segunda-feira, 10 de maio de 2010

A participação dos interessados no procedimento

O Direito do Ambiente é uma realidade muito jovem. Sabe-se que o interesse da Comunidade Europeia pela protecção do ambiente já vem de longe, contudo só em 1987 com a entrada em vigor do Acto Único Europeu foi expressa e formalmente reconhecida como objectivo comunitário. A questão ambiental “nasceu”, então, em 1968, ano que ficou conhecido como o “ano do despertar da era ecológica”, marcado por uma das mais importantes declarações em matéria ambiental, a Declaração de Estocolmo. Esta, apesar de não ser vinculativa, deu o passo fundamental no âmbito do direito internacional do ambiente, tendo sido de igual modo fonte inspiradora da Constituição da República Portuguesa (CRP) de 1976.

Na CRP as questões ambientais podem ser encaradas numa perspectiva objectiva (art. 9º als.d) e e)), ou subjectiva (art.66º). No que toca à primeira, a mesma reforça a imperatividade dos direitos individuais e alarga a sua influência no ordenamento jurídico. De acordo com o Prof. Vasco Pereira da Silva, o art.9º da CRP consagra um princípio jurídico objectivo que estabelece as finalidades de tutela ecológica a atingir. Trata-se de uma norma programática que obriga os poderes públicos.
No que toca à prespectiva subjectiva no art. 66º da CRP, é consagrado um Direito Fundamental ao ambiente, o que traduz uma opção pela defesa do ambiente através de uma protecção jurídica individual, considerando que as normas reguladoras do ambiente se destinam também à protecção dos interesses dos particulares, titulares de direitos subjectivos públicos. A este propósito, o Prof. Vasco Pereira da Silva defende que há um Direito Fundamental à protecção! Como Direito Fundamental que é, o Direito ao Ambiente visa a realização da dignidade humana, apresentando uma dimensão positiva, que se traduz no direito que todos os cidadãos têm de que o Estado proteja o ambiente (art.66º/2CRP) e uma dimensão negativa, que garante ao seu titular a defesa contra agressões ilegais no domínio constitucionalmente garantido. Exige-se do Estado, dos outros cidadãos e das pessoas jurídicas a abstenção de comportamentos ecológicamente nocivos.

Diferente é o entendimento da Prof. Carla Amado Gomes. De acordo com esta Autora, o Direito ao Ambiente não pode ser visto como um Direito Fundamental. De acordo com a sua opinião, não obstante ser o Estado que tem de proteger o ambiente, os cidadãos, têm apenas direitos de participação na gestão democrática, isto é, direito a obter informações ou a participar em procedimentos com o objectivo de proteger o ambiente, bem como o direito à tutela jurisdicional. Nesta sequência, a Autora conclui que o ambiente é de fruição colectiva, não havendo aproveitamento individual para cada indivíduo. Como tal, defende que a definição já conhecida de Direito Subjectivo não cabe neste campo e que o art.66ºCRP tem por função dizer aos cidadãos que sendo o bem de fruição colectiva, é possivel participação na gestão democrática.



O Direito do Ambiente é um ramo de direito marcado por relações multilaterais –tratam-se de relações em que a Administração e os particulares se envolvem numa rede de ligações jurídicas, das quais resultam direitos e deveres para todas as partes.
Deste modo, e de acordo com o Prof. Vasco Pereira da Silva, sujeitos das relações administrativas ambientais tanto podem ser particulares como entidades públicas.
Quanto aos particulares, estes podem ser titulares de um direito subjectivo ou de um interesse legalmente protegido, nos termos do art.53º CPA;
Podem também estar em causa pessoas colectivas privadas, enquanto realidade instrumental para a realização dos interesses das pessoas humanas, as quais têm direitos e deveres semelhantes aos particulares, beneficiando de uma tutela objectiva, nos termos do art.12º/2CRP. Este regime é aplicável quer se trate de pessoas colectivas que se dediquem à defesa do ambiente, quer não.
Sujeitos das relações administrativas ambientais podem também ser os cidadãos e as associações/fundações destinadas à defesa do ambiente, no exercício do seu direito de participação popular em procedimentos administrativos e de acção popular para defesa da colectividade e do interesse público. Desta matéria trataremos mais adiante.

No que respeita às entidades públicas, pode estar em causa a Administração Directa do Estado, na qual se enquadra toda a actividade administrativa levada a cabo directamente pelos próprios serviços administrativos do Estado, sob direcção do Governo; a Administração Indirecta do Estado, prosseguida por órgãos e serviços organizados em pessoas colectivas distintas do Estado mas que prosseguem fins deste e a Administração Autónoma, quando seja realizada por órgãos e serviços que se integram em entidades distintas do Estado e que prosseguem interesses próprios. Contudo, quando falamos em entidades públicas podemos estar a falar de Administração Pública sob forma privada. Com efeito, as pessoas colectivas aparentemente privadas mas de capitais exclusiva ou maioritariamente públicos e geridos de forma pública, devem ser consideradas como uma modalidade de Administração, adoptando-se, deste modo, uma noção ampla de Administração Pública.

No que toca à questão acima enunciada acerca dos direitos de participação em procedimentos administrativos e de acção popular, previstos na Lei n.º 83/95, de 31 de Agosto (“L 83/95”) e no artigo 53º/2 al.b) CPA, entendo, na esteira do defendido pelo Prof. Vasco Pereira da Silva, que o seu objectivo destas é tornar sujeitos de relações jurídicas procedimentais e processuais, os indivíduos e as pessoas colectivas que, em princípio, não seriam, procedendo-se, então, a um alargamento da legitimidade pocedimental ou processual, consoante o caso.

A CRP, depois de consagrar um direito de acesso à justiça no art.20º, o qual corresponde ao direito de acção que se configura como direito abstracto (i.e. independente da existência do direito material que quem o exerce afirma ter e dirigido contra o Estado) consagra ainda, no seu artigo 52º/3 um direito fundamental de acção popular. Todavia, importa fazer uma distinção entre a acção popular cujo escopo reside numa tutela objectiva da legalidade e do interesse público e a acção para defesa de interesses individuais que tem subjacente uma tutela subjectiva para defesa de direitos e interesses próprios.
Veja-se a este propósito o art.1º da L 83/95.
A este proósito, o Prof. Vasco Pereira da Silva defende que devemos fazer uma interpretação correctiva do artigo 1º da L 83/95, dando preferência ao artigo 2º, considerando que a acção para defesa de interesses próprios ou individuais não se pode confundir com a acção popular que visa a defesa da legalidade e do interesse público, bem como os interesses homogéneos de um grupo de pessoas perante interesses colectivos.
Portanto, devemos proceder a uma separação entre o que é a legitimidade para a defesa de interesses próprios e a legitimidade para uma acção pública/popular para defesa da legalidade e do interesse público.



Procedimento e participação ambientais

A participação dos cidadãos no procedimento ambiental, constitui um tema muito actual e com grande relevância. A importância da função participativa do procedimento tem vindo a crescer a par da intensidade e complexidade das tarefas públicas. A participação no procedimento surgiu como o contraponto da liberdade decisória da Administração, sendo uma forma de controlo e de limitação do poder administrativo. Deste modo, com a ideia de legitimação pelo procedimento, foi proposto um novo fundamento de legitimidade para as decisões públicas que acresce à legitimidade democrática e à legitimidade material e que permite a participação dos indivíduos e das instituições para a tomada de decisões mais correctas. Neste sequência, as entidades decisoras podem obter um conhecimento mais aprofundado dos interesses envolvidos, ficando em condições de decidir melhor.
Veja-se que o procedimento público tem uma dimensão objectiva e uma dimensão subjectiva, enquanto instrumento de garantia dos direitos dos particulares, permitindo uma tutela preventiva. Daí a sua maior importância no âmbito do Direito do Ambiente, campo no qual as decisões a tomar são susceptíveis de afectar uma multiplicidade de sujeitos, obrigando à ponderação de diversos valores e interesses.
É por tudo isto que a CRP realça a ligação entre o procedimento e o ambiente no art.66º/2, conjugando duas tarefas fundamentais do Estado.
Por um lado, é necessário defender a natureza e o ambiente, por outro, há que assegurar e incentivar a participação dos cidadãos na resolução de problemas nacionais, de modo a que ocorra uma melhoria de qualidade nas decisões administrativas, tornando-as mais facilmente aceites pelos seus destinatários.
A própria ideia de Estado de Direito implica também a intervenção dos indivíduos no procedimento, procurando-se o confronto de todas as vontades, o que, de facto, só pode ocorrer perante um procedimento. Em causa está uma forma de democratização da Administração Pública: a Administração tem de fazer as suas escolhas, ponderando as posições dos privados e deve procurar a sua colaboração no exercício da actividade administrativa. Trata-se de uma função garantística, como lhe chama o Prof. Sérvulo Correia, que permite aos cidadãos comunicar à Administração as informações e os argumentos que justificam que a decisão venha a conformar-se com os seus interesses.
A própria CRP consagra no artigo 268º/4 um direito fundamental de participação dos cidadãos, o que obriga à adopção de um procedimento decisório aberto à participação dos particulares. Deste modo, o direito português acaba por compatibilizar a ideia de participação dos particulares no procedimento destinado à protecção de interesses individuais com os interesses de uma Administração Pública democrática, cujas decisões devem ser legitimadas pela intervenção dos privados que se sentem prejudicados.
É de acordo com este entendimento que o Prof. Vasco Pereira da Silva considera que se deve adoptar aqui uma concepção sobretudo subjectivista, que concebe a intervenção dos privados como um instrumento de defesa prévia das suas posições jurídicas perante a Administração, indo ao encontro do que é a orientação alemã. No entanto, não se deve esquecer a importância objectiva da participação, enquanto instrumento democrático de formação da vontade administrativa. Como tal, ainda que se considere a função subjectiva como sendo a mais importante/principal, realizada pela intervenção dos particulares para protecção dos seus direitos subjectivos, não podemos descorar a importância da função objectiva para tutela da ordem jurídica e enquanto instrumento democrático de formação da vontade administrativa.
Assim sendo, a relação jurídica administrativa prolonga-se numa relação jurídica de procedimento em que os particulares e a Administração fazem valer direitos e deveres recíprocos.
A vertente subjectivista do procedimento ganha particular importância quando se reporta ao direito de audiência.
O CPA consagrou um princípio de participação (art.8º) e um direito de audiência dos interessados em qualquer fase do procedimento (art.59º), ou depois da instrução mas antes da decisão final (art.100º e ss).
Também o direito de audiência visa garantir uma tutela antecipada dos direitos dos particulares, bem como a tomada de decisões mais correctas face à globalidade dos interesses manifestados, sendo que a transparência da Administração constitui uma condição institucional da efectiva participação dos cidadãos na formação das decisões ou deliberações que lhes disserem respeito.
A consagração deste direito leva à introdução de uma nova fase no procedimento: depois da instrução e antes de decisão final o interessado deve ser chamado e ouvido sobre o objecto do procedimento. Ideia de “administração participada”.

Note-se, no entanto, que a Administração não se pode limitar a mostrar ao particular o processo, devendo antes indicar-lhe em que sentido se propõe decidir e os respectivos fundamentos. O particular deve ser informado do sentido provável da decisão administrativa e das razões da mesma, de acordo com o defendido pelo Prof. Freitas do Amaral. O Prof. Sérvulo Correia defende a mesma posição, invocando que o interessado antes da decisão tem o direito de conhecer o projecto de decisão, até mesmo porque a dignidade do administrado participante impõe que este possa pronunciar-se antes da decisão final sobre o entendimento global que a Administração faz da situação.
Além do mais, a Administração não pode recusar a participação do particular no procedimento, nem o respectivo acesso aos documentos. Quando a Administração recusa prestar a informação, esta recusa deve ser fundamentada, porque se trata de um acto que afecta negativamente um direito – artigo 124º/1 al.a) CPA. Isto porque o artigo 268º CRP estabelece um direito fundamental à informação a favor dos directamente interessados num procedimento administrativo, direito esse que respeita aos momentos e aos actos finais do procedimento.
Contudo, devemos ter em atenção que o direito à informação procedimental depende de determinados pressupostos: tem que existir um procedimento, pendente ou já concluído; o destinatário da informação tem que ter legitimidade procedimental ou um interesse legítimo no conhecimento dos elementos pretendidos (art.64º CPA).
Note-se ainda que o artigo 61º/1CPA repete o artigo 268º CRP, pressupondo sempre um procedimento em marcha, atribuindo-se o direito à informação aqueles que tenham interesse directo no procedimento.
Por interessado deve entender-se aquele que tem legitimidade para iniciar o procedimento administrativo ou para intervir nele, atendendo ao disposto nos artigos 52º e 53º CPA.
Não se pode esquecer que perante a exigência de uma efectiva tutela jurisdicional, em especial dos direitos fundamentais, a conformação do processo não pode ser neutral face aos direitos fundamentais. O processo deve sempre ser estruturado de modo a que possa servir os direitos fundamentais.

Deste modo, a audiência dos interessados é uma fase necessária de qualquer procedimento que, quando preterida, inquina a validade da actuação administrativa. Nesta circunstância o que temos é um vício de procedimento que conduz à nulidade da actuação administrativa ( a doutrina tradicional, entre a qual se encontra o Prof. Freitas do Amaral, tende a defender que, neste caso, estamos perante um caso de anulabilidade, pois entende que não estamos perante um direito fundamental), sendo que ocorre uma violação do conteúdo de um Direito Fundamental nos termos do art.133º/2 al.d) CPA.
O Prof. Vasco Pereira da Silva defende que o que está em causa é um direito, liberdade e garantia da natureza análoga atendendo ao princípio da não tipicidade previsto no Art.16ºCRP. Ainda que não se entenda que este é um direito fundamental, há que entender que o princípio da dignidade da pessoa humana implica que todas as decisões administrativas que afectem os direitos fundamentais devam ser tomadas com base num procedimento participado.
De acordo com o Prof. Sérvulo Correia o direito de informação é um direito fundamental atípico, análogo aos direitos, liberdades e garantias e, como tal, só pode ser restringido nos casos expressamente previstos na CRP. Só assim podemos considerar válidas/constitucionais as limitações impostas pelo art. 62ºCPA.
Do mesmo modo, a realização da audiência, mas sem uma correcta ponderação dos interesses em causa, leva a estejamos perante um caso de violação de lei, por violação do princípio de respeito pelos direitos e interesses legalmente protegidos dos particulares.
Portanto, a participação dos interessados no procedimento é uma fase que assume especial relevância.
Ainda assim, devemos ter presente que o CPA nem sempre configura a participação como objecto de um direito dos particulares. Por vezes, a participação surge como uma faculdade da Administração (veja-se a este propósito o artigo 59ºCPA), noutros casos, surge como um ónus (artigo 89ºCPA).

Devemos ainda proceder a uma importante distinção entre o direito dos interessados à informação procedimental (artigos 61º - 64ºCPA) e o direito das pessoas em geral ao acesso aos arquivos e registos administrativos (artigo 65ºCPA e Lei nº 46/2009, de 24 de Agosto, que revogou a Lei nº 65/93, de 26 de Agosto), bem como o direito dos interessados acederem à informação sobre ambiente prevista na Lei n.º 19/2006, de 12 de Junho, que de certo modo concretiza o direito constitucional de os particulares acederem a essa informação.
Ambos os direitos subjectivos constituem condensações dos princípios constitucionais da transparência administrativa e do controlo da Administração. Mas sendo ambos instrumentais do princípio da participação, especializam-se em função de diferentes vertentes da participação: o direito de informação procedimental serve a participação dos cidadãos na formação das deliberações que lhes disserem respeito e cabe aos que têm legitimidade para intervir no procedimento na qualidade de interessado; o direito de acesso aos arquivos e registos constitui um meio auxiliar dos direitos de participação política sendo, por isso, universal. Não se enquadrando este direito num procedimento administrativo, a recusa de acesso não pode ser sancionada com a nulidade, se bem que pode ser sujeita a impugnação contenciosa.


Participação dos interessados no âmbito da Avaliação de Impacto Ambiental:

Grande importância neste tema tem também o procedimento de Avaliação de Impacto Ambiental (AIA), regulado pelo Decreto-Lei nº69/2000, de 3 de Maio, alterado e republicado pelo Decreto-Lei nº 197/2005, de 8 de Novembro (DL 197/2005). Este diploma constitui a transposição para a ordem jurídica portuguesa do regime comunitário da AIA, criado pelas Directivas nº 85/337/CE e 97/11/CE.
A AIA pode ser entendida como um processo integrado no procedimento de tomada de decisão, que se destina a incoporar uma série de valores ambientais nessa mesma decisão e é nessa medida que vai ser analisada de seguida.
Trata-se de um instrumento que está subjacente à ideia de protecção de um bem comum – o Ambiente – e que visa optimizar e garantir a utilização dos recursos naturais como pressuposto de um desenvolvimento auto-sustentado. Por estes motivos, tem um campo de actuação preventivo, de modo a que se consigam prever atempadamente os conflitos ambientais, numa óptica de utilização racional (artº 66º/2 al.d) CRP). Actuando preventivamente, tem deve tomar-se em conta todas as incidências que uma determinada decisão pode ter sobre o ambiente, os impactos sobre a saúde humana e a qualidade de vida da população abrangida pelo empreendimenento, apresentando-se sempre que possível alternativas, de modo a encontrar uma correcta opção de decisão e de salvaguarda dos valores em causa. Estamos, então, no âmbito de aplicação do princípio da ponderação de bens e direitos conflituantes inerentes ao Estado de Direito, como defende o Prof. Canotilho. Existem valores colectivos que têm que ser equacionados e cuja defesa implica o equilibrio e/ou sacrificio de outros valores, também eles tutelados pela ordem jurídica.

Deste modo, está em causa um procedimento que tem por objectivo verificar as consequências ambientais de um projecto específico, procedendo-se a uma ponderação das vantagens e inconvenientes, concretizando o princípio da pevenção, no sentido em que permite evitar/acautelar possiveis lesões futuras ao meio ambiente. Além do princípio da prevenção, acaba por se dar concretização ainda ao princípio do desenvolvimento sustentável e do aproveitamento racional dos recursos – permite tomar em consideração a sustentabilidade ambiental de uma concreta actividade e obriga à optimização na respectiva utilização dos recursos disponíveis.

Em relação à “marcha” deste procedimento, este começa com a iniciativa do proponente, nos termos do art.12º DL 197/2005; posteriormemte, é apresentado um parecer preliminar da Comissão de Avaliação, no pazo de 20 dias (art.13º) e, antes de apresentado o parecer final (art.16º), tem lugar uma fase para discussão pública e participação dos interessados (art.14º e 15º).
O art.2º al.r) do DL 197/2005 dá-nos uma definição de “interessado” e mais uma vez, encontramos aqui plasmada a necessidade de se proceder à ponderação de interesses, sobretudo no que respeita à iniciativa económica e de defesa de valores ambientais. Mas, trata-se de uma ponderação aberta e participada pelos intervenientes. Isto, porque o procedimento administrativo é sobretudo um meio de defesa dos particulares perante a Administração, de tal modo que quando uma decisão administrativa seja susceptível de afectar um Direito Fundamental, esta deve ser sempre tomada na sequência de um procedimento administrativo de modo a que os particulares possam ter a sua intervenção garantida, havendo como que uma protecção preventiva.

No nosso ordenamento jurídico, o particular pode alegar o Direito Fundamental ao ambiente e à qualidade de vida (art.66º/1 CRP) para fazer valer a sua posição perante a Administração – o particular tem direitos subjectivos, podendo intervir no procedimento (Art.53º/2 al.a) CPA).
Note-se que este conceito de “interessado”/ “público ineressado”, surge várias vezes ao longo do diploma. Veja-se o art.14º/3, o art.31º/1 bem como o art.35º/2.
A questão é que se este conceito parece demasiado amplo, aproximando-se da acção popular, o que, de facto, parece ser de concluir é que o legislador procurou minimizar este entendimento, exigindo uma conexão do participante com o projecto em causa, acabando por restringir a legitimidade procedimental.
O aspecto, que me parece muito importante, prende-se com o alargarmento das garantias em matéria de publicidade e de consulta do público, pressupostos indispensáveis para uma concreta participação dos interessados. Contudo, a preocupação em torno da celeridade processual, que acaba por se traduzir na admissão de deferimentos tácitos, faz-se também sentir no momento da consulta do público, cujos prazos me parecem também curtos, nos termos do art.14º.

Deste modo, a participação dos interessdos neste procedimento tem demasiada importância, podendo ocorrer durante um período de 30/50 ou de 20/30 dias, conforme fixado pelo IPAMB. Esta pode traduzir-se em pedidos de esclarecimentos, aos quais o IPAMB deve responder num prazo de 30 dias; pode tomar a foma de meras opiniões, fazendo-se uma síntese das predominantes ou pode ainda traduzir-se na realização de audiências públicas, as quais têm que ser sempre publicitadas com uma antecência mínima de 10 dias (art.15º/2) e das quais tem que resultar uma acta ou outro meio de registo. Na sequência desta, o IPAMB elabora o Relatório da Consulta do Público e envia-o à respectiva Comissão.
Estamos, então, perante uma Administração que já não é de direcção e de comando, mas antes, se baseia na relação com os particulares / administrados, o que se traduz num aprofundamento da legitimidade democrática da administração.
Contudo, além da tutela preventiva subjacente a este procedimnto, não podemos esquecer que em causa está um acto administrativo. Trata-se de uma decisão jurídica de ponderação de interesses, que nos termos do art.120º CPA, produz efeitos jurídicos e é susceptível de lesar interesses/direitos dos particulares. Como tal, é um acto administrativo e é impugnável, sempre que no final se verifique que lesa direitos dos particulares.

Veja-se ainda que também em outros procedimentos especiais a participação do público está assegurada, por exemplo, no regime jurídico da Avaliação Ambiental Estratégica (Decreto Lei n.º 232/2007, de 15 de Junho – artigo 7º), bem como no regime jurídico do licenciamento ambiental (Decreto-Lei n.º 194/2000, de 21 de Agosto, revogado pelo Decreto-Lei nº 173/2008, de 26 de Agosto – art.15º).








A participação no âmbito da UE


Também no âmbito da União Europeia está consagrado o Princípio da tutela jurisdicional efectiva, segundo o qual a todo o direito deve corresponder uma acção. E num ordenamento jurídico que identifica certos bens como fundamentais para a existência e qualidade de vida das populações, devem ser asseguradas vias jurisdicionais de defesa da integridade desses bens, por todos os que deles usufruem.
Da análise do art.191º Tratado de Lisboa, resulta uma noção ampla de ambiente, que compreende a preservação e promoção da qualidade de bens ambientais naturais e a protecção da saúde das pessoas.
Do Tratado de Lisboa, desde logo na parte geral, resulta que todos os cidadãos da União gozam do direito de dirigir petições ao Parlamento Europeu, o direito de recorrer ao Provedor de Justiça e o direito de se dirigir às instituições e aos órgãos consultivos da União.
O Provedor de Justiça é nomeado pelo Parlamento Europeu, pelo período da legislatura mas é totalmente independente. De acordo com o art. 228º Tratado de Lisboa cabe ao Provedor de Justiça levar a cabo inquéritos sobre situações de má administração, por iniciativa própria ou na sequência de queixa apresentada por cidadãos europeus e por pessoas residentes ou com sede estatutária num Estado Membro.
Note-se que deste artigo não parece resultar qualquer exigência no sentido de o queixoso ter de provar um interesse directo e individual na apresentação da queixa. Logo, as queixas promovidas pela acção popular serão da competência do Provedor de Justiça.
No plano ambiental, o Provedor pode revela-se uma instituição de denúncia pública a todos os títulos. Os relatórios que o Provedor dirige aos órgãos comunitários, na sequência das averiguações realizadas, não têm efeito vinculativo. Há ainda que ter em atenção que o âmbito de competência do Provedor se circunscreve a actos de natureza não legislativa.

O direito de petição ao Parlamento Europeu foi constitucionalizado com o Tratado de Maastricht, mas era já reconhecido desde 1953, com base no Regimento do Parlamento Europeu.
O Parlameto Europeu, no entanto, tem interpretado de forma ampla as condições de exercício deste direito, bastando a alegação de uma mera preocupação do peticionante com uma determinada situação de âmbito geral, para o preenchimento do requisio do interesse individual.
Este entendimento amplo tem-se traduzido na aceitação de numerosas petições em defesa do ambiente.
Portanto, os direitos de queixa ao Provedor de Justiça e de petição ao Parlamento Europeu possibilitam a denúncia de situações de lesão ambiental em alternativa à via jurisdicioanl, sendo que os pressupostos de legitimidade dos queixosos e peticionantes são entendidos de forma ampla pelas instituições (admissão da acção popular).
De acordo com a Prof. Carla Amado Gomes, sendo o âmbito objectivo do direito de petição teoricamente mais amplo do que o direito de queixa, deve entender-se que o Provedor de Justiça deverá ocupar-se das queixas que envolvam situações de má administação dos órgãos comunitários, cabendo ao Parlamento Europeu, pela sua Comissão de petições, ocupar-se das denúncias relativas a ilegalidades de natureza normativa.
Neste âmbito ainda, tem particular importância a acção de anulação. Através desta, o particular (pessoas singular ou colectiva) pode atacar qualquer acto que lhe diga directa e individualmente respeito. Caso consiga ganha a causa, o Tribunal tem que anular o acto.
Note-se que esta acção reveste maior importância nos casos de dano ecológico colateral, i.e, quando resulte indirectamente da adopção de um regulamto ou de uma decisão. O problema que ainda assim se coloca é saber como pode ser requerida uma acção de anulação, viso que se exige uma lesão “directa e individual” na esfera jurídica do autor. De acordo com o Prof. Vasco Pereira parece que não existe grande obstáculo, considerando-se o Direito ao Ambiente como direito fundamental. Já de acordo com a Profª. Carla Amado Gomes a questão torna-se mais sensível porque considerando-se o ambiente como um bem colectivo, de utilidades inapropiáveis, a legitimidade individual é, deste modo, demasiado “curta” para cobrir a sua defesa.

De particular importância reveste-se também o processo de questões prejudiciais de validade (art. 267º b) Tratado de Lisboa). Esta é uma outra via de que os particulares se podem valer para contestar a validade dos acos comunitários. Fazendo do juiz nacional o órgão de aplicação do Direito Comunitário, este mecanismo permite a um particular, na pendência de qualquer litígio que envolva a aplicação de actoc comunitários como suporte de medidas nacionais, invocar a invalidade dos primeiros a fim de comprovar a invalidade das segundas, consequentemente.
Esta via jurisdicional é, contudo, mais demorada do que a acção de anulação, sendo que envolve órgãos de duas jurisdições diferentes.

Portugal e a União Europeia

Grande parte do direito nacional na área do ambiente nasce de legislação da União Europeia, doravante UE. Se, por exemplo, existe um processo de avaliação de impacto ambiental para determinados projectos, é porque esta é uma exigência do direito comunitário. As normas ambientais estabelecidas pela UE procuram, antes de mais, garantir, em cada um dos Estados-membros, um nível mínimo de protecção do ar, do solo, da água, da saúde humana, de modo a que não existam países permissivos e atractivos à realização de determindas actividades, à custa do bem estar dos cidadãos e da preservação da natureza.

Assim, a legislação ambiental europeia é composta sobretudo por regulamentos, os quais contêm normas concreas de aplicação imediata em todos os países membros e por directivas que funcionam como uma ordem dada aos Estados-membros para que tomem as medidas adequadas para se atingir um determinado fim. Cada Estado-membro é obrigado a adoptar legislação própria de modo a transpor para o direito interno tudo aquilo que uma direciva determina. Note-se que, mesmo que não transposta para a legislação interna, uma directiva ambiental pode ter um efeito directo, desde que estabeleça normas precisas e incondicionais, tais como limites para a concentração de poluentes ou a obrigatoriedade de informação ou consulta às populações.
Contudo, regra geral, depois de aprovada pela UE, cabe a cada Estado-membro transpô-la para a sua legislação interna. A Comissão Europeia fica com a missão de garantir o cumprimento da mesma.

Por tudo isto se percebe que, apesar de estarem previstos diversos procedimentos de acesso às instâncias comunitárias, o acesso a estas pelo particular torna-se demasiado difícil, visto que haver incumprimento, este ocorrerá, em primeira linha a nível interno. Além do mais, as infracções às directivas chegam à Comissão Europeia, normalmente, através de queixas de organizações não governamentais. Aliás, o mecanismo da queixa reveste-se de particular importância para as associações, que utilizam as denúncias como uma efeiciente e mediática pressão sobre o Governo.


Telma Varelas, subturma 6

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