sábado, 22 de maio de 2010

Educação ambiental - Que Desafio!

Introdução

Ao longo deste semestre, em que tivemos a oportunidade de entrar na intimidade do Direito do Ambiente, pudemos conhecer aquela que é a sua morada constitucional e aprofundámos os princípios basilares que lhe estão subjacentes. O art.66º da CRP, inserido Capítulo II relativo aos direitos e deveres sociais, é, assim, o ponto de partida desta relação de amizade que se estabelece entre o Ambiente e o Direito, entre o Ambiente e os juristas. Identifico os juristas porque são eles, somos nós, os primeiros a ter um contacto sério com o ambiente enquanto realidade que não se fica pelo natural, pelo físico. Daí que todos tenhamos uma responsabilidade acrescida no que toca à protecção ambiental… Podemos dizer que estamos um pouco à frente do normal cidadão… Simplesmente porque sabemos mais…
Saber mais… Expressão que corre pelos corredores da FDL. Passa por nós e uma pergunta fica no ar: “Por que vais sozinha?” Na verdade, o conhecimento é um dom precioso que devemos cultivar… Não só para nós próprios, mas também para os outros que fazem caminho connosco. No entanto, muito vai para além dele, da mesma forma que muito vai para além do ambiente enquanto realidade jurídica. E o art.66º CRP permite-nos fazer um exercício: olhar para as normas e tentar ir um pouco mais além. E isso a que me proponho com este trabalho, pegando numa das alíneas do nº2 e descortinar o seu sentido, a sua ratio.

Art.66º, nº2, al.g)

Para assegurar o direito ao ambiente, no quadro de um desenvolvimento sustentável, incumbe ao Estado, por meio de organismos próprios e com o envolvimento e a participação dos cidadãos:

g) Promover a educação ambiental e o respeito pelos valores do ambiente.

Fazendo uma leitura atenta de todas as alíneas deste preceito relativo ao Ambiente e à qualidade de vida, podemos verificar que existem umas mais fáceis de atingir do que outras. Os resultados, para além de não serem imediatos, vão-se alcançando aos poucos, progressivamente e durante um longo período de tempo. No entanto, penso que a alínea objecto da minha análise é, talvez, das incumbências mais difíceis de concretizar com sucesso. Aliás, não de concretizar porque, como veremos, muitas medidas foram criadas para promover exactamente a educação ambiental. Será, porventura, a via mais árdua e que exige mais trabalho da parte não só do legislador, mas também da Administração e do próprio cidadão. Daí também o meu interesse no estudo desta temática, pouco abordada pela doutrina. Curiosamente, as ciências sociais são aquelas que se dedicam mais ao aprofundamento deste tema, já que muito dele é do plano social. No entanto, para além da sua juridicidade, importa não esquecer que o Direito é uma ciência que se entrecruza com diversos ramos do saber. Atrevo-me a dizer que o Direito só alcançará a sua plenitude quando deixar de ser tão fechado, quando passar a ser open-minded, alargando, de verdade, os seus horizontes à pessoa que, segundo o art.1º da CRP, é o fundamento do Estado de Direito. Gomes Canotilho e Vital Moreira, in Constituição da República Portuguesa Anotada, confirmam esta ideia, dizendo que o modo de garantir e preservar o ambiente deixa de assentar apenas em modelos normativísticos para envolver dimensões comunicativo-educativas viradas para uma “Ética ambiental de desenvolvimento”, no contexto de uma “educação para a cidadania adequada à Constituição.

Centrando por agora a atenção no plano jurídico, caberá analisar de que forma é que a educação ambiental tem vindo a ser concretizada no nosso ordenamento jurídico. Quanto a isso, Gomes Canotilho e Vital Moreira, identificam três deveres da Administração (não só do aparelho administrativo, mas também do legislador, penso) no que toca ao desenvolvimento de uma Educação ambiental. São eles:

1. Dever de informação ambiental;
2. Conhecimentos científicos;
3. Participação dos cidadãos.

São dimensões fundamentais da educação ambiental estas que os Professores enunciam. Se bem atentarmos, são formas de incentivo do Estado, não só ao respeito pelos valores do ambiente, mas também à cultura cívica dos cidadãos, i.e., ao investimento na formação das pessoas enquanto cidadãos portugueses, cidadãos europeus, cidadãos do mundo, relembrando aqui o sábio filósofo Sócrates!

1. Dever de informação ambiental

O dever de informação em geral é um imperativo constitucional consagrado no art.268º CRP, em especial no seu nº1, ao qual corresponde o direito [dos cidadãos] de ser informados pela Administração, sempre que o requeiram, sobre o andamento dos processos em que estejam directamente interessados, bem como o de conhecer as resoluções definitivas que sobre eles são tomadas. Este preceito vem a ser concretizado nos artigos 61º a 64º do CPA.

Podemos identificar aqui duas dimensões do direito à informação:

Subjectiva - refere-se à compreensão pelo cidadão dos seus direitos e deveres. Por outras palavras, para que cada pessoa possa fazer uso das suas posições jurídicas de vantagem, é necessário que as conheça. Não basta saber, apenas, que se é titular do direito x ou y. É fundamental, para o exercício pleno dos seus direitos, que o particular os conheça, saiba em que se traduzem e quais as suas vantagens na prática. Assim, poderá agir em consciência, face a uma situação de violação. O mesmo acontece em relação aos deveres. A realização do contrato social implica que cada um abdique de parte das suas posições de vantagem para que outros possam desenvolver as suas. Existe um sinalagma genético e funcional entre direitos e deveres. Se nascem uns, nascem também os outros. Fazendo, agora, a ponte com o Direito do Ambiente, atentemos nas palavras de J. Symonides: O imperativo de protecção do ambiente investe cada indivíduo na dupla qualidade de credor e devedor: é um dever de cada pessoa, cujo, cumprimento reverte, quer a favor de própria, quer a favor dos restantes membros da comunidade, existentes e futuros. É, portanto, imperativo que os cidadãos estejam nesta qualidade de credores e devedores em plena consciência. O que implica, não só um dever do Estado, mas também um dever das pessoas em virtude do seu estatuto de cidadãos.

Objectiva – traduz-se na garantia de transparência das decisões administrativas. Quanto mais informação for disponibilizada relativamente à forma de actuação da Administração, maior será a confiança suscitada nos cidadãos. Em consequência, maior será a credibilidade! Segundo Maria da Glória Garcia, in O lugar do direito na protecção do ambiente, a informação transmitida por uma entidade cientificamente credível, fundamentada de modo consistente e tornada acessível ao grande público tem um peso bastante significativo, daí que a transmissão de informação pelo Estado, legitimada no Direito, acrescenta qualidade à informação, independentemente do seu efectivo conteúdo. Esta transparência de que se fala confere legitimidade às próprias decisões administrativas.

Âmbito internacional e comunitário

Este direito/dever à informação ambiental não é uma inovação da nossa Lei Fundamental. Na sua base, tem instrumentos de âmbito internacional e comunitário que, perante a consciência de que o ambiente deve ser um dos temas centrais das agendas de todos aqueles que celebraram o contrato social, introduziram princípios e regras fundamentais a adoptar pelos Estados. Eis alguns dos mais relevantes:

União Internacional para a Conservação da Natureza

No art.1º dos seus Estatutos, revistos pela Assembleia Geral na sua 14.ª sessão (Ashkhâbâd, URSS, 4 de Outubro de 1978), identifica-se, como um dos objectivos, apoiar a educação e a larga difusão das informações referentes à conservação da natureza e dos seus recursos e incentivar, por quaisquer outros meios, a sensibilização do público à conservação da natureza e dos seus recursos (iv).

Texto integral em http://www.fd.uc.pt/CI/CEE/OI/UICN/Convencao_UICN-PT.htm

Conferência das Nações Unidas sobre o Ambiente e Desenvolvimento, Rio de Janeiro, Junho de 1992

Princípio 10
A melhor maneira de tratar questões ambientais é assegurar a participação, no nível apropriado, de todos os cidadãos interessados. No nível nacional, cada indivíduo deve ter acesso adequado a informações relativas ao meio de que disponham as autoridades públicas, inclusive informações sobre materiais e actividades perigosas em suas comunidades, bem como a oportunidade de participar em processos de tomada de decisões. Os Estados devem facilitar e estimular a consciencialização e a participação pública, colocando a informação à disposição de todos.


Texto integral em http://www.interlegis.gov.br/processo_legislativo/copy_of_20020319150524/20030625102846/20030625104533

Agência Europeia para o Ambiente e Rede Europeia de Informação e de Observação do Ambiente (REGULAMENTO (CEE) Nº 1210/90 DO CONSELHO de 7 de Maio de 1990)

Artigo 1º
1. O presente regulamento institui a Agência Europeia do Ambiente e tem por objectivo a criação de uma Rede Europeia de Informação e de Observação do Ambiente.
2. Tendo em vista a realização dos objectivos de protecção e melhoria do ambiente consignados no Tratado e nos sucessivos programas de acção da Comunidade em matéria de ambiente, é objectivo da Agência fornecer à Comunidade e aos Estados-membros:
- informações objectivas, fiáveis e comparáveis a nível europeu que lhes permitam tomar as medidas necessárias de protecção do ambiente, avaliar os resultados dessas medidas e assegurar a correcta informação do público quanto ao estado do ambiente,
- o apoio técnico e científico necessário para esse fim.

Artigo 2º
A fim de alcançar o objectivo definido no artigo 1º, a Agência tem as seguintes funções:
i) Criar, em colaboração com os Estados-membros, a rede referida no artigo 4º e assegurar a sua coordenação. Para o efeito, a Agência assegurará a recolha, o tratamento e a análise de dados, nomeadamente nos domínios referidos no artigo 3º Compete-lhe ainda dar seguimento aos trabalhos iniciados por força da Decisão 85/338/CEE;
ii) Fornecer à Comunidade e aos Estados-membros as informações objectivas necessárias à formulação e execução de políticas apropriadas e eficazes em matéria de ambiente; a este título, facultar, nomeadamente à Comissão, as informações necessárias para que esta possa desempenhar as suas tarefas de identificação, preparação e avaliação das acções e da legislação em matéria de ambiente;
iii) Registar, confrontar e avaliar os dados relativos ao estado do ambiente, elaborar relatórios especializados sobre a qualidade e sensibilidade do ambiente e as pressões a que está sujeito no território da Comunidade, e estabelecer critérios uniformes de avaliação dos dados ambientais a aplicar em todos os Estados-membros. A Comissão fará uso destas informações para o cumprimento da sua incumbência de velar pela aplicação da legislação comunitária em matéria de ambiente;
iv) Contribuir para assegurar a comparabilidade dos dados ambientais a nível europeu e, se necessário, promover através das vias adequadas uma maior harmonização dos métodos de medição;
v) Promover a integração dos dados ambientais europeus em programas internacionais de controlo do ambiente, como sejam os estabelecidos no âmbito da Organização das Nações Unidas e das suas instituições especializadas;
vi) Assegurar uma ampla divulgação de informações ambientais fiáveis. Além disso, a Agência publicará, de três em três anos, um relatório sobre o estado do ambiente;
vii) Estimular o desenvolvimento e a aplicação de técnicas de previsão ambiental que permitam tomar medidas preventivas adequadas no momento próprio;
viii) Estimular o desenvolvimento de métodos de avaliação do custo dos danos causados ao ambiente e dos custos das políticas de prevenção, protecção e recuperação do ambiente;
ix) Estimular a troca de informações sobre as melhores tecnologias existentes para prevenir ou reduzir os danos causados ao ambiente;
x) Cooperar com os organismos e programas referidos no artigo 15º.


Texto integral em http://eur-lex.europa.eu/smartapi/cgi/sga_doc?smartapi!celexplus!prod!DocNumber&lg=pt&type_doc=Regulation&an_doc=1990&nu_doc=1210

Como podemos verificar, a criação de uma rede de informações entre os países comunitários é o objectivo da instituição da Agência Europeia do Ambiente. De facto, especializando-se uma entidade na recolha, tratamento e divulgação de informações relativas ao ambiente, a tarefa dos Estados está muito mais facilitada. Para além de que a informação é actualizada, cientificamente fundada e consensualmente obtida no mundo científico (Maria da Glória Garcia).

Convenção de Aarhus (sobre acesso à informação, participação do público no processo de tomada de decisão e acesso à justiça em matéria do ambiente) – 25 de Junho de 1998

No seu art.4º, vem previsto o acesso à informação ambiental, sendo que cada parte assegurará que, em resposta a um pedido de informação ambiental, as autoridades públicas coloquem à disposição do público tal informação (nº1). Nos termos do nº2, a informação ambiental deve ser facultada o mais rapidamente possível, o mais tardar no prazo de um mês a contar da apresentação do pedido, a menos que o volume e a complexidade da informação justifiquem um prolongamento deste prazo até dois meses após a apresentação do pedido.
A forma de recolha e divulgação da informação vem prevista no art.5º.

Texto integral em http://eur-lex.europa.eu/LexUriServ/LexUriServ.do?uri=OJ:L:2005:124:0004:0004:PT:PDF

DIRECTIVA 2003/4/CE DO PARLAMENTO EUROPEU E DO CONSELHO de 28 de Janeiro de 2003 relativa ao acesso do público às informações sobre ambiente e que revoga a Directiva 90/313/CEE do Conselho

Artigo 1.º
Objectivos
A presente directiva tem os seguintes objectivos:
a) Garantir o direito de acesso à informação sobre ambiente na posse das autoridades públicas ou detida em seu nome e estabelecer as condições básicas do, e disposições práticas para o, seu exercício; e
b) Garantir, por via de regra, que a informação sobre ambiente seja progressivamente disponibilizada e divulgada ao público, a fim de atingir a mais vasta disponibilização e divulgação sistemáticas junto do público de informação sobre o ambiente. Para o efeito será conveniente promover, em especial, a utilização de tecnologias telemáticas e/ou electrónicas, quando disponíveis.

Artigo 3.º
Acesso à informação sobre ambiente mediante pedido
1. Os Estados-Membros asseguram que as autoridades públicas sejam, nos termos da presente Directiva, obrigadas a disponibilizar a qualquer requerente informação sobre ambiente na sua posse ou detida em seu nome, sem que o requerente tenha de justificar o seu interesse.
2. Sob reserva do artigo 4.º e tendo em conta o calendário especificado pelo requerente, a informação sobre ambiente será disponibilizada ao requerente:
a) O mais rapidamente possível, ou no prazo máximo de um mês a contar da recepção do pedido pelas autoridades públicas referidas no n.º 1; ou
b) No prazo de dois meses a contar da recepção do pedido pelas autoridades públicas, se o volume e a complexidade da informação forem de tal ordem que o prazo de um mês referido na alínea a) não possa ser respeitado. Nesse caso, o requerente será informado o mais depressa possível, de qualquer modo antes do termo desse prazo de um mês, da eventual prorrogação do prazo e dos respectivos motivos.


Texto integral em http://siddamb.apambiente.pt/publico/documentoPublico.asp?documento=25842&versao=1&searcher=deliberando¬a=0&prefix=&qstring=deliberando%20nacional%3As%20comunitaria%3As%20internacional%3As%20jurisprudencia%3As%20doutrina%3As%20outro%3As%20legislacao%3As

Portugal

Em 2006, foi aprovada, em Portugal, a Lei de Acesso à Informação Ambiental, que regula o acesso à informação sobre o ambiente. Tal como a Directiva nº 2003/4/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 28 de Janeiro, atrás mencionada, (que transpôs), tem, como objectivos, enunciados no seu art.2º, garantir o direito de acesso à informação sobre ambiente detida pelas autoridades públicas ou em seu nome (a)); assegurar que a informação sobre ambiente é divulgada e disponibilizada ao público (b)); promover o acesso à informação através da utilização de tecnologias telemáticas ou electrónicas (c)). Elenca as medidas a adoptar pelas autoridades públicas no art.4º e a forma de divulgação da informação no artigo seguinte. O direito de acesso à informação sobre o ambiente vem previsto no art.6º, segundo o qual:

1 – As autoridades públicas estão obrigadas a disponibilizar ao requerente informação sobre ambiente na sua posse ou detida em seu nome, sem que o requerente tenha de justificar o seu interesse.
2 – Para efeitos do disposto no número anterior, o requerente deve apresentar o pedido de informação por escrito, do qual constem os elementos essenciais à identificação da mesma, bem como o seu nome, morada e assinatura.
3 – O acesso à informação de ambiente pode ainda ser efectuado através de consulta junto da autoridade pública.


O pedido deve ser formulado de forma precisa, sob pena do previsto art.8º (convite à reformulação). Os prazos e a forma de disponibilização da informação vêm previstos nos artigos 9º e 10º. Se a informação solicitada não estiver nem deva estar na posse da autoridade pública ou não seja detida em nome da mesma, o pedido de acesso à informação será indeferido. Pode ainda se indeferido de a divulgação dessa informação prejudicar, nos termos no nº6 do art.11º:

a)A confidencialidade do processo ou da informação na posse ou detida em nome das autoridades públicas, quando tal confidencialidade esteja prevista na lei;
b) As relações internacionais, a segurança pública ou a defesa nacional;
c) O segredo de justiça;
d) A confidencialidade das informações comerciais ou industriais, sempre que essa confidencialidade esteja prevista na legislação nacional ou comunitária para proteger um interesse económico legítimo, bem como o interesse público em manter a confidencialidade estatística ou o sigilo fiscal;
e) Os direitos de propriedade intelectual;
f) A confidencialidade de dados pessoais ou ficheiros relativos a uma pessoa singular nos termos da legislação aplicável;
g) Os interesses ou a protecção de quem tenha fornecido voluntariamente a informação, sem que esteja ou venha a estar legalmente obrigado a fazê-lo, excepto se essa pessoa tiver autorizado a divulgação dessa informação;
h) A protecção do ambiente a que a informação se refere, designadamente a localização de espécies protegidas.

O nº 8 refere que estes fundamentos devem ser interpretados de forma restritiva pelas autoridades públicas, ponderando o interesse público servido pela divulgação da informação e os interesses protegidos que o fundamentam.

Esta lei é complementada pela Lei de Acesso aos Documentos Administrativos (Lei 95/93 de 26 de Agosto) que, de acordo com o art.18º, é de aplicação subsidiária.

Há, ainda, que fazer referência a outros instrumentos nacionais:

 Avaliação de Impacte Ambiental (DL nº69/2000, de 3 de Maio) – art.22º e seguintes (Publicidade das componentes de AIA);
 Prevenção e Controlo Integrados da Poluição (DL nº173/2008, de 26 de Agosto) – art.15º (Acesso à informação e participação pública);
 Prevenção de Acidentes Graves que Envolvam Substâncias Perigosas (DL nº254/2007, de 12 de Julho) – art.20º (Informação sobre as medidas de autoprotecção) e art.24º (Acesso à Informação).

2. Conhecimentos científicos

Em muitos dos instrumentos de âmbito internacional e comunitário, faz-se apelo ao investimento no desenvolvimento dos conhecimentos científicos relativos ao ambiente. No ponto iii) do nº1 dos Estatutos na União Internacional para a Conservação da Natureza, vem referido, como objectivo, fomentar a investigação científica relativa à conservação da natureza e dos seus recursos; contribuir para a difusão de informações sobre aquela investigação. Da mesma forma, com a criação da Rede Europeia de Informação e Observação do Ambiente, pretende-se que os Estados tenham acesso à informação mais completa possível e mais avançada em termos científicos.

Como já referido anteriormente, as três qualidades essenciais da informação ambiental, no entender de Maria da Glória Garcia, são a sua actualização, fundamentação científica e consensualidade do mundo científico, embora reconheça que nem toda a informação científica seja dotada de um grau de absoluta certeza. É facto que tudo tem um risco, ainda que nalgumas situações possa ser diminuto. No entanto, é fundamental para o Direito do Ambiente estar a par dos desenvolvimentos científicos. Lembre-se a distinção entre os princípios da prevenção e da precaução, baseada neste grau de certeza de que se fala.

Há a acrescentar, também, a referência às melhores técnicas disponíveis, por exemplo no art.7º do diploma da Prevenção e Controlo Integrados da Poluição (DL 173/2008 de 26 de Agosto).

3. Participação dos cidadãos

A Professora Carla Amado Gomes, no seu artigo intitulado O direito à informação ambiental: velho direito, novo regime, identifica quatro direitos dentro do de participação. São eles:

• Direito à informação ex ante, i.e., conhecimento dos dados da situação;
• Direito de ser ouvido;
• Direito a ser tido em consideração;
• Direito à informação ex post (conhecimento do teor e dos fundamentos da decisão).

Efectivamente, o direito de participação dos cidadãos nos procedimentos ambientais é uma decorrência do seu estatuto cívico. Para além de se ter o direito à informação, os particulares deverão colaborar com a Administração ou mesmo discordar dela, accionando os mecanismos de participação que têm ao seu alcance. É uma forma de envolver os cidadãos no âmbito de actuação da Administração, até porque, muitas vezes, esta se encontra em situação de desvantagem no que toca a certas informações às quais só os envolvidos têm acesso. Como refere a Professora, o contraditório é uma garantia de legitimidade da actuação administrativa e há democracia para além do sufrágio, o que configura uma tradução do Estado de Direito. Citando Prieur, porque o ambiente respeita a todos, quando se trata de partilhar os recursos naturais comuns, a sua gestão deve ser realizada por todos. A democratização da gestão de bens comuns é inerente à qualidade generalizada de tais bens. Daí que possamos afirmar que a participação não é só um direito dos cidadãos, é também um dever. O velho contrato social assim o exige. Há um espaço comum, de partilha, e, portanto, os cidadãos também devem ter uma atitude pró-activa na defesa do ambiente, nomeadamente através da sua participação nos procedimentos, e não deixar à entidade pública o monopólio da decisão. Assim não há legitimidade sustentável.

Podemos identificar, ainda, três formas de participação:

• Política, que se traduz na obtenção de informação sobre as intervenções públicas e privadas em bens de fruição colectiva;
• Pedagógica, no sentido de dotar o indivíduo de conhecimento essencial à sua interacção com o ambiente, a todos os níveis;
• Instrumental, promovendo uma ligação mais estreita do cidadão com o seu direito à participação na tomada de decisões com incidência ambiental.

Em concreto, e retomando os instrumentos jurídicos quer internacionais e comunitários, quer nacionais, muitas são as alusões significativas ao direito de participação. Sem prejuízo de repetição, seguem algumas referências:

Âmbito internacional e comunitário

o Conferência das Nações Unidas sobre o Ambiente e Desenvolvimento, Rio de Janeiro, Junho de 1992

Princípio 10
A melhor maneira de tratar questões ambientais é assegurar a participação, no nível apropriado, de todos os cidadãos interessados. (…) oportunidade de participar em processos de tomada de decisões. Os Estados devem facilitar e estimular a consciencialização e a participação pública (…) Deve ser propiciado acesso efectivo a mecanismos judiciais e administrativos, inclusive no que diz respeito a compensação e reparação de danos.


o Convenção de Aarhus (sobre acesso à informação, participação do público no processo de tomada de decisão e acesso à justiça em matéria do ambiente) – 25 de Junho de 1998

Nos artigos 6º a 8º, vêm previstas três formas de participação do público: nas decisões referentes a actividades específicas (6º); em planos, programas e acções em matéria do ambiente (7º); durante a preparação de regulamentos de execução e/ou de instrumentos normativos juridicamente vinculativos directamente aplicáveis (8º).

Portugal

 Lei de Bases do Ambiente (Lei nº11/87, de 7 de Abril) – art.40º (deveres e direitos dos cidadãos); art.42º (embargos administrativos);
 Acção popular para defesa do ambiente – art.52º, nº3 CRP e art.1º Lei de Acção Popular e Participação Procedimental (Lei nº83/95, de 31 de Agosto);
 Participação e audiências públicas no procedimento de avaliação de impacte ambiental – artigos 14º e 15º AIA;
 Acesso à informação e participação do público – art.15º Prevenção e Controlo Integrados da Poluição.

No seu artigo intitulado Participação Pública e Defesa do Ambiente: um silêncio crescentemente ensurdecedor – monólogo com a jurisprudência de fundo, a Professora Carla Amado Gomes lamenta a redução /eliminação de momentos de participação pública, dizendo que isso não interfere apenas com a qualidade da decisão, mas degrada sobretudo a qualidade da democracia ambiental que a Lei Fundamental aponta nos seus art.2º, 52º, nº3, a) e 66º,nº2. Decorre não só das imposições comunitárias, mas também da própria essência do Estado de Direito Democrático, a necessidade de garantir a participação dos cidadãos nos assuntos do Estado de Direito Ambiental. É, no fundo, dar sentido à cidadania portuguesa, promovendo uma intervenção activa das pessoas e apelando à consciencialização para os problemas ambientais e ao sentido de responsabilidade comunitária.

Educação Ambiental e respeito pelos valores do ambiente

Tudo o que foi analisado anteriormente teve, como base de sustentação, as normas que, quer ao nível internacional ou comunitário, quer ao nível nacional, dão concretização à incumbência do Estado de promover a educação ambiental e o respeito pelos valores do ambiente. Isto é, mantivemo-nos no plano puramente jurídico.

No entanto, e retomando a linha de pensamento da introdução, é também preocupação do Direito promover uma educação para a cidadania, envolvendo as dimensões comunicativo-educativas viradas para uma Ética ambiental de desenvolvimento (Gomes Canotilho e Vital Moreira). No meu entender, mais do que definir limites máximos de poluição, prever sanções para quem polui e criar procedimentos vários, todos necessários e decorrentes quer do Princípio da Prevenção, quer do Poluidor-Pagador, ambos constitucionalmente consagrados também no art.66º, nº2, o Direito deve ter como principal preocupação a promoção da consciencialização das pessoas para os problemas ambientais, num contexto de formação cívica. É para isso que nos alerta a alínea g) do preceito constitucional atrás referido.

Uma das principais medidas tomadas neste âmbito e desenvolvida já há alguns anos é a formação cívica nas escolas. Passemos uma vista de olhos pela Lei de Bases do Sistema Educativo. No seu art.2º, que enuncia os princípios gerais, evidenciam-se os números 4 e 5, segundos os quais:

O sistema educativo responde às necessidades resultantes da realidade social, contribuindo para o desenvolvimento pleno e harmonioso da personalidade dos indivíduos, incentivando a formação de cidadãos livres, responsáveis, autónomos e solidários e valorizando a dimensão humana do trabalho (Nº4);
A educação promove o desenvolvimento do espírito democrático e pluralista, respeitador dos outros e das suas ideias, aberto ao diálogo e à livre troca de opiniões, formando cidadãos capazes de julgarem com espírito crítico e criativo o meio social em que se integram e de se empenharem na sua transformação progressiva (nº5).

Podemos verificar que os objectivos da política educativa aqui mencionados estão em absoluta concordância com a nossa Lei Fundamental, que incentiva, ela própria, a este tipo de comportamentos. Estes princípios gerais são complementados pelos princípios organizativos, enunciados no artigo seguinte, sendo de salientar neste trabalho a alínea c), de acordo com a qual o sistema de ensino se organiza de forma a assegurar a formação cívica e moral dos jovens. Atente-se, também na alínea f): contribuir para a realização pessoal e comunitária dos indivíduos, não só pela formação para o sistema de ocupações socialmente úteis mas ainda pela prática e aprendizagem da utilização criativa dos tempos livres. Percorrendo as várias etapas do ensino, previstas nos artigos 5º e seguintes, a formação cívica e pessoal está sempre presente, embora se exija abordagens diferentes consoante a idade das crianças ou jovens.

Atentemos no princípio 21 da Conferência das Nações Unidas sobre Ambiente e Desenvolvimento, Rio de Janeiro, Junho de 1992: contribuir para a realização pessoal e comunitária dos indivíduos, não só pela formação para o sistema de ocupações socialmente úteis mas ainda pela prática e aprendizagem da utilização criativa dos tempos livres.

Dando o meu testemunho pessoal, foi no ensino básico que as actividades relacionadas com o ambiente mais se desenvolveram. Desde iniciativas na própria escola a dinâmicas no âmbito das escolas do município. Recordo o programa Eco-Escolas, realizado no Parque das Nações. As aulas de formação cívica eram, também, aproveitadas para o desenvolvimento de trabalhos relacionados com o ambiente. No ensino secundário, as iniciativas foram mais escassas. E no ensino universitário? Apenas uma cadeira de Direito do Ambiente, ainda desvalorizada por grande parte dos juristas. Na verdade, a frequência a esta cadeira deve ser apenas um plus à nossa educação ambiental. Não iremos salvar o planeta só porque estudámos Direito do Ambiente, é certo… Só uma cidadania responsável nos ajudará a fazer melhor Direito do Ambiente, enquanto juristas. Isto decorre daquilo que fora dito quanto ao dever de informação e participação. Enquanto juristas, e dotados de conhecimento nesta área, temos uma responsabilidade acrescida e um dever de participação mais substancial. Participação nos procedimentos? Sim, mas não só. Sobretudo participação numa cultura cívica orientada para a protecção do ambiente, dando, simplesmente, testemunho do respeito pelos valores ambientais.

Conclusão

Em jeito de conclusão, termino com as palavras de Maria da Glória Garcia:
A descoberta das emoções no mundo da racionalidade enriquece a criatividade humana, no “plano político”, ao mesmo tempo que abre caminho, no “plano económico”, a que se realcem as instituições, no “plano ético”, a que se facilite o relacionamento entre cada um de nós com a humanidade que transportamos, e, no “plano jurídico”, a que se molde e enraíze uma justiça fina, espraiada no espaço e no tempo, entretecida numa comunidade solidária.


Bibliografia:


CANOTILHO, J. Gomes e MOREIRA, Vital, Constituição da República Portuguesa Anotada, Vol.I, Coimbra Editora, 2001
GARCIA, Maria da Glória F.P.D., O lugar do direito na protecção do ambiente, Almedina, 2007;
GOMES, Carla Amado, O direito à informação ambiental: velho direito, novo regime, in Revista do Ministério Público nº109, ano 28, Jan-Mar 2007;
GOMES, Carla Amado, Participação ´Pública e Defesa do Ambiente: um silencia crescentemente ensurdecedor - monólogo com jurisprudência de fundo, in Textos dispersos de Direito do Ambiente - Vol.III, AAFDL, 2010;
SOUSA, Mariza Regina, A Ética Ecológica: discussão entre as perspectivas antropocentricas e ecocêntricas, Lisboa, 2006

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