quarta-feira, 19 de maio de 2010

O Direito à Informação Ambiental

O direito de acesso à informação surge no art.268/1 e 2 CRP, numa dupla dimensão: subjectiva, na medida em que a informação e o acesso às suas fontes são essenciais para que o cidadão compreenda o fundamento e o limite dos seus direitos em face dos poderes públicos, nº1; objectiva, porquanto o controlo da transparência da decisão administrativa depende da possibilidade de os cidadãos se informarem e serem informados sobre os passos do iter procedimental, nº2. Nesta segunda vertente, que de alguma forma faz eco do disposto na Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789, o acesso á informação não só representa uma inversão lógica de segredo tradicionalmente associada ao funcionamento da máquina administrativa, como acresce à legitimidade da decisão por força da potencial abertura a um contraditório público.
Se a sustentabilidade da democracia depende do nível de informação dos cidadãos, a sustentabilidade ambiental tem com o acesso à informação uma ligação estrutural. O ambiente enquanto valor de interesse público e colectivo induz a solidariedade entre os membros da comunidade no sentido da prevenção de condutas lesivas de bens essencialmente frágeis e fundamentais ao equilíbrio do ecossistema global.
A protecção ambiental enquanto tarefa partilhada entre entidades públicas e privadas traduz-se, do ponto de vista do sujeito, numa dimensão impositiva (o dever de proteger o ambiente) e em dimensões pretensivas, de natureza procedimental e processual. O interesse de facto de fruição de bens colectivos, para além de um status fruendi é também um status activae processualis, indutor da sensibilização para a necessidade de um esforço solidário no sentido da prevenção dos bens ambientais. Porque o imperativo de protecção do ambiente investe cada indivíduo na dupla qualidade de credor e devedor: é um dever de cada pessoa, cujo cumprimento reverte, quer a favor de si própria, quer a favor dos restantes membros da comunidade, ou seja, é um interesse de realização comunitária, solidária, assente numa cidadania activamente empenhada no respeito e promoção da causa ecológica – uma eco-cidadania.
O acesso á informação ambiental assume, por si só, uma dimensão de participação política, que se traduz no simples desejo de estar informado sobre as intervenções, públicas e privadas, em bens de fruição colectiva. Depois, poderá revelar uma feição pedagógica, dotando o indivíduo do conhecimento essencial á determinação da sua intenção, nos planos pessoal e profissional, com o ambiente. Finalmente, encontramos uma vertente instrumental do direito á informação ambiental, no seu entrelaçamento com o direito à participação na tomada de decisões ambientais. Enfim, o direito á informação reveste inegável substantividade, constituindo uma forma de envolver o cidadão n cadeia de solidariedade intra e intergeracional. Incidindo sobre bens de qualidades difusas, imaterias, individualmente inapropriáveis, o direito de acesso à informação provoca um magnetismo especial sobre a tutela ambiental, gerando e alimentando um sentimento de responsabilidade partilhada, que se desenvolve, quer a montante de procedimentos autorizativos (consulta pública no âmbito de avaliação de impacto ambiental, arts. 14 e 15 D.L 69/2000 de 3 de Maio; divulgação dos elementos do pedido de licença ambiental, art.24 D.L 194/2000de 21 Agosto), quer a jusante (publicação periódica dos relatórios de monotorização no âmbito de pós-avaliação, art.23 D.L 69/2000; disponibilização da decisão e seus fundamentos, das renovações e das monitorizações de emissões previstas na licença ambiental, art.25 D.L194/2000).
Assim, ainda que o direito à informação ambiental não esteja consagrado na Constituição, podemos subscrever a afirmação de Jorge Miranda, quando filia este direito nos arts.9 e), 66, 20/2, 37, 48, 268/1 e 2 da CRP, interpretados no contexto do Estado de Direito Democrático que conta entre as suas tarefas fundamentais a da protecção do ambiente.
A Comunidade Europeia despertou para a necessidade de consagração formal de um direito á informação ambiental em 1990, através da directiva do Conselho 90/313/CEE de 7 de Junho. Não pode no entanto ignorar-se a importância que a aprovação da primeira directiva sobre a avaliação de impacto ambiental (directiva 85/337/CEE, de 27 de Junho) terá tido na consciencialização do acesso á informação com instrumento essencial da participação pública e do incremento da vigilância partilhada da qualidade ambiental. Nem tão pouco se deve esquecer a projecção da jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, que apesar de não ter a seu cargo a protecção do ambiente, proferiu em 1990 duas importantes decisões nas quais, através da tutela da personalidade e apelando ao art.8 se alcançava uma tutela mediata do ecossistema. A doutrina viu nesta jurisprudência uma forma de sustentar, através da ligação com o art.10 da Convenção, um verdadeiro direito de acesso á informação ambiental a que corresponde um dever estadual de a publicitar, sempre que a informação tenha relevância generalizada ou para um grupo numeroso de pessoas. Nenhum dos quadros, assume, no entanto o direito à informação com um direito absoluto.
Com a criação da Agência Europeia para o Ambiente, com atribuições na área da recolha e tratamento de informação, no sentido de assegurar a comparabilidade de danos ambientais no plano europeu e processá-la sistematicamente em estudos, de forma a promover a adopção de políticas eminentemente preventivas, quer no âmbito comunitário, quer no plano internacional, a Comunidade dotou-se de uma estrutura permanente e centralizada de tratamento e difusão de informação ambiental.
Na Conferência de Sofia, realizada entre 23 e 26 de Outubro de 1995, reuniram-se os Ministros do Ambiente de 55 países, passando a escrito um conjunto de directrizes sobre o direito á participação pública em matéria ambiental e todas as faculdades inerentes, a montante (informação) e a jusante (acesso à justiça). Desse documento, saiu um apelo para que os Estados se determinassem a tornar estes direitos realidade. Este alerta foi tomado a sério, traduzindo-se num intenso processo diplomático, que integrou Estados e Organizações não governamentais. Deste esforço resultou a Convenção de Aarhus, assinada em 25 de Junho de 1998 por 35 Estados e pela União Europeia. A assinatura da Convenção de Aarhus pela União Europeia teve duas consequências fundamentais: a revisão da directiva 90/313/CEE, através da nova directiva 2003/4/CE, do Parlamento e do Conselho, de 28 de Junho e a aprovação do regulamento 1367/2006, do Parlamento e do Conselho, de 6 de Setembro, relativo à aplicação das disposições da Convenção no âmbito intra-comunitário.
A Convenção de Aarhus visa harmonizar os pressupostos de exercício de três direitos: direito de acesso á informação ambiental, arts.4 e 5; o direito de participação em procedimentos tendentes à aprovação de actividades específicas, art.6 e de planos, programas e politicas em matéria de ambiente, arts.7 e 8 e o direito de acesso à justiça, art.9. Na sequência da rectificação pela Assembleia da República, em 2003, desta Convenção, e mais directamente em virtude da necessidade de transposição da directiva 2003/4/CE, sobre o direito á informação ambiental, Portugal criou um diploma específico sobre o acesso à informação ambiental, a Lei 19/2006, de 12 de Junho (LAIA), que se assume em virtude da natureza política e colectiva do bem ambiente, como lei especial relativamente à pré-existente Lei de acesso aos documentos administrativos (Lei 65/93 de 26 de Agosto, LADA).
O art.4 da LAIA, através da necessidade de promover a” cidadania ambiental”, vincula as autoridades públicas ao cumprimento de determinadas tarefas no âmbito da divulgação da informação em matéria ambiental. A actualização da informação é um imperativo em sede ambiental, em razão da célere mutação do estado de preservação dos elementos naturais e da progressiva consciencialização das entidades públicas e privadas para a necessidade da sua protecção. O art.5 da LAIA dispõe sobre este dever de actualização, activa e sistemática, da informação ambiental, que deverá ser progressivamente disponibilizada “em base de dados electrónica facilmente acessíveis ao público através de redes públicas”. A informação a compilar e actualizar inclui desde convenções internacionais a dados ou resumos dos dados resultantes do controlo das actividades que afectam ou podem afectar o ambiente; de autorizações a acordos com impacto significativo sobre o ambiente; de estudos de impacto ambiental ao relatório anula sobre o estado do ambiente, entre outros, art.5/3 da LAIA. Este relatório é objecto de publicação anual, art.5/4 da LAIA.
O acesso à informação sobre o ambiente pode traduzir-se em duas modalidades: a mera consulta de dados e a obtenção documentada de dados informativos, art.6/2 e 3 da LAIA. Esta última, que a lei identifica como “disponibilização da informação”, pode ser requerida por qualquer pessoa, sem que necessite de justificar o seu regime, art.6/1. Deverá fazê-lo por escrito, em requerimento de onde constem: os elementos essenciais da sua identificação e indicação do local da residência, art.6/2; a determinação precisa dos elementos de informação que pretende, art.8 da LAIA – a autoridade administrativa deve por seu turno esclarecer os métodos de avaliação do estado dos componentes ambientais subjacentes à informação fornecida nessa sede, art.7 da LAIA; o formato em que deseja ver-lhe fornecida a informação, art.10 da LAIA.
O requerente tem direito a uma resposta sobre o pedido de disponibilização da informação no prazo de 10 dias, seja ela positiva, art.9/1 da LAIA, ou negativa, art.13 da LAIA. A resposta ao pedido de disponibilização da informação pode ser positiva, parcialmente positiva, art.12 da LAIA, negativa, ou nenhuma das três, em virtude de o acesso à informação dever ser deferido para momento posterior, art.11/2 e 5 da LAIA. Superior importância releva nesta sede o nº6 do art.11 da LAIA, onde se listam os fundamentos de indeferimento.
A lei alberga ainda três cláusulas flexibilizadoras dos fundamentos de recusa de acesso à informação ambiental. São elas: o nº7 do art.11, que neutraliza o efeito fundamentante da recusa nos casos das alíneas a), d), f), g) e h), sempre que o pedido de informação se referir a fontes de emissões poluentes; o nº8 do art.11, que impõe a interpretação restritiva dos fundamentos de indeferimento e os submete ao crivo da proporcionalidade e o art.12, onde se estabelece o principio da preferência da disponibilização parcial sobre a não disponibilização, sempre que a destrinça entre dados acessíveis e não acessíveis seja facticamente possível.
Sempre que o requerente se defrontar com uma resposta negativa, ou apenas parcialmente positiva, ou mesmo com uma não-resposta, pode reagir intra-administrativamente, apresentando queixa à Comissão de Acesso aos Documentos Administrativos (CADA), nos termos do art.16 da LADA. Dispõe de 20 dias para o fazer, contados desde a notificação do indeferimento, do deferimento parcial ou da passagem dos 10 dias sobre a apresentação do pedido de consulta ou de disponibilização de informação, e a CADA tem 30 dias para elaborar um relatório circunstanciado, que comunicará a todos os interessados. Em face deste relatório, a Administração deverá notificar o requerente da sua decisão final no prazo de 15 dias após a recepção daquele, sem o que se considera haver falta de decisão. Ao tentar forçar a Administração a emendar a mão através da intervenção da CADA, o requerente não perde o direito de accionar judicialmente o órgão faltoso. O meio processual mais adequado e eficaz para fazer face a estas situações é a intimação para a prestação de informações, consulta de processos ou passagem de certidões, regulada nos arts.104 e ss do CPTA. O mais natural será o requerente, ou dirigir-se de imediato ao tribunal – no prazo de 20 dias após a notificação do indeferimento do pedido ou da sua satisfação parcial ou após o decurso do prazo para a concessão da informação solicitada -, nos termos do art.105 do CPTA, ou aguardar pela resolução intra-administrativa do assunto. Menos provável se afigurará a apresentação da queixa à CADA e a simultânea demanda judicial. Surgem então algumas hipóteses possíveis:
1.O requerente vê-lhe recusada a informação, queixa-se à CADA, mas o órgão administrativo ou confirma o indeferimento ou nada diz. A intimação judicial deve ser interposta nos 20 dias contados sobre a notificação do indeferimento, ou sobre o decurso do prazo legalmente estabelecido para a reacção do órgão faltoso ao parecer da CADA;
2. O requerente vê-lhe recusada a informação, queixa-se à CADA e simultaneamente apresenta uma intimação judicial. Nos termos da LADA, a CADA dispõe de 30 dias para emissão do parecer, podendo depois decorrer mais 15 dias até à prolação da decisão. Deste modo, o processo judicial afigura-se, numa primeira fase, bem mais célere, na medida em que, nos termos do art.107/1 do CPTA, a entidade requerida tem 10 dias para responder, após a citação. Mesmo considerando a existência de alguma diligência que o juiz entenda necessária ou conveniente, a decisão será emitida num curto prazo (não superior a 10 dias), art.107/2 do CPTA. Ou seja, ainda antes de receber o parecer da CADA, a autoridade administrativa pode ver-se confrontada com a intimação judicial que com alguma probabilidade sobrevirá antes de decorridos os 15 dias. Assim afiguram-se 3 sub-hipóteses: a) O tribunal concede a intimação e fixa o prazo para o seu cumprimento, que não deve exceder os 10 dias, art.108 do CPTA. O procedimento administrativo junto da CADA deve considerar-se extinto por inutilidade superveniente, art.112 do CPA; b) O tribunal não concede a intimação, e o parecer da CADA não convence a autoridade administrativa, que confirma o indeferimento do pedido de informação. O requerente encontra-se impedido de propor nova intimação contra esta decisão por força da excepção de caso julgado, arts.498 do CPC e 89/1 i) do CPTA. Em contrapartida, é possível o recurso à acção administrativa comum no sentido de obrigar a Administração a fornecer a informação requerida nos termos do art.37/2 c) ou e) do CPTA, visto que a recusa de informação não configura um acto administrativo tal como o delineia o art.120 do CPA; c) O tribunal não concede a intimação, mas o parecer da CADA convence a autoridade administrativa, que emite uma decisão favorável às pretensões do requerente. Esta decisão prevalecerá sobre a pronúncia judicial, uma vez que a parte que beneficia da força de caso julgado a ela renuncia;
3. O requerente vê-lhe recusada a informação, queixa-se à CADA e simultaneamente apresenta uma intimação judicial. O processo, por razões ligadas à morosidade da justiça atrasa-se em face do procedimento administrativo que corre junto com a CADA. Uma vez mais, surgem 3 sub-hipóteses: a) A entidade administrativa, em face do parecer da CADA, inverte a sua decisão e concede ao requerente a informação inicialmente recusada. O processo de intimação extingue-se por inutilidade superveniente, art.287 e) do CPC, ex vi art.1 do CPTA; b) A entidade administrativa, em face do parecer da CADA, confirma o indeferimento. O processo de intimação mantém a sua utilidade; c) A entidade administrativa, que antes se excusara a dar qualquer resposta, vem, na sequência do parecer da CADA, indeferir expressamente o pedido, total ou parcialmente. O requerente poderá então, em face do atraso na prolação da decisão judicial, alterar o pedido de condenação à prestação da informação para contestação da validade da recusa de concessão daquela, art.70 do CPTA em sede de processos urgentes. O prazo de 30 dias a que se reporta o nº 2 do artigo citado pode manter-se na medida em que o requerente terá todo o interesse em reforçar os fundamentos da intimação antes da decisão do juiz, o que o fará apressar-se. Naturalmente que, a fim de assegurar o contraditório, numa situação como a descrita, o juiz deverá conceder novo prazo de 10 dias à Administração para responder, antes de decidir conceder ou não a intimação.

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