima seja vista como um custo, que pode ser internalizado no processo produtivo e contabilizado numa perspectiva de deve e haver, meramente contabilística, desvirtuadora, portanto, dos objectivos prosseguidos pela tutela ambiental, seja ela pela via penal, seja ela pela via contra-ordenacional.
O Professor Vasco Pereira da Silva, aludiu ainda, no decorrer das aulas plenárias, à figura das sanções acessórias, que seriam uma boa alternativa à tutela do Ambiente, considerando o regente da cadeira, que o importante é que efectivamente a actividade geradora de dano ambiental pare imediatamente, sendo que, o encerramento da empresa, ou a suspensão de determinada actividade enquanto não instalar os meios tecnológicos que permitam uma redução do dano ecológico gerado, constituiria, sem dúvida, a melhor forma de tutelar o Ambiente.
Tudo visto, reafirmamos, que, como diz o provérbio, é no meio que está a virtude. Não na terceira via de Hassemer, mas na conjugação das virtualidades da tutela penal e da tutela contra-ordenacional, bem como, na minimização dos aspectos mais negativos que caracterizam as duas alternativas que aqui apresentámos.

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