quarta-feira, 26 de maio de 2010

Decisão do Supremo Tribunal Administrativo que permite retoma da co-incineração é contestada



O presidente da Câmara Municipal de Coimbra já manifestou o seu desagrado, insistindo que se trata de uma questão de teimosia política do Primeiro Ministro e o Bloco de Esquerda anunciou que vai apresentar uma iniciativa parlamentar para suspender definitivamente a co-incineração em Portugal.


Em Fevereiro último o Tribunal Central administrativo do Norte ordenou a suspensão da co-incineração de resíduos na cimenteira de Souselas, depois da interposição de uma providência cautelar, mas o Supremo Tribunal Administrativo (STA) decidiu agora que o processo pode ser retomado.

O acórdão do STA revoga o acórdão do Tribunal Central Administrativo do Norte, fazendo prevalecer a decisão do Tribunal Fiscal de Coimbra, favorável ao Ministério do Ambiente e à Cimpor.

A decisão do STJ está longe de ser pacífica e as vozes de contestação já se fizeram ouvir. Por um lado, o presidente da Câmara Municipal de Coimbra afirma que a insistência por parte do Primeiro-Ministro na co-incineração é uma questão de teimosia e concorda com o advogado que interpôs a providência cautelar para suspender o processo, que defende que a contenda deve ser alvo de uma decisão política tomada pela Assembleia da República, em alternativa à decisão judicial.

Por outro lado, o Bloco de Esquerda anunciou que vai apresentar uma iniciativa parlamentar para eliminar por completo a co-incineração em Portugal. Segundo afirmou Rita Calvário em declarações à TSF “Não é uma decisão do tribunal que nos vai fazer rever a nossa posição de oposição à co-incineração” e “iremos avançar com iniciativas para suspender de vez este processo”. tsf.sapo.pt

Comentário:

Dos Factos:

  • A questão da co-incineração de resíduos industriais perigosos é discutida na sociedade portuguesa desde a década de 90. Se até à data o Governo encontrava como oposição a Assembleia da República, a partir de 2000, depara-se também com a resistência dos Tribunais, intimidados através das autoridades municipais.

  • Em 1997, o Conselho de Ministros, aprovou a estratégica nacional de gestão de resíduos industriais, que definiu a co-incineração em unidades cimenteiras como forma preferencial de tratamento dos resíduos industriais perigosos incineráveis.

  • Após inúmeros procedimentos, em 2006, o Ministro do Ambiente, do Ordenamento do território e Desenvolvimento Regional, profere um despacho, nomeadamente o despacho n.º 16 447/2006, onde entendeu “(...) estarem reunidas as condições que justificam a dispensa do procedimento de avaliação de impacte ambiental. Assim, ao abrigo e nos termos do disposto no n.o 1 do artigo 3.o do Decreto-Lei n.o 69/2000, de 3 de Maio, na redacção que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n.o 197/2005, de 8 de Novembro, determino que o projecto de co-incineração de resíduos industriais perigosos no Centro de Produção de Souselas seja totalmente dispensado do procedimento de avaliação de impacte ambiental, ficando a presente dispensa condicionada ao cumprimento integral das medidas de minimização, anexas ao presente despacho.”

  • Ora, foi interposta uma providência cautelar no Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra, para suspender a eficácia do despacho supra referido.

  • A decisão não tardou em chegar, sendo aceite o pedido de suspensão do despacho, ao que a CIMPOR – Indústria de Cimentos, S.A., e o Ministério do Ambiente, do Ordenamento do Território e Desenvolvimento Regional, pediram recurso para o Tribunal Central Administrativo Norte.

  • O Tribunal Central Administrativo Norte (Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte (1.ª Secção) de 29.3.2007, P. 758/06.3BECBR), veio negar o provimento ao recurso mantendo a decisão de deferimento da providência, fundamentando da seguinte forma:

    • Permitir que o processo de licenciamento de co-incineração avance sem a realização do referido estudo de impacto ambiental é correr um sério risco de que a mesma comece a funcionar potenciando uma situação de facto consumando;

    • O que é bastante para que se considere preenchido o requisito periculum in mora previsto no artigo 120.º, n.º 1, alínea b), do CPTA;

    • Não resultando dos autos a existência dos prejuízos alegados com a suspensão do acto que dispensa a avaliação de impacto ambiental (AIA) não se podem considerar os mesmo superiores prejuízos que inevitavelmente decorrem de uma situação de facto consumado.”

  • Ao analisar o acórdão, e tendo em conta o leccionado, a discussão centra-se no significado processual do princípio da precaução. O Tribunal entendeu que deveria-se ter em conta o mecanismo de inversão do ónus da prova, subjacente ao princípio da precaução, apesar de em diversos momentos descartar a teoria da precaução, aplicando na mesma a lógica de facto notório associados aos riscos da co-incineração

Do Princípio da Prevenção e Precaução:

  • Segundo a doutrina maioritária, representada à cabeça por GOMES CANOTILHO e VASCO PEREIRA DA SILVA, o princípio da prevenção tem como finalidade “...evitar lesões do meio ambiente, o que implica capacidade de antecipação de situações potencialmente perigosas, de origem natural ou humana, capazes de pôr em risco os componentes ambientais, de modo a permitir a adopção dos meios mais adequado para afastar a sua verificação ou, pelo menos, minorar as suas consequências.”.

  • Do princípio da prevenção tem-se vindo a proceder á autonomização do princípio da precaução.

  • O Princípio da Precaução, encontra-se inscrito no artigo 15.º da Declaração do Rio de 1992, bem como no artigo 3.º; n.º 1; alínea a) da Lei n.º 58/2006, de 29 de Dezembro (Lei da Água).

  • Nos termos da referida Lei, define-se o Princípio da Precaução como “as medidas destinadas a evitar o impacto negativo de uma acção sobre o ambiente devem ser adoptadas mesmo na ausência de certeza cientifica da existência de uma relação causa – efeito entre eles”.

  • Esta divisão gera diversas complicações dogmáticas e até problemas de fundamentalismo ambiental, o que pode fazer com que o próprio ambiente esteja em causa.

  • Refere VASCO PEREIRA DA SILVA, que esta divisão, não deve ser realizada, por diversos problemas, os quais passamos a referenciar:

    • Em primeiro lugar refere o Professor Doutor que não se deve proceder a esta distinção, fazendo com que o principio de prevenção se aplique a perigos decorrentes de causas naturais, enquanto que o princípio da precaução se aplica a riscos provocados por acções humanas, visto que as lesões ambientais são o resultado de um concurso de causas em que é impossível distinguir verdadeiramente entre causas naturais ou comportamentos humanos, tendo em conta o elevado nível das sociedades industrializadas.

    • Mais defende o Professor Doutor, que não é correcto proceder a esta divisão em razão do carácter actual ou futuro dos riscos, pois ambos se encontram interligados.

    • Esta ideia poderia também originar, um princípio de “In dubio pro natura”, o que o Professor Doutor não aceita, pois pode ser considerado, como que uma “...verdadeira presunção, que obriga quem pretende iniciar uma qualquer actividade a fazer prova de que não existe qualquer perigo de lesão ambiental e, então, atribuir dimensão jurídica a tal princípio representaria uma carga excessiva, inibidora de qualquer nova realidade, seja em que domínio for, uma vez que o “risco zero” em matéria ambiental não existe.”.

    • Mais argumenta o Professor Doutor, que este tipo de divisão pode originar irracionalidade no domínio ius-ambiental.

    • Considera ainda que esta divisão faz com que exista uma afirmação de um “...ónus de prova de que não vai haver uma qualquer lesão ambiental, a cargo de quem pretende desenvolver uma actividade potencialmente danosa, o que se afigura, manifestamente excessivo, tanto do ponto de vista lógico como jurídico, não só em virtude do “risco zero” em matéria ambiental ser uma realidade inatingível, como também pelo facto da consagração de tal exigência representar um factor inibidor de qualquer fenómeno de mudança, susceptível de se virar mesmo contra o próprio ambiente.”.

    • Como tal, apresenta o ilustre Professor Doutor, um exemplo: “Veja-se o caso da reacção “emocional” das populações à instalação de um aterro sanitário, mesmo que a escolha do local se tenha revelado tecnicamente adequada e que da sua instalação resultem benefícios para a comunidade e para o meio-ambiente, para termos um bom exemplo de que mesmo a adopção de medidas “amigas do ambiente” também pode ter custos ambientais, pelo que a afirmação do referido ónus seria um contra-senso, que não deve integrar o conteúdo do princípio da prevenção.”.

  • Entende-se assim, na óptica do ilustre Professor Doutor, que não se deve proceder a esta distinção, sendo a melhor forma, utilizar regras de bom-senso, e aplicar de forma ampla o princípio da prevenção e não de forma restrita.

  • Para a Professora Doutora CARLA AMADO GOMES, no plano processual, o princípio da precaução avulta em dois planos, ou seja, no plano das acções de responsabilidade e no plano da justiça cautelar.

  • Para a ilustre Professora, “a precaução incorpora um critério material de ponderação que, no plano cautelar, desequilibra totalmente o balacing process previsto no n.º 2 do artigo 120.º do CPTA, o qual, embora numa lógica mais paritária, decorre igualmente do artigo 387.º, n.º 2, do CPC. Já no plano das acções de responsabilidade, a adopção do princípio da precaução como ratio decidendi, afronta decisivamente o critério da diligência do bonus pater familiae.”

  • Nesta opinião, mais um problema surge, nomeadamente quanto ao facto de o princípio da precaução não advir de uma norma superior, não acontecendo na realidade, o princípio não ganha autonomia, o que faz com que apenas pode demonstrar-se útil no estabelecimento de um critério de decisão à disposição do juiz, o que quer dizer que na dúvida, decide pro ambiente.

  • Quanto á inversão do ónus da prova, também a Professora Doutora CARLA AMADO GOMES, é da opinião que é um mecanismo muito complicado e pesado para quem o tem de provar, comparado in extremis com a prova diabólica.

  • Transportando para o mundo do Contencioso Administrativo, uma questão relevante a levantar nesta problemática corresponde à aplicação do regime da legitimidade, prevista nos artigos 9.º e seguintes do CPTA.

  • Estamos perante um caso de aplicação do artigo 9.º; n.º 2 do CPTA, em que “independentemente de ter interesse pessoal na demanda, qualquer pessoa, bem como as associações e fundações defensoras dos interesses em causa, as autarquias locais e o Ministério Público têm legitimidade para propor e intervir nos termos previstos na lei, em processos principais e cautelares destinados à defesa de valores e bens constitucionalmente protegidos, como a saúde pública, o ambiente, o urbanismo, o ordenamento do território, a qualidade de vida, o património cultural e os bens Estado, das Regiões Autónomas e das autarquias locais”.

  • Através deste artigo quis o legislador ampliar a legitimidade activa para a interposição de acções para além dos sujeitos com interesses próprios na causa. Os sujeitos mencionados no artigo 9.º; n.º 2 do CPTA devem assumir sempre uma postura de defesa da Legalidade e do interesse público, e não um interesse próprio na acção.

  • Estando em causa um bem constitucional protegido no artigo 66.º da CRP e tratando-se de uma questão de saúde publica e ambiente, então era possível recorrermos à Acção Popular Genérica.

  • Tendo em conta o artigo noticioso que trazemos á colação, certo é que o acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, foi alvo de recurso, onde foi concedida a revista.


André Canelas; n.º 16503

Cláudio Gomes; n.º 16989

Subturma 5

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