quarta-feira, 19 de maio de 2010

O nexo de causalidade no dano ambiental

O nexo de causalidade no dano ambiental

O problema do nexo de causalidade insere-se na temática mais ampla da responsabilidade civil ambiental.
O objectivo deste trabalho é fazer uma análise do tema, com base nas várias teorias da imputação, passando pela análise do problema do ónus da prova fazendo uma breve referência ao artigo 5º do DL nº 147/2008 de 29 de Julho.
Cabe, em primeiro lugar, analisar como se determina o nexo de causalidade ou como se imputam objectivamente os danos ambientais, para posteriormente se analisar os problemas de prova e repartição do ónus da prova no domínio ambiental.
A questão da imputação no domínio ambiental não tem sido pacífica, havendo opiniões divergentes na doutrina sobre os métodos de imputação da responsabilidade civil ambiental.
Fala-se, assim, do recurso a uma causalidade estatística como critério autónomo de imputação e não como um critério indirecto de mera promoção da convicção de nexo de causalidade na mente do juiz. Critério não jurídico e que é afastado devido à falibilidade das probabilidades, falhando frequentemente em face do caso concreto. A sua importância deve ser, assim, indirecta e conjugada com demais factores em causa.
Fala-se também nas teorias naturalísticas, assentes na conditio sine qua non que, segundo Antunes Varela, constitui “um conceito manifestamente vasado nos moldes das ciências naturais, ao gosto da velha escola positivista, sem menor audiência das finalidades específicas do direito, em geral, e do instituto da responsabilidade civil, em particular”. Assim, conduz-se a conditio sine qua non a uma teoria de causalidade naturalística.
Contudo, e tendo em conta que as teorias do nexo de causalidade não se desprendem da ideia de causalidade naturalística, é necessária a autonomização de uma causalidade em sentido jurídico. A teoria da conditio sine qua non defende que, uma acção (X) seria considerada causa de um resultado (Z) sempre que, se não tivesse sido praticada aquela, o resultado não se teria verificado.
As críticas a esta tese são, hoje, mais que evidentes e o afastamento da teoria da conditio sine qua non é consensual na doutrina. A sua aplicação acaba por ser irrelevante para a prova do nexo de causalidade ambiental, pois suprimindo mentalmente a acção em causa, o dano acabaria por sempre se verificar. Não se pode, assim, imputar responsabilidade a uma acção que pode não ser a verdadeira geradora do dano em causa.
Esta teoria também não é apta a resolver problemas de omissões, as quais, naturalisticamente, não podem ser consideradas como causas do dano.
Em suma, reconheceu-se que esta teoria conduziria a um alargamento excessivo do círculo de imputação do resultado à acção e, portanto, da atribuição do resultado do agente. O problema está em que esta teoria nivela todas as acções e condições ao mesmo nível, não distinguindo aquelas que serão, realmente, relevantes das que não são. Assim afastou-se o critério puramente naturalístico de causalidade, impondo-se um critério jurídico-normativo do conceito da causa.
Avançou-se para um critério de adequação (abstracta) que prevê a exclusão d processos causais imprevisíveis, anormais ou exagerados, evitando-se o regressus ad infinitum próprio da teoria da conditio. Para se aferir o carácter abstractamente adequado do facto a produzir o resultado importa proceder a um juízo de prognose póstuma. É necessário um juízo ex post do julgador que deve colocar-se na posição de um observador imparcial e objectivo e que julgue antes do facto e possua os conhecimentos do homem normal do sector do tráfico em causa, acrescidos dos conhecimentos especiais do autor, ou seja, e segundo Gomes da Silva, esta teoria recorre a um juízo ex post – e prognóstico retrospectivo objectivo. Segundo o autor deveria atender-se a todas as condições existentes do momento do facto, mesmo que só posteriormente se tivessem revelado. Esta teoria é, assim, uma teoria da imputação e como explica Roxin “que não se diz quando é que uma circunstância é causal relativamente a um resultado, mas antes se procura dar uma resposta à questão de saber que circunstâncias causais são juridicamente relevantes e podem ser imputadas ao agente”.
Deste modo, rejeita-se a teoria da adequação, que mais não é do que a correcção dos critérios naturalísticos de causalidade, não se afastando, contudo, da lógica da conditio sine qua non.
Outra teoria é a teoria do fim da norma ou escopo da norma violada (Normzwecklehre), segundo a qual devem ser imputados ao agente os danos por este causados que correspondam, segundo Menezes Leitão “à frustração das utilidades que a norma visava conferir ao sujeito através do direito subjectivo ou da norma de protecção”. A teoria do fim da norma surgiu na doutrina como alternativa à teoria da adequação, tendo a sua origem em Rabel e, posteriormente, em Kramer. Também Menezes Cordeiro salienta que “a causalidade juridicamente relevante verifica-se em relação aos danos causados pelo facto, em termos de conditio sine qua non, em bens tutelados pela norma jurídica violada”.
Assim, o dano é imputável ao agente se existir um nexo causal efectivo entre a conduta e o dano, ou seja, se o facto do agente tiver causado o dano e se, além disso, existir uma conexão teleológica entre o facto e o dano, ou seja, se o fim da norma violada pela conduta do agente era o de evitar resultados danosos. É pressuposto desta teoria a ilicitude do facto ou “desvalor da acção”.
Contudo, esta teoria não é adequada à tutela ambiental, porque parte de uma causalidade naturalística que o Direito do Ambiente rejeita, uma vez que não se pretende restringir a causalidade naturalística, mas antes encontrar vias de imputação do dano ao agente onde a demonstração da conditio se assuma impossível. Assim, rejeita-se a teoria do fim da norma que viria cumprir uma finalidade de restringir a causalidade naturalística que, em regra, não pode ser demonstrada e cuja prova não é legítimo exigir ao lesado.
Fica, assim, assente que as teorias de causalidade naturalísticas não têm aplicação no âmbito do Direito do Ambiente porque defender a imputação dos danos ambientais com base nos moldes clássicos das teorias da adequação e do fim da norma e que o problema se resolva pela via exclusivamente probatória é o mesmo que condenar à morte todo o processo de imputação da responsabilidade ambiental, pois não se pode defender uma teoria de imputação insusceptível, já à partida, de comprovação concreta dos factos e, por isso, condenada a uma insusceptibilidade de aplicação prática. Por conseguinte, não se pode defender um critério de imputação impraticável, inoperável e de difícil prova, ou seja, nenhuma base de imputação a priori indemonstrável é legítima.
Esta necessidade de afastar a teoria da conditio sine qua non , base das teorias naturalísticas, conduz-nos para o caminho da imputação com recurso à ideia de risco ou conexão de risco.
Em geral o critério base de imputação, segundo Ana Perestrelo de Oliveira, deve ser valorativamente adequado – na medida que deve cumprir a finalidade da selecção dos danos a atribuir ao agente, no sentido de o nexo causal ter que interceder entre o facto responsabilizante e os prejuízos que surgem na esfera jurídica de outrem – e deve ser juridicamente operativo – ou seja, deve funcionar como efectivo instrumento jurídico útil no processo de identificação do nexo de causalidade no caso concreto, ainda que com o recurso aos auxílios probatórios.
Quanto à teoria mais correcta a aplicar às questões de responsabilidade ambiental segue-se a opinião de Ana de Oliveira sobre a aplicação do conceito ou ideia central de risco.
Cabe, antes de mais, delimitar o conceito de risco. Charbonneau refere-se a uma ideia de risco em que “toda a prevenção é fundada na ideia de um risco aceitável pela comunidade”. Já Figueiredo Dias fala em criação ou potenciação de um perigo não permitido, ou seja, o autor recorre à expressão perigo para sublinhar a evidência de que não há sinonímia com o sentido que a palavra assume quando se fala na “sociedade de risco”. A doutrina maioritária, contudo, fala em risco ou perigo com um mesmo significado. Ana de Oliveira remete para uma diferença entre os dois conceitos no plano do bem jurídico e não a nível conceptual. Assim, segundo a mesma, a diferença entre os dois conceitos identifica-se no plano do bem jurídico afectado pelo comportamento do agente (individual/difuso). Contudo, para Menezes Cordeiro o risco é uma “eventualidade danosa potencial”, ou seja, a susceptibilidade de ocorrência do dano.
A ideia de risco, em sede de responsabilidade ambiental, anda de mãos dadas com o princípio da prevenção, na medida em que não se visa apenas combater os efeitos nocivos do ambiente, mas antes, e principalmente, repará-los e evitar preventivamente a degradação do ambiente.
Para Vasco Pereira da Silva, se não pode o princípio da prevenção “significar um abandono da lógica causal e matéria de ambiente, já fará todo o sentido considerar que, por exemplo, no domínio da responsabilidade ambiental, dada a dificuldade em determinar rigorosamente as relações de causa-efeito entre o acto ilícito e dano, mas havendo alguém a quem possa ser imputada uma actividade ilícita e que esteja em condições de ter provocado tais danos, o Direito do Ambiente possa estabelecer uma presunção de causalidade, ou introduzir alguma flexibilidade nos critérios de determinação do nexo causal (…) sendo possível conciliar as exigências de racionalidade do Direito com as especificidades da tutela ambiental, o que representa uma concretização do princípio da prevenção, entendido em sentido amplo, no domínio da responsabilidade civil em matéria de ambiente”. Segundo o autor defende-se o conceito central de risco como forma de “flexibilizar” os critérios de determinação do nexo causal, no sentido em que deixa de ser necessária a demonstração da conditio sine qua non, que limita as possibilidades de recurso ao instituto da responsabilidade civil no domínio ambiental.
Para Roxin, a teoria da conexão do risco, também seguida, entre nós, por Figueiredo Dias, significa que o resultado deve ser imputado ao agente quando a conduta do autor tenha criado ou aumentado um risco juridicamente não permitido - devendo a criação ou aumento do risco ser aferida através de um juízo de prognose póstuma (isto é, o juiz, julgando ex post, coloca-se numa perspectiva ex ante) - e esse risco se tenha vindo a materializar no resultado lesivo. Através desta teoria torna-se possível a imputação ainda que não haja aumento do risco, ou seja, mesmo nos casos de diminuição do risco ou quando esse risco é permitido.
Defende-se, assim, e na esteira de Ana de Oliveira, a aplicação da teoria do risco em sede de responsabilidade ambiental. Assim, deve considerar-se que o dano ambiental (em sentido amplo ou estrito) é imputável ao agente quando a conduta deste cria ou aumenta um risco não permitido ou previsto, sendo o resultado danoso materialização ou concretização desse risco. Exige-se, desde logo, a criação ou aumento de um risco ou ainda não diminuição de um risco em caso de omissão, sendo aplicável aos vários tipos de responsabilidade – objectiva ou subjectiva.
Exige-se a demonstração da criação/aumento do risco e não a demonstração da conditio sine qua non. Estamos, neste sentido, numa dimensão diferente da defendida pelas teorias naturalísticas.
Recorre-se a uma interpretação teleológica da norma jurídica no que concerne à delimitação dos danos a imputar, pois está aqui em causa a “criação/aumento de um risco não permitido” (na responsabilidade subjectiva) ou “previsto na norma legal” (n responsabilidade objectiva), no sentido de susceptibilidade de lesão do bem jurídico protegido. Ou seja, só pode legitimamente afirmar-se a criação/aumento de um risco fundamentadora de responsabilidade se a conduta do agente for susceptível de provocar danos nos bens jurídicos tutelados pelas normas jurídicas em causa.
Outro problema coloca-se quanto ao nível de exigência de criação/aumento do risco, articulável com a repartição do ónus da prova. Cabe saber, assim, se este requisito deve ser avaliado em concreto ou se basta uma abstracta susceptibilidade de lesão do bem jurídico. Ou seja, quando se trata de imputar o dano ambiental, fica por saber se aquela instalação deva ser concretamente susceptível de causar o dano ou se, pelo contrário, basta que abstractamente uma instalação daquele tipo seja susceptível de causar aqueles danos (pressupondo a materialização desse dano).
Segundo a lei alemã, que consagra uma presunção de causalidade, exige-se que a instalação seja em concreto apta a causar o dano, ou seja, há uma exigência de uma aptidão concreta de imputação do dano. Trata-se, no fundo, de repartir o ónus da prova por lesante e lesado.
Em suma, o que interessa saber aqui é se, para a imputação do dano ao agente, deve exigir-se uma criação/aumento em concreto do risco ou se é suficiente a mera criação abstracta do risco.
Para Ana de Oliveira o conceito de risco só ultrapassa os critérios puramente naturalísticos caso faça uma análise concreta de imputação dos danos. Contudo, parece, quanto a nós, que defendendo uma ligação necessária com o princípio da prevenção, a imputação do dano pode ser feita abstractamente. A criação abstracta do risco não coloca em risco os princípios basilares do sistema português de responsabilidade civil, uma vez que o ponto central é a verificação do dano, a sua materialização e não a fase anterior. Fazendo-se uma análise abstracta do dano faz-se jus ao princípio da prevenção, na medida em que, efectivamente, tenta-se prevenir a materialização do dano que provavelmente ocorrerá.
De facto não será qualquer tipo abstracto de risco que justificará uma intervenção judicial, mas apenas aquelas em que acha um grau de probabilidade forte do dano ocorrer. Ou seja, mesmo que haja uma criação/aumento abstracta do risco pode imputar-se o resultado ao agente, a título preventivo, caso se verifique uma grande probabilidade do acto danoso se vir a verificar ou, também, quando o facto danoso se materializar, via um juízo ex post, este já a efectuar-se em concreto, sem prejuízo das regras de repartição do ónus da prova. Exige-se uma probabilidade muito próxima da certeza, uma “flexibilização” na determinação da imputação dos danos, tendo em conta o princípio da prevenção.

O problema da prova do nexo causal:
A temática da responsabilidade civil ambiental coloca, entre outros problemas, a questão da prova do nexo causal.
O primeiro problema coloca-se quanto ao grau ou medida da prova, isto é, “à medida da convicção que é necessária para que o tribunal possa julgar determinado facto como provado” (Teixeira de Sousa), neste caso, o nexo de causalidade.
O nosso ordenamento jurídico segue a regra de que os factos se consideram provados se – e só se – o juiz, após apreciação da prova ficar convicto da realidade do facto. Segundo Teixeira de Sousa, “o que é relevante é que esse grau de convicção permita excluir, segundo o padrão que na vida prática é tomado como certeza, outra configuração da realidade dada como provada. A regra é, deste modo, a da prova stricto sensu, o que significa, in casu, que o juíz só deve considerar o nexo de causalidade provado se estiver convicto da sua verificação.
No caso da probabilidade do facto, defendida aqui, basta a mera verosimilhança, ou seja, como diz Teixeira de Sousa “ a mera justificação basta-se com a demonstração de que o facto é verosímil ou plausível (…) a mera justificação requer somente um convencimento baseado num juízo de verosimilhança ou de plausibilidade. O que é verosímil ou plausível é provável com uma certa margem de incerteza ou dúvida, pelo que a mera justificação exige do tribunal, não uma convicção sobre a realidade do facto (como a prova stricto sensu), mas sobre a sua probabilidade. Ou dito de outro modo, na prova stricto sensu a probabilidade do facto é (como veremos) um meio para a formação da convicção do tribunal, mas, na mera justificação, é o próprio quid sobre o qual incide a convicção desse órgão”.
Também nos ordenamentos da Common Law, em geral, os factos consideram-se provados se existir uma “probabilidade razoável, séria ou predominante” da sua verificação.
Fica por saber se, no nosso ordenamento jurídico, se pode defender uma atenuação do grau de prova como a defendida nos ordenamentos da Common Law.
Segundo Cunhal Sendim e Colaço Antunes, para o facto ser havido como provado, deve bastar o fornecimento pelo lesado de uma prova significativa. Defende este autor (com quem partilhamos a mesma opinião) “ (…) Quando se poderá considerar fornecida a prova do nexo de causalidade? A resposta, na base dos princípios do processo, deve ser a seguinte: quando o juiz se convença da existência de tal nexo. E como vem entendida essa fórmula? No sentido de que o lesado deve fornecer prova plena da existência, neste caso, do nexo de causalidade. Ora, parece-nos que a exigência de prova plena pode conduzir a soluções injustas, quando o lesado forneça “apenas” uma prova significativa, que obrigará o juiz, em caso de dúvida, a considerar a acção improcedente. Por este motivo, outras experiências jurídicas (escandinava e germânica) encaminham-se para sistemas probatórios baseados na verosimilhança, aplicados em matéria ambiental com resultados positivos, sobretudo para resolver o problema do nexo de causalidade”.
Também Carneiro da Frada refere-se à susceptibilidade de se resolver através de facilitações de prova as dificuldades no estabelecimento do nexo causal em áreas como a dos danos ambientais, responsabilidade médica, responsabilidade por manipulação genética e até no que se refere à responsabilidade dos fabricantes de tabaco.
Contra está Ana de Oliveira, que considera a tese da “mera justificação” de legitimidade duvidosa, insuficiente e desnecessária, primeiro porque põe em causa a lógica interna o sistema probatório português, que só admite excepções à prova stricto sensu quando previstas na lei e, depois, porque as regras da probabilidade sempre relevam para a formação da convicção do juiz e ainda porque uma atenuação da medida da prova não é solução necessária devido ainda à relevância que neste âmbito a prova indiciária pode assumir.
Quanto a nós seguimos a posição de Cunhal Sendim e Colaço Antunes quanto à atenuação do grau da prova, já explicado supra.
Outro problema verifica-se quanto à repartição do ónus da prova. Neste âmbito, admite-se a alteração das regras gerais de repartição do ónus da prova, através de presunções de causalidade. Essas presunções não estão legalmente consagradas no nosso ordenamento jurídico, ao contrário dos ordenamentos austríaco e alemão que aderem a esta tese.
Como lembra Vasco Pereira da Silva “ a utilização destas “presunções de causalidade” (que, no direito português, na falta de lei, só poderiam resultar da construção doutrinária ou jurisprudencial), implica a atribuição de amplos poderes ao juiz, a quem compete verificar a aptidão dos factos para a produção dos danos, em razão de circunstâncias como a situação da empresa, a do seu modo de funcionamento, a das condições meteorológicas existentes, entre outros critérios”.
Fica, assim, por saber se são legítimas as inversões do ónus da prova não previstas por lei. Recorrendo-se ao princípio da prevenção em sentido amplo, segundo a tese de Vasco Pereira da Silva, onde se enquadra o princípio da precaução defende-se que o ambiente deve ter em seu favor o benefício da dúvida no caso de incerteza (por falta de provas cientificas relevantes) sobre o nexo causal entre determinada actividade e um efeito ambiental negativo, “incentivando, por um lado, à antecipação da acção preventiva ainda que não se tenham certezas sobre a sua necessidade e, por outro lado, à proibição de actuações potencialmente lesivas, mesmo que essa potencialidade não seja cientificamente indubitável. Além deste conteúdo substantivo, o princípio tem ainda uma importante concretização adjectiva: a inversão do ónus da prova” (Carla Amado Gomes).
Assim, e como afirma Pospich, embora seja tarefa primordial do legislador, a inversão do ónus da prova pode também resultar da construção jurisprudencial. Concorda com esta afirmação Carneiro da Frada que afirma que “as presunções de causalidade legislativamente fixadas representam também uma forma de adjudicar certos danos a determinadas esferas de risco (…) O argumento é aliás geral: pode ser usado mesmo fora do âmbito das presunções legais de causalidade para alicerçar uma inversão do ónus da prova da causalidade”.
Quanto a nós, seguindo a opinião de Ana de Oliveira, a matéria da repartição do ónus da prova pressupõe que ao lesado se exija a prova da criação ou aumento do risco pela instalação e feita essa demonstração, o juiz deve presumir (juris tantum) a materialização do risco. A presunção é legítima tendo em conta a dificuldade objectiva de prova da vítima, fundamentando-se, em geral, nos princípios de tutela do ambiente e, em especial, no risco criado e aumentado pela instalação.
O juiz deve, apenas, exigir que a vítima prove a aptidão abstracta da instalação para causar o dano, actuando então a presunção de imputação ( tese defendida em seguimento da tese já defendida quanto ao critério de abstracção da imputação da norma).
Contudo, esta delimitação abstracta da prova não afasta a exigência da prova pela vítima, apenas facilita a sua demonstração.
Por fim, cabe analisar sinteticamente o artigo 5º do DL nº 147/2008 de 29 de Julho (Regime jurídico da responsabilidade ambiental – RJRA).
Defende-se um critério de verosimilhança e probabilidade – “A apreciação da prova do nexo de causalidade assenta num critério de verosimilhança e de probabilidade de o facto danoso ser apto a produzir a lesão verificada, tendo em conta as circunstâncias do caso concreto e considerando, em especial, o grau de risco e de perigo e a normalidade da acção lesiva, a possibilidade de prova científica do percurso causal e o cumprimento, ou não, de deveres de protecção.” (sublinhado nosso).
Critério de verosimilhança e probabilidade, quanto a nós, significam o mesmo, não havendo qualquer diferença jurídica entre os dois. O critério refere-se à aptidão de causar lesão e à eventualidade danosa potencial da actuação.
Cabe ao lesado provar que há probabilidade de se vir a causar o dano ou que o agente potencialmente criou um risco lesivo. Para se ultrapassar esta duplicidade de termos é necessária fazer uma interpretação abrogante lógica, excluindo-se o termo verosimilhança, e mantendo-se o da probabilidade que engloba os dois conceitos.
A lei defende a avaliação do risco em concreto, mas cuja avaliação é posta em causa devido à falta de acesso à informação por parte dos agentes que, sem ela, não sabem como provar esse risco. Assim, o julgador deve ater-se à determinação com base em critérios estatísticos como auxiliares probatórios.
Em suma, a ideia do risco é uma noção mais adequada ao dano ambiental do que a teoria da causalidade. Com base na teoria do risco os problemas do grau do nexo de causalidade e da repartição do ónus da prova devem ser entendidos de uma forma flexível, tendo em conta a posição do lesado que não tem acesso à informação necessária para levar a cabo um procedimento de prova concreta e certa.





Mariana Pinto Ramos
Turma A3 nº 16773







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