terça-feira, 18 de maio de 2010

As Organizações Não Governamentais de Ambiente (ONGA) e a protecção do Ambiente

1. Regime Jurídico

As Organizações Não Governamentais de Ambiente, as ONGA, dispõem de um regime próprio definido por lei, decretada pela Assembleia da República nos termos dos artigos 161º/c), 166º/3 e 112º/5 da Constituição da República Portuguesa. Trata-se da Lei 35/98 de 18 de Julho.
Neste diploma constam matérias como o seu objecto, o seu estatuto, questões como o direito de acesso e consulta de informação – art. 5º, o direito de participação – art. 6º, o direito de representação – art. 7º, o direito de antena – art. 15º, a legitimidade processual – art. 10º, – e, ainda, o registo e fiscalização das mesmas que cabe ao IPAMB – Instituto de Promoção do Ambiente, actual Agência Portuguesa do Ambiente após a fusão do Instituto do Ambiente que, por sua vez, tinha vindo substituir o IPAMB, e do Instituto dos Resíduos na Agência Portuguesa do Ambiente (APA), conforme dispõem os arts. 17º a 20º da Lei 35/98 de 18 de Julho.
Cabe, agora, fazer um pequeno enquadramento histórico desta lei das ONGA: Desde a aprovação da Lei das Associações de Defesa do Ambiente, em 1987, que o ordenamento jurídico português prevê um regime para a intervenção e o apoio às associações de Ambiente. Com o surgimento da Lei das ONGA, aprovada em 1998 e que viria a substituir a anterior Lei 10/87 de 4 de Abril, a introdução do conceito de Organização Não Governamental de Ambiente – ONGA – vem substituir o conceito antigo de associação de defesa do Ambiente, concretizando no plano interno uma evolução verificada no Direito Internacional.


2. Perfil das ONGA

Antes de mais, faz-se referência ao direito constitucionalmente previsto de constituir associações de defesa do Ambiente, nos termos do art. 46º conjugado com o art. 66º/2 da CRP, surgindo as ONGA neste plano organizativo.
As Organizações Não Governamentais de Ambiente desempenham um papel fundamental no que respeita à protecção e defesa do Ambiente e dos recursos naturais já que são um instrumento de participação da população e dos cidadãos em geral, atendendo ao seu carácter não governamental.
Assim, constituem pilares deste papel das ONGA a defesa e valorização do Ambiente ou do património natural e construído bem como a conservação da Natureza, conforme se encontra previsto no art. 2º/1 da Lei 35/98 de 18 de Julho, sendo que estas organizações não podem prosseguir fins lucrativos para si ou para os seus associados, ponto este que atesta o seu escopo “desinteressado”. O facto de serem organizações não governamentais permite-lhes desenvolver vários tipos de acções com independência em relação ao poder político de forma a mobilizar a opinião pública a intervir em determinadas questões relacionadas com a protecção do Ambiente, mas sem estarem adstritas às políticas seguidas pelo Executivo.
São dotadas de personalidade jurídica, nos termos deste artigo, porém coexiste este regime com os desvios à regra geral previstos nos seus números 2 e 4.
Uma breve nota para referir que a personalidade jurídica das associações encontra-se regulada no art. 158º/1 do Código Civil, dispondo desta característica aquelas associações que tiverem sido constituídas por escritura pública.
O estatuto das ONGA desenvolvido nesta lei depende do seu registo, designadamente à luz do art. 17º/1 e seguintes, onde se prevê o procedimento adequado para o registo nacional das associações interessadas – que precisam de, pelo menos, 100 interessados para poderem ser admitidas a registo, segundo o art. 17º/2.
É-lhes, ainda, garantido o reconhecimento enquanto pessoas colectivas de utilidade pública caso preencham os requisitos do Decreto-lei 460/77 de 7 de Novembro e para a hipótese de desempenharem uma “efectiva e relevante actividade”, bem como disporem de registo público há pelo menos 5 anos. Neste caso, caberá à figura do Primeiro-Ministro o reconhecimento destas condições previstas e a emissão da respectiva declaração de utilidade pública, mediante parecer da actual APA, extinto IPAMB, sendo esta publicada em Diário da República, nos termos do art. 4º/2 e 3.
Nos termos do art. 14º/1 e 2, as ONGA têm direito ao apoio do Estado, que no âmbito da sua tarefa fundamental de defesa da Natureza e do Ambiente do art. 9º/e) da Constituição da República Portuguesa, tem esta incumbência que é exercida através da administração central, local e regional. O apoio prestado é técnico e financeiro, como se infere do art. 14º/2. Também, pelo art. 12º, têm direito a isenções fiscais nos termos aí mencionados.


3. A protecção do Ambiente como objectivo

A defesa do Ambiente será sempre o propósito das Organizações Não Governamentais de Ambiente, sendo que a Constituição da República Portuguesa assegura um “direito ao ambiente” no seu art. 66º/2, onde se estabelece a determinação de incumbências ao Estado bem como a outras entidades públicas e privadas já que também a participação dos cidadãos através das associações de moradores, por exemplo, bem como das associações de defesa do ambiente é de extrema importância para a concretização deste direito.
O direito ao Ambiente é reconhecido como um direito fundamental e é imediatamente operativo nas relações entre particulares. Contém uma vertente positiva e uma vertente negativa. A primeira materializa-se através das medidas tomadas para a protecção dos recursos naturais e do património natural, também de forma a proporcionar aos cidadãos “um ambiente sadio e ecologicamente equilibrado” à luz do art. 66º/1 da CRP, e pode manifestar-se através de prestações positivas do Estado. Decorrem do papel do Estado obrigações políticas, legislativas, administrativas e penais neste âmbito. Por outro lado, a vertente negativa traduz-se na abstenção de determinadas condutas que sejam ou possam vir a ser lesivas para o Ambiente, portanto prestações de non facere, que têm como fim a sua conservação.
A possibilidade da intervenção das associações de defesa do Ambiente na protecção do mesmo consta do art. 46º conjugado com o art. 66º/2 da CRP, pelo que fica demonstrada a importância da acção destes organismos no que toca à concretização das incumbências e efectivação de direitos que, como foi referido, não é um exclusivo das entidades públicas. Também à luz de um princípio de democracia participativa, retirado dos arts. 2º/2ª parte, 9º/c) e art. 267º/1 1ª parte da CRP, se compreende não só a intervenção de associações de defesa do Ambiente, designadamente as ONGA, mas também a própria participação dos cidadãos.
É descrito, ainda, um princípio de participação colectiva que corresponde ao direito de os indivíduos e grupos sociais intervirem na formulação e execução da política do Ambiente.
Algumas incumbências decorrentes da defesa do Ambiente e que podem ser prosseguidas pelo Estado – art. 9º/e) da CRP – são, nomeadamente, as seguintes:
- Prevenção e controlo da poluição e dos seus efeitos;
- Prevenção e controlo da erosão;
- Protecção de paisagens e sítios;
- Promoção da qualidade ambiental das povoações e da vida humana;
- Promoção da educação ambiental e respeitos pelos valores ambientais.


4. Funções e acção desempenhada

A acção das ONGA distribui-se por várias áreas dispersas nesta lei. Chama-se a atenção ao direito de participação na definição da política e grandes linhas orientadoras em matéria de Ambiente – art. 6º - que lhes permite intervir e colocar em discussão questões que considere relevantes, bem como ao direito de antena previsto no art. 15º que lhes atribui espaço na antena televisiva ou na rádio para a difusão de mensagens adequadas aos seus fins de protecção e defesa ambiental. Atente-se, também, ao dever de colaboração com a Administração Pública plasmado no art. 16º que promove um entendimento recíproco em relação a acções que fomentem a protecção e valorização ambiental.
Finalmente, o direito de acesso à informação do art. 5º que faculta às ONGA o acesso e consulta de informação junto da Administração Pública de documentos ou decisões em matéria ambiental.


4.1 Da representação

O Direito de Representação das ONGA encontra-se previsto no art. 7º da Lei 35/98, podendo para efeitos desta figura, estabelecer-se três níveis de ONGA:

A. ONGA de âmbito nacional – as ONGA que desenvolvam, com carácter regular e permanente, actividades de interesse nacional ou em todo o território nacional e que tenham pelo menos 2000 associados;
B. ONGA de âmbito regional – as ONGA que desenvolvam, com carácter regular e permanente, actividades de interesse ou alcance geográfico supramunicipal e que tenham pelo menos 400 associados;
C. ONGA de âmbito local – as ONGA que desenvolvam, com carácter regular e permanente, actividades de interesse ou alcance geográfico municipal ou inframunicipal e que tenham pelo menos 100 associados.

Caso tenham alcance nacional as ONGA têm o estatuto de parceiro social, podendo beneficiar do efeito de representação no Conselho Economizo e Social, no conselho directivo da APA (extinto IPAMB) e nos órgãos de consulta da Administração Pública, de acordo com o que está tipificado no art. 7º/1. Para a hipótese de ONGA de alcance regional ou local atenda-se ao art. 7º/2 que atribui direito de representação nos órgãos de consulta da Administração Pública regional ou local assim como nos órgãos de consulta da Administração Pública central com competência sectorial. Caberá à APA, uma vez extinto o IPAMB, a atribuição do âmbito às ONGA no acto de registo, segundo o art. 7º/5.

4.2 Participação nos procedimentos

A sua intervenção nos procedimentos que visam a protecção do Ambiente manifesta-se através, por exemplo, do direito de participação na formação das decisões administrativas à luz do art. art. 66º/1 e art. 267º/4 da CRP. Dispõe a Lei 35/98 de um preceito que regula a acção das ONGA no tocante a meios e procedimentos administrativos, tratando-se do art. 9º. Como é possível concluir, é-lhes atribuída legitimidade para promover meios administrativos de defesa do Ambiente, assim como iniciar e intervir num procedimento administrativo – art. 9º/1.
Também a CRP prevê um direito de impugnar contenciosamente decisões administrativas que possam provocar a degradação do Ambiente no art. 268º/4.
Em relação a legitimidade processual, as ONGA poderão propor acções judiciais, independentemente de terem interesse directo na demanda nos termos do art. 10º/a) e b), bem como recorrer de actos e regulamentos administrativos que violem disposições de protecção do Ambiente – art. 10º/c) – e apresentar queixas ou denúncias – 10º/d).

5. Exemplos de ONGA

Em conclusão, ficam alguns exemplos de Organizações Não Governamentais de Ambiente que seguem o desígnio expressamente consagrado no art. 2º/1 da Lei 35/98 de 18 de Julho de defesa e valorização do Ambiente e do património natural e construído bem como a conservação da Natureza. De resto, todas têm em comum, como se viu, o fim não lucrativo e a independência em relação à política do Executivo em matéria ambiental.

A. Quercus: “É uma associação independente, apartidária, de âmbito nacional, sem fins lucrativos e constituída por cidadãos que se juntaram em torno do mesmo interesse pela Conservação da Natureza e dos Recursos Naturais e na Defesa do Ambiente em geral, numa perspectiva de desenvolvimento sustentado.”

B. GAIA: “O GAIA (Grupo de Acção e Intervenção Ambiental) é uma associação ecologista, inovadora, plural, apartidária e não hierárquica. (…) O GAIA é uma ONGA (organização não-governamental do ambiente) com uma forte componente activista, recorrendo a acções directas, criativas e não violentas, promovendo o trabalho a partir das bases. Aborda a problemática ecológica através de uma crítica ao modelo social e económico que explora e prejudica o planeta, a sociedade e as gerações futuras. Paralelamente, procura construir alternativas positivas para um mundo ecologicamente sustentável e socialmente justo.”

C. LPN: “A Liga para a Protecção da Natureza (LPN) é uma Organização Não Governamental de Ambiente (ONGA). (…) É uma Associação sem fins lucrativos com estatuto de Utilidade Pública. Tem como objectivo principal contribuir para a conservação do património natural, da diversidade das espécies e dos ecossistemas. (…) As actividades da LPN compreendem a intervenção cívica através de projectos de Conservação da Natureza, Investigação, Formação, Educação e Sensibilização Ambiental.”

D. EURONATURA: “A EURONATURA - Centro para o Direito Ambiental e Desenvolvimento Sustentado é uma organização sem fins lucrativos equiparada a organização não-governamental de ambiente, especializada em investigação em ciência, política e direito de ambiente, particularmente no respeitante a matérias de cariz internacional.”

E. Campo Aberto: “A Campo Aberto é uma associação sem fins lucrativos, de duração ilimitada, com personalidade jurídica, que visa debater e promover o exercício da cidadania no domínio do ambiente, sobretudo nas suas dimensões natural, rural e urbana. Nisso assenta o interesse que vem dedicando às questões urbanísticas, que consideramos decisivas em matéria de qualidade de vida e do ambiente citadino.”

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