Começamos pela definição do conceito de direito ao ambiente. Há quem defenda que o direito ao ambiente é o direito que assiste aos cidadãos de ter um espaço de realização pessoal do ponto de vista de saúde e bem-estar físico e moral, um direito à integridade física e moral contemplado no art. 24º/1 da CRP e que tem a sua concretização no art. 70º /1 que dispõe que a lei protege os indivíduos contra qualquer ofensa ilícita ou ameaça de ofensa à sua personalidade física ou moral, sendo o preceito do art. 66º/1 da CRP repetido pela Lei de Bases de Ambiente ipsis literes no seu art. 2º/1, como princípio geral. Este conceito pode ser visto de uma perspectiva extensiva ou totalizante, caso em que o ambiente aparece como um conglomerado dos elementos naturais, culturais, económicos ou sócias que influenciam, significativamente, o homem, representando as “condições envolventes da vida que actuam sobre uma determinada unidade vital”; ou num sentido restrito onde só contam os elementos naturais, traduzindo se na ideia de Natureza (neste sentido, António Menezes Cordeiro). O Prof. Menezes Leitão, embora defenda o conceito restritivo do ambiente, reconhece que o conceito plasmado no art. 66 da CRP é um conceito extensivo do ambiente, por se referir o artigo em questão à promoção do aproveitamento racional dos recursos naturais (nº/d); à conservação da natureza (alínea c); às paisagens biologicamente equilibradas (alínea b) e a prevenção do controlo da poluição. Para este Prof. assim, como também para o Prof. Freitas do Amaral, o que está em causa é a Natureza, dai defender o conceito restritivo do ambiente. O Prof. Gomes Canotilho e Vital Moreira, em a “Constituição da Republica Anotada”, referem que “o ambiente surge concebido unitariamente como o conjunto de sistemas físicos, químicos e biológicos e dos factores económicos, sociais e culturais”. O ambiente neste entendimento, reconduz – se aos componentes ambientais naturais contemplados no art. 6º da Lei de Bases do Ambiente, aos recursos naturais, compreendendo o ar, a luz, a água, o solo e subsolo, a natureza em geral onde estão contidos a fauna, a flora e os espaços naturais, ficando de fora os elementos artificiais e culturais do meio ambiente, ainda que esses elementos não deixem de ser objectos de tutela noutros ramos que não no que está aqui em causa. Porém, esta não me parece a abordagem mais correcta. O ambiente liga – se tanto com os elementos naturais como com os elementos químicos artificialmente produzidos e factores económicos, sociais e culturais, desde que, a acção sobre estes elementos ou a reacção dos mesmos em relacionamento com o homem possam causar algum tipo de dano físico ou moral à pessoa humana.
O direito ao ambiente vem consagrado na nossa Lei fundamental mas também em muitas outras, apenas a título exemplificativo e para mostrar que é uma problemática relevante a nível nacional e internacional por ser do interesse de todos: Constituição italiana de 1947, artigo 9º; Espanha de 1978, art. 45º; Índia de 1949, art. 48º – A e 51º; Moçambique de 1990, arts. 36º e 37º; china de 1982, arts. 9º e 28º; Irão de 1986, art. 50º, e muitos outros…
É necessário considerar a dimensão subjectiva do direito do ambiente, como direito fundamental, artigo 66º da CRP. Há quem diga que estes pertencem a uma terceira geração de direitos fundamentais, que surgiram com a crise do Estado Pós – Social na década de 70. Houve novas áreas de risco na dignidade da pessoa humana, que tiveram que ser reguladas, entre elas o ambiente, a informática, consumo… O Professor Jorge Miranda entende não haver divisão dos direitos humanos em gerações, por um lado porque o que há é apenas um alargamento do catálogo dos direitos enriquecendo – o mais, sendo que, a divisão sugeriria uma ideia de sucessão entre as gerações ou substituição a proceder se de geração para geração o que implicaria algo como subestimação de gerações em beneficio de outras conforme os tempos se vão sucedendo, quando o surgimento de um novo grupo de direitos não faz desaparecer os anteriores. Por outro lado, não que confundir direitos fundamentais, enquanto direitos das pessoas, com os direitos dos povos como direitos da colectividade, e que aparecem no grupo dos chamadas direitos da terceira geração, ao lado do direito ao ambiente. Em a “A Constituição e o Direito do Ambiente” o respeitável constitucionalista português afirma “Não existe uma terceira geração, que se sobreponha à dos direitos de liberdade e à dos direitos sociais. Aquilo que se verifica, sim, é um largamento e enriquecimento dos direitos fundamentais, em face de transformações dos nosso tempo e procurando abarcar cada vez mais todas as pessoas e todas as dimensões das suas existências. Estes direitos novos (ou só aparentemente novos) reconduzem se ora a direitos, liberdades e garantias, ora a direitos económicos, sociais e culturais; participam de uns e de outros, como sucede precisamente com o direito ao ambiente”.
Mas afinal há ou não Direito Fundamental ao Ambiente?
Há quem diga que não, nomeadamente a Dra. Carla Amado Gomes, que defende que a CRP consagra um dever fundamental do Estado mas que não atribui o correspondente direito aos particulares.
Faremos então a análise, para se concluir pela fundamentalidade ou não do Direito do Ambiente, é necessário verificar três pontos:
I. O direito fundamental é materialmente um direito fundamental ou uma tarefa objectiva do Estado disfarçada?
II. É um verdadeiro direito subjectivo?
III. Quais as consequências em termos jurídicos desta qualificação
Ora vejamos,
Quanto ao ponto I, depende das considerações éticas/jurídicas. Há ameaças fundamentais à dignidade da pessoa humana que dizem respeito a todos. Dimensão objectiva e subjectiva da defesa ambiental. Isto conduziu ao surgimento dos direitos de terceira geração. No artigo 66º da CRP foi adoptada uma noção ampla de direitos ambientais (como já foi inicialmente referido), também de atipicidade devido à cláusula aberta de direitos fundamentais. Para Vasco Pereira da Silva, todos os direitos são da mesma natureza. Não é uma realidade em que apenas se acrescentam os direitos, houve também uma mudança qualitativa. Estes direitos precisam de prestações graduais. Nos dias de hoje não faz sentido dizer que as liberdades não implicam prestações do Estado (por exemplo a propriedade precisa de normas, policias, tribunais… essenciais para que o direito seja assegurado); direito à saúde, de ordem garantística também implica uma dimensão de abstenção, o Estado deve abster – se de discriminar. Houve, portanto, uma troca de “papéis”, uma integração de um modelo e outro. Implicaram a mudança da natureza jurídica. Direito do Ambiente, lógica de abstenção mas também prestadora. Implica também um nível de participação particular para defesa de bens públicos. Conduz ao crescimento de direitos mas também à sua transformação, que segue no sentido de todos terem uma vertente negativa e positiva. Não havendo por isso fundamento para diferenciação.
Tem uma natureza subjectiva com estrutura idêntica à dos outros direitos. O que pode variar é a dimensão relativa a cada direito, podem haver combinações diferentes mas que não colocam em causa o que foi dito.
Do ponto de vista axiológico corresponde à concretização da dignidade da pessoa humana, mas também do ponto de vista dogmático (jurídico) todos os direitos apresentam esta dupla dimensão (positiva e negativa).
Respondendo à segunda questão, trata – se de um direito subjectivo?
Há uma dupla natureza de todos os direito fundamentais: são direitos de todos os indivíduos (natureza subjectiva que lhe atribui um meio de defesa pessoal) mas também são um conjunto de valores (natureza objectiva, regra que se impõe a todo o ordenamento que obriga à intervenção estadual) que obrigam o ordenamento jurídico.
Argumentos contra:
Todos os direito têm esta dupla dimensão.
Há a teoria dos direitos subjectivos públicos, teorizada pela corrente positivista, não tem grande efeito.
Jorge Miranda diz que os conteúdos de direitos subjectivos (ordem relacional, Prof. Vasco Pereira da Silva diz que isto assenta num défice de natureza jurídica, há vários tipos de direitos, estes não devem ser afastados por serem relativos) e direitos fundamentais são diferentes.
Não são verdadeiros direitos porque têm muitos sujeitos, como são de uma generalidade não são de ninguém (posição da Dra. Carla Amado Gomes). Prof. Vasco Pereira da Silva também não aceita esta posição uma vez que a dupla dimensão do direito do ambiente supera este argumento.
Mais do que um direito à protecção do ambiente é um dever. E como tal não é um direito mas sim um dever, posição também defendida por Carla Amado Gomes. Mas o Prof. Vasco Pereira da Silva replica, há uma relação jurídica de aproveitamento individual do ambiente que ao gerar deveres também gera direitos. Uma coisa não exclui a outra, é uma relação complexa.
Natureza jurídica de vantagem. Corresponde a um momento da história que não tem justificação para que ainda se mantenha a lógica tripartida do direito administrativos, principalmente no direito constitucional. Esta lógica assenta na divisão entre direitos subjectivos, interesses legítimos e interesses difusos. Protecção directa da norma, direito que resulta da norma de dever. Isto apenas se justifica tenso em conta os traumas de infância do direito publico que não se devem transpor para o direito constitucional.
O que está em causa é o estatuto dos particulares que corresponde a uma lógica de protecção individual. O Prof. Vasco Pereira da Silva adopta uma noção ampla de direito subjectivo que inclui os interesses difusos e legítimo, pois em qualquer caso estamos perante direitos subjectivos. O que é relevante é que haja uma protecção individual que decorra da CRP ou da lei.
Conclusão: O direito fundamental ao ambiente é um direito subjectivo, no âmbito do relacionamento entre particulares e a administração.
Quanto ao ponto III, quais as consequências de tudo isto?
O facto de qualificarmos todas estas situações de vantagem como direitos subjectivos e fundamentais implica um regime uno. Prof. Vasco Pereira da Silva refere –se a uma lógica esquizofrénica em que primeiro estão os direitos fundamentais, segundo os direitos, liberdades e garantias e em terceiro os direitos sociais, económicos e culturais. Há um regime comum a todos os direitos fundamentais (artigos 11º, 13º, 22º, 23 todos da CRP). Depois há o regime próprio dos direitos liberdades e garantias que consta do artigo 18º da CRP. Quanto aos direitos sociais, económicos e culturais a CRP não estabelece nada, tendo a doutrina estabelecido a aplicação análoga (art. 17º CRP), esta foi a válvula de escape para dizer que no fundo é o mesmo regime dos direitos, liberdades e garantias. A analogia implica que não seja um bem igual mas parecido. Assim, o Prof. Vasco Pereira da Silva considera que o problema não é de analogia mas sim de identidade, devido à dupla dimensão dos direitos, que é comum a todos! Então o problema que aqui se coloca é a distinção entre o que é direito subjectivo e o que é direito objectivo. No primeiro caso aplica – se o regime dos direitos liberdades e garantias, este é aplicado a todos os direitos na medida da sua vertente subjectiva e é susceptível de ser tutelável em tribunal, por exemplo uma pessoa ser impedida de entrar num hospital público; no segundo caso, aplica se o regime dos direitos sociais, económicos e culturais, vale para todos os direitos fundamentais na medida da sua vertente objectiva. No primeiro o direito é protegido imediatamente, aqui há um programa, pode haver uma melhor, uma maior defesa que depende do possível, mas não exclui a vertente subjectiva de protecção. Uma dimensão acresce à outra, criando deveres de actuação às autoridades públicas.
O Prof. Vasco Pereira da Silva considera então que não há que separar dois regimes jurídicos distintos. Da mesma forma que não existe a pretensa analogia, atrás referida, aplicação de um regime comum resulta sim da identidade de natureza de todos os direitos fundamentais. E é precisamente isso que justifica a aplicação do art. 17 º da CRP. Ainda que a sua formulação seja criticável, não se pode descurar a sua importância, na medida em que, permite estabelecer um regime jurídico unificado para todos os direitos fundamentais.
Concluindo, o direito ao ambiente, oriundo da terceira geração dos direitos humanos, apresenta em simultâneo uma vertente positiva, que obriga à actuação das entidades públicas para a sua efectivação mas também uma vertente negativa que garante ao titular do direito a defesa contra agressões ilegais no domínio constitucionalmente garantido. Respondendo então à nossa questão primária, ao direito ao ambiente é aplicável o regime jurídico dos direitos liberdades e garantias, na medida da sua dimensão negativa, e o regime jurídico dos direitos económicos, sociais e culturais, na medida da sua dimensão positiva.
Numa outra perspectiva mas que também ela conclui pela fundamentalidade do direito ao ambiente baseia se no facto de a própria Constituição portuguesa ao enquadrar o direito ao ambiente na sua parte I referente aos direitos e deveres fundamentais, sob a epígrafe Ambiente e qualidade de vida, que consta do art. 66. Ora no seu número um, o direito ao ambiente é designado também como um direito à qualidade de vida. Podemos entender como qualidade de vida, o direito a uma vida saudável e ecologicamente equilibrada. Há portanto uma relação directa entre o direito a uma qualidade de vida saudável e o direito à vida.
Maioritariamente a doutrina e jurisprudência portuguesa e estrangeira têm adoptado o direito ao ambiente como fundamental. Neste sentido, veja-se o Acórdão do STJ de 2 de Julho de 1996, publicado na Revista da Ordem dos Advogados e anotado pelo Prof. Menezes Cordeiro nos seguintes termos: “ (…) não pode entender-se o direito à vida sem uma componente essencial que é a do direito à qualidade de vida. Esta componente é tão exacta quanto a liberdade ou a segurança, porque senão, repare – se neste pormenor tão simples quanto incontroverso: se as condições reais levarem à desarticulação dos meios ambientais que permitam, efectivamente, viver, o direito à vida não passará de uma abstracção teórica de curto prazo.”
Já o Prof. Vasco pereira da Silva, no seu livro “verdes são também os direitos do Homem”, cita Helmut Goerlich quando diz “O Estado Pós – Social em que vivemos, no quadro de uma lógica constitutiva e infra-estrutural dirigida para a criação de condições de colaboração de entidades públicas e privadas, será associada a uma terceira geração de direito humanos em novos domínios da vida da sociedade, como é o caso do ambiente e da qualidade de vida, de protecção individual relativamente à informática e às novas tecnologias, da tutela da vida e da personalidade em face da genética, sendo ainda de incluir nesta geração de direitos as garantias individuais de procedimento, o qual é visto como instrumento de legitimação do poder e como modo de realização da protecção jurídica subjectiva”. Sendo que o Prof. Vasco Pereira da Silva considera o procedimento administrativo como meio proteccionista dos direitos humanos, sobretudo dos direitos dos cidadãos ou direitos fundamentais por ser meio de adequação e eficiência da actuação do poder publico. O mesmo professor, refere o direito ao ambiente e à qualidade de vida, como um direito à humanidade. Este atributo não se refere somente à qualidade de relações a estabelecer entre as pessoas em geral, mas sim em relação a todos os componentes que integram o tipo de ligação vital da pessoa e que vão dar qualidade de vida necessária para a pessoa em situação concreta.
Para concluir, e fazendo a dedução lógica do que foi dito, o direito ao ambiente integra – se de no direito à vida, enquanto direito a um espaço de realização vital, um direito que possibilita a vida humana e é pressuposto dessa mesma existência. O direito à vida é o fundamento último de todos os demais direitos fundamentais.
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