quarta-feira, 19 de maio de 2010

O Papel do Direito Civil na Defesa do Ambiente

O Papel do Direito Civil na Defesa do Ambiente

I – Aspectos Introdutórios
II – O Direito Civil do Ambiente
III – Privatização dos Valores Ambientais
IV – Sectores tradicionais de intervenção do Direito civil
V – Aspectos civis da Lei de Bases do Ambiente


I – Aspectos Introdutórios

A ideia duma tutela assumida do ambiente é, em termos históricos, muito recente. Nos últimos trinta anos tem se verificado uma crescente consciencialização da necessidade de defesa do meio ambiente, apesar de esta tutela ter surgido sectorialmente. Com efeito, nas últimas décadas predominava a convicção de que o homem podia usar ilimitadamente os recursos naturais sem qualquer preocupação pelo factor da escassez de recursos. Deste modo, a tutela do ambiente engloba todas as medidas, concretas ou abstractas, que tenham por objectivo, directa ou indirectamente, a prevenção, a protecção ou a reparação do ambiente natural. A autonomização do Direito material do ambiente é feito à custa das disciplinas jurídicas que em primeira mão viram surgir as normas jurídicas implicadas. Mas nunca totalmente: desde logo por haver normas que, apesar da sua vocação ambiental, em caso algum cortam as ligações com as áreas de origem. Portanto, o Direito (material) do ambiente não assumiu, ainda, o papel de abranger todas as normas de que carece, como por exemplo a responsabilidade civil, que apesar de possuir um importante papel ambiental, mantém-se como uma disciplina civil.
A tutela do ambiente é feita com recurso a normas provenientes de áreas normativas muito variadas. Ao Direito Administrativo, como Direito Público Comum, cabe um relevante lugar, uma vez que, perante a necessidade de tomar medidas urgentes e eficazes, é compreensível que seja o Estado a fazê-lo quando para tal esteja legitimado. Por outro lado, os valores inerentes ao ambiente são hoje tão importantes que se justifica plenamente incluir alguns deles entre os bens dotados de tutela penal. Com efeito, no âmbito do Direito Penal do ambiente desenvolve-se uma tipificação de crimes ambientais, com as consequentes penas a quem os cometa, de forma a prosseguir os clássicos objectivos penais de retribuição e das prevenções geral e especial. Actualmente, devido ao peso regulador e conformador do Direito Constitucional em matéria ambiental, pode-se falar numa “Constituição do Ambiente” como expressão que traduz o conjunto articulado das normas ambientais que lograrem inscrição na Lei Fundamental. O desenvolvimento das necessidades ambientais conduziu à produção de regras directamente ambientais, com relevo para leis gerais do ambiente como a Lei de Bases do Ambiente Portuguesa, aprovada pela Lei 11/87 de 7 de Abril, ou a Lei Alemã de responsabilidade ambiental (Umwelthaftungsgesetz ou UmweltHG) de 10 de Dezembro de 1990. Efectivamente, o Direito do ambiente recolhe regras oriundas de outras disciplinas e enriquece, em simultâneo, essas outras disciplinas com normas cuja elaboração ele próprio propicia.
Em relação à chamada actuação informal da Administração, as entidades públicas, em vez de se limitarem à clássica produção de actos administrativos definitivos e executórios, dotados do privilégio da execução prévia, recorrem a recomendações, a práticas persuasivas e de divulgação e a avisos e prevenções informais. Por outro lado, também os instrumentos económicos que estão à disposição do Estado podem ser utilizados com vista à defesa do ambiente.
O reconhecimento, no Direito civil, de níveis ambientais de tutela implica uma determinação material do Direito do Ambiente. Tendo por base a ideia de preservação e eventual reconstituição dos ciclos naturais da Terra, a doutrina tem formulado diversos princípios materiais gerais do Direito do ambiente. Os três princípios básicos do Direito do ambiente são: o princípio da prevenção, o princípio da causa e o princípio da repartição comunitária. O princípio da prevenção obriga a que, no domínio ambiental, as providências jurídicas não se cingem à reparação de danos e à detenção de actividades potencialmente perigosas, pois também procura impedir a ocorrência de danos ambientais. O princípio da causa consiste na responsabilização das entidades cujas actividades causaram danos ambientais e dispensa os fundamentos clássicos da responsabilidade civil assentes na culpa e da ilicitude. Por fim, o princípio da repartição comunitária implica que, na falta ou insuficiência da entidade poluente, os danos ambientais sejam repercutidos na comunidade, através dos orçamentos dos Estados. Para além destes princípios fundamentais, a doutrina tem vindo a apontar outros princípios:
• O princípio da cautela, que corresponde à regra in dubio pro securitate, ou seja, na dúvida deve ser adoptada a solução mais segura;
• O princípio da manutenção do status quo, que também é designado por princípio da proibição de retrocesso, não admite medidas que, mesmo transitoriamente, impliquem perdas ambientais, pois a recuperação do meio ambiente é sempre difícil;
• O princípio da protecção, que pressupõe o recurso a todas as medidas necessárias para evitar danos antes de eles ocorrerem;
• O princípio da ponderação, o qual determina que as soluções ambientais nunca devem ter em conta apenas um vector pois todos os interesses devem ser ponderados. Em nome da defesa dum segmento ecológico não deve ser preterida a apreciação de outro segmento;
• O princípio da durabilidade, que procura evitar a mera adopção de medidas provisórias ou de meio prazo, pois a tutela do ambiente deve ser posta em acção através de medidas a longo prazo;
• O princípio da minimização, que se baseia na ideia de que, em matéria ambiental, todos os processos devem ser acompanhados desde o início até ao fim de forma a diminui riscos e perigos.


II – O Direito Civil do Ambiente

O Direito Civil, como Direito privado comum, centra-se nos princípios fundamentais da liberdade e da igualdade. Segundo o princípio de liberdade, no Direito Civil, é lícito adoptar todas as condutas não proibidas por lei. Com efeito, neste sentido a liberdade contrapõe-se ao princípio da competência, segundo o qual só é admitida a actuação prevista na lei, e que é dominante no Direito público. O princípio da igualdade considera que as pessoas actuam, umas perante as outras, com as mesmas potencialidades jurídicas. Inversamente, o princípio de autoridade ou do ius imperii, dominante no Direito público, assume a ideia pela qual o Estado actua com poderes impositivos perante as restantes pessoas, que lhe estão sujeitas.
Na tutela ambiental, o Direito Civil desempenha três papéis: o papel cultural, o instrumental e o regulativo. O Direito civil assume um papel cultural pois este exprime o ius romanum actual, que individualiza os sistemas romano-germânicos de Direito. Na medida em que a defesa do ambiente represente mais do que uma preocupação passageira, ela deve radicar nos planos mais estáveis do pensamento jurídico. Ao considerar a ciência do Direito civil, que desenvolve instrumentos dogmáticos essenciais como, por exemplo, as ideias de direito subjectivo, de dano, de responsabilidade ou indemnização, é vislumbrado o papel instrumental do Direito civil. O papel regulativo resulta do facto de haver regras civil que têm por objecto, directa ou indirectamente, o ambiente ou de haver regras ambientais cujo funcionamento implica a interacção de regras civis. O Direito civil apresenta, na tutela do ambiente, as seguintes vantagens:
• Consente na intervenção de qualquer particular, por si, em questões ambientais e permite a intervenção de entidades privadas, como as associações para defesa do ambiente;
• Permite que os serviços públicos poupem e se concentrem nas tarefas onde são insubstituíveis;
• Completa o défice estrutural do Direito público, uma vez que, por este estar submetido ao princípio da competência, perante questões novas tem de aguardar o surgimento de novas leis que habilitem a Administração a actuar. Este problema não se coloca no Direito privado, onde domina o princípio da liberdade;
• Desempenha um plano transnacional de eficácia, pois a sentença civil pode, em regra, ser executada no estrangeiro, enquanto a decisão administrativa é dominada pelo princípio da territorialidade. Este vantagem é fundamental para a tutela do ambiente ser eficaz para além das fronteiras.
Contudo, o Direito privado tem, em matéria ambiental, desvantagens estruturais que aconselham sempre um acompanhamento público. Tendo em conta que a tutela do ambiente tem de ser preventiva e salvaguardadora, os esquemas privados dependem das iniciativas privadas, que, por sua vez, dependem do nível cultural das populações. Com efeito, o ambiente tem de ser especialmente defendido em áreas despovoadas ou com atrasos económicos.


III – Privatização dos Valores Ambientais

O tratamento privatístico e a consequente privatização dos valores ambientais coloca dificuldades técnicas e culturais profundas. O Direito civil tradicional é um Direito essencialmente humanístico ou antropocêntrico, e a defesa da natureza intervinha sempre e na medida em que fosse necessária para a tutela de interesses ou dos direitos das pessoas. Portanto apenas a pessoa humana poderia ser sujeito de direitos ou destinatário de posições jurídicas de vantagem. Por exemplo, os maus tratos a animais só poderiam ser proibidos na medida em que ferissem a sensibilidade das pessoas que os presenciassem ou deles tivessem conhecimento. Desta afirmação decorre a possibilidade de torturar legitimamente o animal desde que não houvesse testemunhas ou desde que tal sucedesse em recintos reservados “a afeiçoados”, e a propósito desta última situação, o Professor Menezes Cordeiro refere o caso das touradas como exemplo. Hoje em dia deve entender-se que o animal “representa, só por si, um valor que deve ser respeitado em todas as circunstâncias”. Os seres vivos, mesmo os que são irracionais, dependem do equilíbrio que, uma vez afectado, leva algum tempo a restabelecer-se ou não chega sequer a poder ocorrer essa possibilidade. Na base destas considerações seria possível reconverter os instrumentos civis e o próprio direito subjectivo deixaria de estar relacionado com a vontade ou a pessoa para, formalmente, interferir em áreas de liberdade e de protecção conferidas em prol de valores.


IV – Sectores tradicionais de intervenção do Direito civil

O direito civil tem um papel ambiental consagrado nalguns sectores tradicionais, como no domínio das emissões, que está inserido no Direito da vizinhança.

a) O Direito da Vizinhança
A matéria do Direito da Vizinhança consta dos artigos 1346º e seguintes do Código Civil e pode ser analisada perante o confronto de três princípios que consubstanciam-se em torno da propriedade imobiliária:
• O poder do proprietário proibir actos prejudiciais;
• A prevenção de determinados perigos;
• A manutenção da ordem natural.
O poder do proprietário de proibir actos prejudiciais está consagrado no artigo 1346º relativo à emissão de fumo, à produção de ruídos e factos semelhantes. O preceito prevê que o “proprietário de um imóvel pode opor-se à emissão de fumo, fuligem, vapores, cheiros, calor ou ruídos, bem como à produção de trepidações e a outros quaisquer factos semelhantes, provenientes de prédio vizinho, sempre que tais factos importem um prejuízo substancial para o uso do imóvel ou não resultem de utilização normal do prédio de que emanam”. Alguma doutrina defendia a interpretação deste artigo que, na prática, retirava o alcance à fórmula do legislador, ao considerar que “prédio vizinho” era prédio contíguo, de tal modo havendo, de permeio, algum prédio, o proprietário ficaria sem defesa, mesmo confrontado com as mais perigosas emissões. Por outro lado, a alternativa “importem um prejuízo substancial” ou “ não resultem de utilização normal do prédio”, comportam conceitos indeterminados e, deste modo, permitem uma flutuação alargadora. Actualmente a doutrina tem entendido que “vizinho” significa “próximo” e não contíguo, e a proximidade acaba por ser considerada relativa, pois pode defender-se que um prédio está próximo de outro sempre que, dele, possam derivar emissões susceptíveis de lesar esse outro. O artigo 1346º, ao mencionar “emissões”, fá-lo em termos exemplificativos. O proprietário poderá assim, ao seu abrigo, proibir também emissões de radiações, de partículas radioactivas, de gases diversos, de luzes, de projécteis, balas, pedras ou insectos. Tem vindo a ser defendido a extensão das emissões a realidades imateriais, como na hipótese das “emissões estéticas”, em que o simples desfigurar de uma paisagem teria aplicação do artigo 1346º. Com efeito, este preceito permite a qualquer proprietário proibir barulho, fumos, trepidações ou gases a todas as horas do dia e da noite, desde que alegasse e demonstrasse o prejuízo substancial. O Professor Menezes Cordeiro dá como exemplo uma situação em que foram admitidas medidas contra uma “festa popular”, devidamente autorizada, mas cujo barulho incomodava a vizinhança. A prevenção de certos prejuízos está consagrada no artigo 1347º do Código Civil, o qual dispõe que “ o proprietário não pode construir nem manter no seu prédio quaisquer obras, instalações ou depósitos de substâncias corrosivas ou perigosas, se for de recear que possam ter sobre o prédio vizinho efeitos nocivos não permitidos por lei” (nº1); “se as obras, instalações ou depósitos tiverem sido autorizados por entidade pública competente, ou tiverem sido observadas as condições especiais prescritas na lei para construção ou manutenção deles, a sua inutilização só é admitida a partir do momento em que o dano se torne efectivo” (nº2); “é devida, em qualquer dos casos, indemnização pelo prejuízo sofrido” (nº3). O princípio da prevenção do perigo aflora ainda nos artigos 1348º (Escavações) e 1350º (Ruína de Construção) com os consequentes deveres de segurança do tráfico. Efectivamente, quem tem o controlo de uma fonte de perigo tem o dever de tomar todas as medidas necessárias para que não haja danos, apesar da simples prevenção ser a regra mais imediata. O legislador terá sido motivado pela necessidade ou conveniência em não bloquear pura e simplesmente a prossecução de certas actividades só por serem perigosas: há um limite para a oneração das empresas com encargos ambientais, tanto que sem desenvolvimento económico não há ambientalismo, e, por isso, é necessário procurar um equilíbrio que não fique além da margem de reposição dos recursos. A manutenção da ordem natural está evidente no artigo 1351º (Escoamento natural das águas) do Código Civil, ao prever que os “prédios inferiores estão sujeitos a receber as águas que, naturalmente e sem obra do homem, decorrem dos prédios superiores, assim como a terra e entulhos que elas arrastam na sua corrente” (nº1) e “ nem o dono do prédio inferior pode fazer obras que estorvem o escoamento, nem o dono do prédio superior obras capazes de o agravar, sem prejuízo da possibilidade de constituição de servidão legal de escoamento, nos casos em que é admitida” (nº2). O Professor Menezes Cordeiro entende que esta regra pode ser alargada a outras situações.

b) A Responsabilidade Civil
A responsabilidade civil já chegou a ser considerada como o “cerne de qualquer discurso sobre o ambiente” por constituir um instituto tecnicamente apto para reagir a danos ambientais. Actualmente, aquela expressão já não corresponde à realidade mas a responsabilidade continua a ter grande importância. Segundo o artigo 483º do Código Civil “aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação”. Portanto, quem lesou o ambiente estará – como dolo ou culpa – seja a violar direitos alheios seja a desrespeitar normas de protecção e terá de reconstituir a situação antes existente – artigo 562º do Código Civil – ou, se tal não for possível, terá de indemnizar em dinheiro – artigo 566º/1. A aplicação do instituto da responsabilidade civil à problemática do Direito do Ambiente levanta, porém, algumas dificuldades técnicas e de fundo que poderão ser seguidas através dos diversos pressupostos da responsabilidade: para além do facto, a ilicitude, a culpa, a causalidade e o dano. A ilicitude e a culpa, bipartição germânica introduzida por Jhering, exprimem a necessidade, para se desencadear uma situação de responsabilidade civil, de se verificar, por parte do agente, uma violação censurável de normas jurídicas. Neste campo levanta-se um problema: esta exigência nem sempre se adequa com os princípios de Direito do ambiente. Muitas vezes ocorrem danos ambientais sem uma violação de normas jurídicas ou sem que tal violação possa ser imputada, com censura, a alguém. Assim, resta analisar no domínio ambiental a hipótese de responsabilidade pelo risco, que é objectiva ou sem culpa. Com efeito, a responsabilidade objectiva está regulada nos artigos 499º e seguintes do Código Civil, e o disposto no artigo 509º, relativo aos danos causados por instalações de energia eléctrica ou de gás, que pode configurar uma hipótese de lesão do ambiente é especialmente interessante do domínio da responsabilidade ecológica. De acordo com o artigo 483º/2 do Código Civil, tal tipo de responsabilidade implica, no entanto, normas jurídicas a tanto destinadas e, com efeito, a Lei de Bases do Ambiente contém uma previsão alargada de responsabilidade objectiva – artigo 41º -, que deve ser conjugado com o DL 147/2008 de 29 de Julho. Em relação à responsabilidade pelo risco, é admitida a possibilidade de, embora com prudência, alargar pela interpretação as previsões de imputação já existentes e a consideração das previsões de risco como cominações indirectas, de maneira que, quem as integre, se colocará numa situação de ilicitude “imperfeita”. Ao Direito importa, fundamentalmente, que não haja a ocorrência de danos, neste caso ambientais, e assim a sua imputação a título de risco consubstanciará ainda uma forma de incentivar os destinatários a tomar todas as medidas para que o dano não se produza. A aplicação da causalidade no domínio ambiental levanta alguns problemas. A fórmula da “causalidade adequada” tem vindo a ser substituída pela ideia de “causalidade normativa”, pela qual se entende que deve ser imputado ao agente o conjunto de danos correspondentes às posições que são garantias pelas normas violadas. Portanto, é necessário ter como ponto de partida a fórmula da condictio sine qua non, e depois indagar, por meio de valorações jurídicas, se tais danos correspondem a bens tutelados pelas normas violadas pelo agente. A causalidade estatística tem sido utilizada por alguma doutrina e o Professor Menezes Cordeiro aponta como exemplo o caso das emissões radioactivas que fazem aumentar o número de cancros em certa região e no qual o agente é responsável ainda que não se possa concretamente dizer que um certo cancro não surgiria, se não fosse a radioactividade provocada. A imputação conjunta em hipóteses de causalidade alternativa, ou seja, nos casos em que um de dois agentes tenha causado o dano sem que se saiba qual, respondem os dois, também tem sido utilizada no domínio ambiental, como no caso em que há uma descarga num rio que mata toneladas de peixes e apenas uma de duas fábricas o poderiam ter feito sem que se saiba qual e que, pelo Direito tradicional ambas as fábricas eram ilibadas, mas no Direito do ambiente é admitida a possibilidade de responsabilizar as duas. Com efeito, através da causalidade alternativa podem ser defendidas hipóteses de relevância positiva da causa virtual e até numa relação inversa com a relação negativa da mesma causa. Em relação ao tema dos danos, numa primeira abordagem estes poderiam ser delimitados, onde traduziriam o quantum que, tendo sido atingido, carecesse a tutela do Direito. Contudo, a proliferação dos valores ambientais deixa pairar danos que não se repercutem em nenhuma esfera jurídica, apesar de traduzirem lesões em bens ambientais, como nos casos de derrames em alto-mar. Para cobrir estas situações deve recorrer-se à ideia de dano ecológico.


V – Aspectos civis da Lei de Bases do Ambiente

O art. 66º, nº1 da Constituição da República Portuguesa (CRP), consagra o direito fundamental ao ambiente. De facto, o direito fundamental ao ambiente e à qualidade de vida compreende uma dimensão objectiva, que se consubstancia na atribuição de tarefas estaduais, as quais consistem na defesa da natureza e do ambiente – art. 9º, alínea c), d) e e) CRP -, e uma dimensão subjectiva, que visa proteger os interesses dos particulares e considera-os como titulares de direitos subjectivos públicos. Por outro lado, o direito ao ambiente deve ser considerado como um “direito de defesa” perante os poderes estaduais face a actuações administrativas que sejam lesivas dos direitos dos particulares. Nos termos gerais, estes preceitos têm uma dupla eficácia: permitem uma aplicação directa, quando possível e intervêm na interpretação de outras fontes, de modo a possibilitar uma interpretação conforme com a Constituição. O Professor Menezes Cordeiro considera a Lei de Bases do Ambiente, aprovada pela Lei 11/87, de 7 de Abril, como um “diploma excelente” que coloca aos juristas um grande desafio perante o seu estudo e aplicação. O artigo 3º da LBA consagra como princípios específicos do Direito do ambiente os seguintes: o princípio da prevenção, do equilíbrio, participação, unidade de gestão e acção, cooperação internacional, adequação, recuperação e responsabilização. De entre os vários aspectos civis contidos na LBA são três os que se destacam:
• A técnica privatística da concessão de direitos subjectivos
• O papel das associações de defesa do ambiente
• A responsabilidade civil
Por diversas vezes a LBA concede direitos subjectivos aos particulares, como por exemplo no artigo 2º e 40º, ao prever que “os cidadãos directamente ameaçados ou lesados no seu direito a um ambiente de vida humano sadio e ecologicamente equilibrado podem pedir, nos termos gerais de direito, a cessação das causas de violação e a respectiva indemnização” (nº4) e “sem prejuízo do disposto nos números anteriores, é reconhecido às autarquias e aos cidadãos que sejam afectados pelo exercício de actividades susceptíveis de prejudicarem a utilização dos recursos do ambiente o direito às compensações por parte das entidades responsáveis pelos prejuízos causados” (nº5). As associações de defesa do ambiente desempenham um papel muito importante na tutela do ambiente, e a Lei 35/98, de 18 de Julho, no seu artigo 9º, atribui legitimidade às ONGA para promoverem junto das entidades competentes os meios administrativos de defesa do ambiente, bem como para iniciar o procedimento administrativo e intervir nele. Por fim, de acordo com o artigo 41º da LBA, “existe obrigação de indemnizar, independentemente de culpa, sempre que o agente tenha causado danos significativos no ambiente, em virtude duma acção especialmente perigosa, muito embora com respeito do normativo aplicável” (nº1) e “ o quantitativo de indemnização a fixar por danos causados no ambiente será estabelecido em legislação complementar” (nº3).

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