domingo, 23 de maio de 2010

PIN e PIN+ ou "O assalto ao último castelo"

Projectos PIN e PIN+ ouO assalto ao último Castelo

Introdução

Este modesto trabalho, tem na sua génese, a intenção de demonstrar, como a sucessão de medidas legislativas, efectuadas por Governos, dentro das suas competências próprias, ou mediantes autorizações legislativas (sempre garantidas no caso de Governos maioritários), podem subverter todo um sistema de protecção ambiental, criado a partir do Texto Fundamental e comprometendo a responsabilidade inter-geracional, imposta no domínio ecológico pelo art.º 66 n.º 3 da nossa Constituição.

I - Enquadramento Legal

Ultrapassado o disposto na Resolução do Conselho de Ministros n.º 95/2005 de 24 de Maio, e no Decreto Regulamentar n.º 8 de 2005, de 17 de Agosto, em virtude da sua revogação pelo Decreto-Lei n.º 174/2008, de 26 de Agosto, o enquadramento legal desta matéria resulta da agora da aplicação deste último normativo, conjuntamente, com o Decreto-Lei n.º 285/2007, de 17 de Agosto que instituiu os Projectos de Interesse Nacional com Importância Estratégica (PIN+), e o Decreto-Lei n.º 157/2008, de 8 de Agosto, que regulamenta o processo de consulta pública nos projectos PIN.

II – Condições de elegibilidade dos Projectos PIN e PIN+ :

A possibilidade de ser considerado um projecto PIN requer o preenchimento das seguintes condições:

· Projectos PIN

ü Investimento superior a 25 milhões de euros, podendo também ser considerados projectos de custo inferior desde que possuam uma forte componente de investigação e desenvolvimento (I&D projectos);

ü Comprovada viabilidade económica, forte incorporação nacional, integração nas prioridades de desenvolvimento estabelecidas em planos de orientação estratégica em vigor;

ü Sustentabilidade ambiental e territorial;

ü Que apresentem impactos positivos em cinco domínios, em que se destacam nomeadamente a criação de pelo menos 100 postos de trabalho, uma boa eficiência energética ou o uso de energias renováveis, a contribuição positiva para o saldo da Balança Comercial, a inovação tecnológica ou a colaboração com entidades dos meios científicos, a valorização dos recursos, o tratamento dos resíduos e a redução dos impactos ambientais assim como a sua inserção regional e os efeitos na criação e qualificação do emprego serão também apanágios dessas empresas.

· Projectos PIN+:

Estes projectos diferem dos anteriores pelo montante investimento, pelo que devem cumprir todos os requisitos exigidos aos PIN, mas o investimento deve ser superior a 200 milhões de euros, ou excepcionalmente a 60 milhões, desde que ponham em prática novos conteúdos ou grandes avanços tecnológicos, ou no caso de projectos turísticos configurem uma oferta ao nível de cinco estrelas.

III - Tramitação Processual

O pedido de reconhecimento da qualificação do projecto é apresentado a uma entidade criada para o efeito - Comissão de Avaliação e Acompanhamento do Projecto - (CAA-PIN), constituída pelos vários organismos de desenvolvimento económico, do ordenamento do território e do ambiente, que poderá efectuar o reconhecimento no prazo máximo de 30 dias.

Efectuado o reconhecimento a CAA-PIN convoca uma reunião no prazo de 10 dias, onde é nomeada uma entidade dinamizadora que designa o responsável pela gestão do processo, e estabelece a calendarização dos procedimentos.

Este procedimento, para além de agilizar as autorizações e licenciamentos, procura viabilizar a concessão de incentivos financeiros e fiscais, a redução dos prazos, criando também a figura de “minimização/compensação” com vista á “compatibilização” dos projectos PIN com as diferentes limitações impostas pela Rede Natura 2000, Reserva Ecológica Nacional (REN), Reserva Agrícola Nacional (RAN) ou o regime hídrico.

Em relação aos projectos PIN+, a sua classificação é proposta pela CAA-PIN aos ministros competentes, dependendo de requerimento inicial, ou, de convite ao proponente de um projecto PIN para juntar outros elementos como o Estudo de Impacto Ambiental, (EIA) ou a análise de incidências ambientais no caso de afectar de forma significativa zonas da Rede Natura 2000.

A apreciação liminar concede 10 dias para a audição das câmaras municipais competentes, sendo a classificação efectuada por despacho conjunto dos Ministros que tutelam o Ambiente e Ordenamento do Território, a Economia e os Ministros que tutelam as áreas envolvidas.

Proferida no prazo de 15 dias, essa classificação, vai atribuir ao projecto prioridade junto de todos os organismos, para além de um regime especial, donde se destaca:

Ø Tramitação simultânea dos procedimentos administrativos;

Ø Redução e decurso simultâneo de prazos. O prazo para emissão da Licença Ambiental reduz-se para metade, o que parece não ser compatível no caso de se ter verificado a validação por uma entidade acreditada, pois nesse caso ficaria reduzido a um quarto;

Ø Período único de consulta pública e publicitação com um mínimo de 22 dias;

Ø Pareceres tácitos positivos e deferimento tácito, que opera pela falta de emissão, dentro dos prazos estabelecidos de qualquer aprovação, autorização ou licenciamento, e que não parecem conformes à Lei de Bases do Ambiente e Lei Fundamental, e no plano do direito comunitário contrários à Directiva 2008/1/CE e acórdãos do Tribunal de Justiça da União Europeia (EU);

Ø Poderá ser requerida a dispensa da Avaliação Impacto Ambiental (AIA), sendo a decisão proferida pelos ministros competentes;

Ø O projecto poderá afectar de forma significativa, sítios da Rede Natura 2000, podendo também por decisão do Conselho de Ministros serem suspensos os planos municipais de ordenamento do território.

IV - Situação Actual:

Pelos dados, que conseguimos obter, conclui-se que existem 82 projectos PIN/PIN+, e que cerca de um terço afectam zonas protegidas. Os 82 projectos estão distribuídos pelos seguintes sectores:

- 25 industriais

- 10 energéticos

- 43 de turismo ( 4 na costa alentejana, 12 no Algarve, todos em zonas protegidas ).

- 4 outros sectores indiferenciados ( inclui a Fundação Champalimaud em Lisboa ).

Merece referir que também ao nível destes projectos se verificam violações de normas ambientais e de ordenamento do território salientando-se que:

- 8 projectos estão situados em zonas de Reserva Natural.

- 4 obrigaram á desafectação de 877 hectares de REN.

- um projecto de 100 hectares foi implementado na REN/RAN ( Plataforma Logística do Ribatejo ).

- o projecto do Hotel Central em Loulé obrigou á suspensão do Plano Director Municipal.

- duas dezenas de projectos integram áreas de REN ou RAN, exercendo “usos compatíveis”, que se traduzem pela substituição dessas áreas ecológicas por outros espaços como seja os campos de golfe.

A crise financeira internacional, veio também afectar as estratégias dos investidores, que no caso do sector imobiliário português, está maioritariamente nas mãos de empresas ou capital estrangeiro, atrasando a concretização desses projectos.

Dos 11 projectos PIN anunciados para o Alentejo em 2008, nenhum foi inaugurado.

Para a zona envolvente do Alqueva, onde se previa um investimento total de 1,8 mil milhões de euros e 3754 postos de trabalho, somente um se encontra em obras, o Parque Alqueva, esperando os poderes públicas que ele sirva de indutor aos restantes.

Torna-se evidente que uma componente de turismo residencial, virada para o sector imobiliário, criando habitação só usada em períodos de férias, com encargos de manutenção elevados, e necessitando de mais equipamentos colectivos, não terá grande sucesso em épocas de crise.

V - Comentários

Para além da falta de uniformização legislativa relativamente aos dois tipos de projectos, os motivos invocados dificilmente justificarão tamanho empenho em ultrapassar todo um sistema de defesa do ambiente, construído ao longo de todos estes anos.

Por outro lado, e atendendo aos montantes envolvidos, e não se vislumbrando a criação de qualquer sistema de fiscalização, o empenho da nomeação de um interlocutor único que se relaciona directamente com o promotor pode afectar a transparência do processo.

A diminuição dos prazos e desenrolar dos procedimentos em simultâneo põem em grave risco os escopos da Administração Pública como a imparcialidade e prossecução do interesse público pois não permitem o estudo suficiente das matérias a decidir.

Também as avaliações efectuadas pelas Direcções-gerais, em estreita ligação com os ministros respectivos, somado á vontade de apresentar “obra feita”, cria um certo desequilíbrio entre os projectos apresentados e aqueles que efectivamente chegam a seu termo.

O reconhecimento, que é feito no preâmbulo do Decreto-Lei n.º 285/2007 de 17 de Agosto, que cria a qualificação dos projectos PIN+, de que as regras existentes não se coadunam com um desenvolvimento económico sustentado, e não são atractivas para os investidores, havendo a necessidade de criar um sistema novo, que ultrapasse o já estabelecido, derrogando regras que procuram a defesa do ambiente e do ordenamento do território é de todo lamentável.

Outro aspecto não contemplado, é a realização brutal de mais-valias, por uma mera decisão político-administrativa, que integra num projecto terrenos que antes pertenciam a uma REN ou RAN, verificando-se valorizações que podem atingir ganhos de vinte mil por cento, como no caso de um hectare de pinhal em Tróia, que passou a valer cinco milhões de euros em lugar dos dois mil e quinhentos antes da autorização de loteamento.

Conclusões Finais

Do mesmo modo que os Governos, criam institutos públicos, para obviar á pretensa ineficácia dos organismos oficiais, criando situações que permitem ultrapassar o rigor e exigências a que estão sujeitos organismos da Administração Pública, também neste caso, ao analisarmos a legislação em apreço se fica com a sensação de que o caminho seguido não é o mais correcto, pois que, uma pretensa agilização vai deitar por terra o tal “castelo” de defesa do meio ambiente.

Necessário se torna também a interdição desses projectos, mormente de natureza imobiliária serem desenvolvidos em terrenos previamente classificados como REN ou RAN, ou no limite criar-se um sistema onde as disposições fiscais em vigor fossem aplicadas às mais-valias obtidas com essas situações.

Como imagem final para este trabalho, a lembrança de uma visita a Nova Iorque, em que para chegar á cidade utilizei túneis, pontes e infra-estruturas de meados do século passado, convenientemente recuperadas e em boa utilização, cruzando pouco depois as alamedas frondosas de Central Park, onde uma multidão fazia jogging, passando ao lado dos esquilos, que indiferentes roíam as suas nozes.

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