1. Regime Jurídico
As Organizações Não Governamentais de Ambiente, as ONGA, dispõem de um regime próprio definido por lei, decretada pela Assembleia da República nos termos dos artigos 161º/c), 166º/3 e 112º/5 da Constituição da República Portuguesa. Trata-se da Lei 35/98 de 18 de Julho.
Neste diploma constam matérias como o seu objecto, o seu estatuto, questões como o direito de acesso e consulta de informação – art. 5º, o direito de participação – art. 6º, o direito de representação – art. 7º, o direito de antena – art. 15º, a legitimidade processual – art. 10º, – e, ainda, o registo e fiscalização das mesmas que cabe ao IPAMB – Instituto de Promoção do Ambiente, actual Agência Portuguesa do Ambiente após a fusão do Instituto do Ambiente que, por sua vez, tinha vindo substituir o IPAMB, e do Instituto dos Resíduos na Agência Portuguesa do Ambiente (APA), conforme dispõem os arts. 17º a 20º da Lei 35/98 de 18 de Julho.
Cabe, agora, fazer um pequeno enquadramento histórico desta lei das ONGA: Desde a aprovação da Lei das Associações de Defesa do Ambiente, em 1987, que o ordenamento jurídico português prevê um regime para a intervenção e o apoio às associações de Ambiente. Com o surgimento da Lei das ONGA, aprovada em 1998 e que viria a substituir a anterior Lei 10/87 de 4 de Abril, a introdução do conceito de Organização Não Governamental de Ambiente – ONGA – vem substituir o conceito antigo de associação de defesa do Ambiente, concretizando no plano interno uma evolução verificada no Direito Internacional.
2. Perfil das ONGA
Antes de mais, faz-se referência ao direito constitucionalmente previsto de constituir associações de defesa do Ambiente, nos termos do art. 46º conjugado com o art. 66º/2 da CRP, surgindo as ONGA neste plano organizativo.
As Organizações Não Governamentais de Ambiente desempenham um papel fundamental no que respeita à protecção e defesa do Ambiente e dos recursos naturais já que são um instrumento de participação da população e dos cidadãos em geral, atendendo ao seu carácter não governamental.
Assim, constituem pilares deste papel das ONGA a defesa e valorização do Ambiente ou do património natural e construído bem como a conservação da Natureza, conforme se encontra previsto no art. 2º/1 da Lei 35/98 de 18 de Julho, sendo que estas organizações não podem prosseguir fins lucrativos para si ou para os seus associados, ponto este que atesta o seu escopo “desinteressado”. O facto de serem organizações não governamentais permite-lhes desenvolver vários tipos de acções com independência em relação ao poder político de forma a mobilizar a opinião pública a intervir em determinadas questões relacionadas com a protecção do Ambiente, mas sem estarem adstritas às políticas seguidas pelo Executivo.
São dotadas de personalidade jurídica, nos termos deste artigo, porém coexiste este regime com os desvios à regra geral previstos nos seus números 2 e 4.
Uma breve nota para referir que a personalidade jurídica das associações encontra-se regulada no art. 158º/1 do Código Civil, dispondo desta característica aquelas associações que tiverem sido constituídas por escritura pública.
O estatuto das ONGA desenvolvido nesta lei depende do seu registo, designadamente à luz do art. 17º/1 e seguintes, onde se prevê o procedimento adequado para o registo nacional das associações interessadas – que precisam de, pelo menos, 100 interessados para poderem ser admitidas a registo, segundo o art. 17º/2.
É-lhes, ainda, garantido o reconhecimento enquanto pessoas colectivas de utilidade pública caso preencham os requisitos do Decreto-lei 460/77 de 7 de Novembro e para a hipótese de desempenharem uma “efectiva e relevante actividade”, bem como disporem de registo público há pelo menos 5 anos. Neste caso, caberá à figura do Primeiro-Ministro o reconhecimento destas condições previstas e a emissão da respectiva declaração de utilidade pública, mediante parecer da actual APA, extinto IPAMB, sendo esta publicada em Diário da República, nos termos do art. 4º/2 e 3.
Nos termos do art. 14º/1 e 2, as ONGA têm direito ao apoio do Estado, que no âmbito da sua tarefa fundamental de defesa da Natureza e do Ambiente do art. 9º/e) da Constituição da República Portuguesa, tem esta incumbência que é exercida através da administração central, local e regional. O apoio prestado é técnico e financeiro, como se infere do art. 14º/2. Também, pelo art. 12º, têm direito a isenções fiscais nos termos aí mencionados.
3. A protecção do Ambiente como objectivo
A defesa do Ambiente será sempre o propósito das Organizações Não Governamentais de Ambiente, sendo que a Constituição da República Portuguesa assegura um “direito ao ambiente” no seu art. 66º/2, onde se estabelece a determinação de incumbências ao Estado bem como a outras entidades públicas e privadas já que também a participação dos cidadãos através das associações de moradores, por exemplo, bem como das associações de defesa do ambiente é de extrema importância para a concretização deste direito.
O direito ao Ambiente é reconhecido como um direito fundamental e é imediatamente operativo nas relações entre particulares. Contém uma vertente positiva e uma vertente negativa. A primeira materializa-se através das medidas tomadas para a protecção dos recursos naturais e do património natural, também de forma a proporcionar aos cidadãos “um ambiente sadio e ecologicamente equilibrado” à luz do art. 66º/1 da CRP, e pode manifestar-se através de prestações positivas do Estado. Decorrem do papel do Estado obrigações políticas, legislativas, administrativas e penais neste âmbito. Por outro lado, a vertente negativa traduz-se na abstenção de determinadas condutas que sejam ou possam vir a ser lesivas para o Ambiente, portanto prestações de non facere, que têm como fim a sua conservação.
A possibilidade da intervenção das associações de defesa do Ambiente na protecção do mesmo consta do art. 46º conjugado com o art. 66º/2 da CRP, pelo que fica demonstrada a importância da acção destes organismos no que toca à concretização das incumbências e efectivação de direitos que, como foi referido, não é um exclusivo das entidades públicas. Também à luz de um princípio de democracia participativa, retirado dos arts. 2º/2ª parte, 9º/c) e art. 267º/1 1ª parte da CRP, se compreende não só a intervenção de associações de defesa do Ambiente, designadamente as ONGA, mas também a própria participação dos cidadãos.
É descrito, ainda, um princípio de participação colectiva que corresponde ao direito de os indivíduos e grupos sociais intervirem na formulação e execução da política do Ambiente.
Algumas incumbências decorrentes da defesa do Ambiente e que podem ser prosseguidas pelo Estado – art. 9º/e) da CRP – são, nomeadamente, as seguintes:
- Prevenção e controlo da poluição e dos seus efeitos;
- Prevenção e controlo da erosão;
- Protecção de paisagens e sítios;
- Promoção da qualidade ambiental das povoações e da vida humana;
- Promoção da educação ambiental e respeitos pelos valores ambientais.
4. Funções e acção desempenhada
A acção das ONGA distribui-se por várias áreas dispersas nesta lei. Chama-se a atenção ao direito de participação na definição da política e grandes linhas orientadoras em matéria de Ambiente – art. 6º - que lhes permite intervir e colocar em discussão questões que considere relevantes, bem como ao direito de antena previsto no art. 15º que lhes atribui espaço na antena televisiva ou na rádio para a difusão de mensagens adequadas aos seus fins de protecção e defesa ambiental. Atente-se, também, ao dever de colaboração com a Administração Pública plasmado no art. 16º que promove um entendimento recíproco em relação a acções que fomentem a protecção e valorização ambiental.
Finalmente, o direito de acesso à informação do art. 5º que faculta às ONGA o acesso e consulta de informação junto da Administração Pública de documentos ou decisões em matéria ambiental.
4.1 Da representação
O Direito de Representação das ONGA encontra-se previsto no art. 7º da Lei 35/98, podendo para efeitos desta figura, estabelecer-se três níveis de ONGA:
A. ONGA de âmbito nacional – as ONGA que desenvolvam, com carácter regular e permanente, actividades de interesse nacional ou em todo o território nacional e que tenham pelo menos 2000 associados;
B. ONGA de âmbito regional – as ONGA que desenvolvam, com carácter regular e permanente, actividades de interesse ou alcance geográfico supramunicipal e que tenham pelo menos 400 associados;
C. ONGA de âmbito local – as ONGA que desenvolvam, com carácter regular e permanente, actividades de interesse ou alcance geográfico municipal ou inframunicipal e que tenham pelo menos 100 associados.
Caso tenham alcance nacional as ONGA têm o estatuto de parceiro social, podendo beneficiar do efeito de representação no Conselho Economizo e Social, no conselho directivo da APA (extinto IPAMB) e nos órgãos de consulta da Administração Pública, de acordo com o que está tipificado no art. 7º/1. Para a hipótese de ONGA de alcance regional ou local atenda-se ao art. 7º/2 que atribui direito de representação nos órgãos de consulta da Administração Pública regional ou local assim como nos órgãos de consulta da Administração Pública central com competência sectorial. Caberá à APA, uma vez extinto o IPAMB, a atribuição do âmbito às ONGA no acto de registo, segundo o art. 7º/5.
4.2 Participação nos procedimentos
A sua intervenção nos procedimentos que visam a protecção do Ambiente manifesta-se através, por exemplo, do direito de participação na formação das decisões administrativas à luz do art. art. 66º/1 e art. 267º/4 da CRP. Dispõe a Lei 35/98 de um preceito que regula a acção das ONGA no tocante a meios e procedimentos administrativos, tratando-se do art. 9º. Como é possível concluir, é-lhes atribuída legitimidade para promover meios administrativos de defesa do Ambiente, assim como iniciar e intervir num procedimento administrativo – art. 9º/1.
Também a CRP prevê um direito de impugnar contenciosamente decisões administrativas que possam provocar a degradação do Ambiente no art. 268º/4.
Em relação a legitimidade processual, as ONGA poderão propor acções judiciais, independentemente de terem interesse directo na demanda nos termos do art. 10º/a) e b), bem como recorrer de actos e regulamentos administrativos que violem disposições de protecção do Ambiente – art. 10º/c) – e apresentar queixas ou denúncias – 10º/d).
5. Exemplos de ONGA
Em conclusão, ficam alguns exemplos de Organizações Não Governamentais de Ambiente que seguem o desígnio expressamente consagrado no art. 2º/1 da Lei 35/98 de 18 de Julho de defesa e valorização do Ambiente e do património natural e construído bem como a conservação da Natureza. De resto, todas têm em comum, como se viu, o fim não lucrativo e a independência em relação à política do Executivo em matéria ambiental.
A. Quercus: “É uma associação independente, apartidária, de âmbito nacional, sem fins lucrativos e constituída por cidadãos que se juntaram em torno do mesmo interesse pela Conservação da Natureza e dos Recursos Naturais e na Defesa do Ambiente em geral, numa perspectiva de desenvolvimento sustentado.”
B. GAIA: “O GAIA (Grupo de Acção e Intervenção Ambiental) é uma associação ecologista, inovadora, plural, apartidária e não hierárquica. (…) O GAIA é uma ONGA (organização não-governamental do ambiente) com uma forte componente activista, recorrendo a acções directas, criativas e não violentas, promovendo o trabalho a partir das bases. Aborda a problemática ecológica através de uma crítica ao modelo social e económico que explora e prejudica o planeta, a sociedade e as gerações futuras. Paralelamente, procura construir alternativas positivas para um mundo ecologicamente sustentável e socialmente justo.”
C. LPN: “A Liga para a Protecção da Natureza (LPN) é uma Organização Não Governamental de Ambiente (ONGA). (…) É uma Associação sem fins lucrativos com estatuto de Utilidade Pública. Tem como objectivo principal contribuir para a conservação do património natural, da diversidade das espécies e dos ecossistemas. (…) As actividades da LPN compreendem a intervenção cívica através de projectos de Conservação da Natureza, Investigação, Formação, Educação e Sensibilização Ambiental.”
D. EURONATURA: “A EURONATURA - Centro para o Direito Ambiental e Desenvolvimento Sustentado é uma organização sem fins lucrativos equiparada a organização não-governamental de ambiente, especializada em investigação em ciência, política e direito de ambiente, particularmente no respeitante a matérias de cariz internacional.”
E. Campo Aberto: “A Campo Aberto é uma associação sem fins lucrativos, de duração ilimitada, com personalidade jurídica, que visa debater e promover o exercício da cidadania no domínio do ambiente, sobretudo nas suas dimensões natural, rural e urbana. Nisso assenta o interesse que vem dedicando às questões urbanísticas, que consideramos decisivas em matéria de qualidade de vida e do ambiente citadino.”
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