domingo, 23 de maio de 2010

A Participação do Público nos procedimentos com relevância ambiental

1 - Introdução
Actualmente o procedimento com relevância ambiental caracteriza-se por haver uma maior participação por parte dos cidadãos nas decisões administrativas. Esta maior participação surgiu recentemente, e veio acabar com o anterior sistema que se pautava pela quase exclusividade na Administração Pública na formação da decisão final, e pela desconsideração dos outros interesses em causa.
Com Niklas Luhmann, surge o conceito de “legitimação pelo procedimento”. Para este autor, as decisões públicas teriam uma legitimidade acrescida, na medida em que estas são dotadas da participação dos indivíduos e das instituições, assim como do conhecimento dos vários interesses abrangidos.
A participação e o envolvimento dos cidadãos encontra-se previsto constitucionalmente no art.66º/2. A conjugação deste artigo com o art.9º c) e e) CRP, que vem incumbir o Estado de tarefas como assegurar a participação democrática dos cidadãos, bem como de defesa da natureza e do ambiente, de preservação dos recursos naturais e assegurar um correcto ordenamento do território.
O procedimento contém assim uma dimensão objectiva, quanto ás suas funções legitimadoras, organizatórias e participativas e uma dimensão subjectiva, enquanto garante dos direitos particulares. Ainda para mais, é muito importante este processo na área ambiental, pois é um dos domínios onde há mais susceptibilidade de se afectar quer direitos ou interesses particulares, quer o próprio meio ambiental.
Deste modo, a actuação administrativa é consequência de um procedimento, em que a intervenção dos múltiplos sujeitos vem concretizar aquela que é a vontade da sociedade estadual.


2 - A participação no procedimento legislativo de ambiente

No procedimento legislativo de domínio ambiental, não se verifica uma participação intensa, ou de grande relevo, por parte dos cidadãos. Por, exactamente, se tratar de um Estado de Direito democrático, essa competência cabe a determinados órgãos, não impedindo, no entanto, que os cidadãos possam intervir através de meios institucionais, como são os casos das ONGA’s, quer como “grupos de cidadãos eleitores”.
Um dos órgãos com competência legislativa em matéria ambiental é a Assembleia da República (AR), podendo na sua reserva relativa de competência legislar a matéria respeitante ás bases do sistema de protecção da natureza, do equilíbrio ecológico e do património cultural (art.165º/1 g) CRP.
O Governo pode regular a referida matéria do art.165º/1 g) CRP, mediante autorização legislativa para o efeito, art. 198º/1 b) CRP; pode desenvolver as leis de bases do ambiente provenientes da AR, art.198º/1 c) CRP e, também, legislar em concorrência com a AR matéria ambiental nos termos do art.198º/1 a) CRP.
Quanto ás Assembleias Legislativas Regionais, estas também gozam de competência legislativa em matéria ambiental desde que seja respeitante ao âmbito regional e que não contenham matéria que deva constar de uma lei de bases nacional, art.227º/1 a), b) e c) CRP.
A nível institucional, para uma melhor qualidade das decisões administrativas, as organizações não governamentais de ambiente (ONGA’s) têm o direito de participar na definição da política e das linhas de orientação legislativa em matéria de ambiente, art.6º da L 35/98, de 18 Julho, que define o estatuto das ONGA’s. Nos termos do art.7º da mesma Lei, as ONGA’s gozam do estatuto de parceiro social para todos os efeitos legais, designadamente o de representação no Conselho Económico e Social, no conselho directivo do IPAMB e nos órgãos consultivos da Administração Pública, de acordo com a especificidade e incidência territorial da sua actuação.
Segundo o art.167º/1/2/3 CRP, é dada a “grupos de cidadãos eleitores” a possibilidade de usarem iniciativa legislativa. Ao fazerem uso desta ferramenta, podem manifestar o seu entendimento quanto ao conteúdo do diploma a elaborar.


3 - A participação no procedimento administrativo para a defesa do ambiente

Analisada a participação no procedimento legislativo do ambiente, cumpre agora analisar o procedimento administrativo com relevância ambiental. É neste domínio procedimental que se verifica uma maior intensidade de participação por parte dos particulares.
A Constituição, no seu art.267º/5, impõe a obrigação à Administração Pública de regular, através de lei especial, a participação dos cidadãos na formação das decisões ou deliberações que lhes disserem respeito.
Antes de mais, cumpre analisar quais as principais funções da participação no procedimento administrativo. Uma dessas funções concretiza-se na legitimação da actividade administrativa, na medida em que há uma ponderação dos direitos e interesses particulares face às competências e margem decisória da Administração Pública. Daí que, assim, a decisão final seja dotada de legitimidade reforçada.
A dupla racionalização é uma outra função. Esta orienta-se para a actuação da Administração e para as suas escolhas, obrigando-a a adoptar determinados mecanismos procedimentais, de modo a racionalizar a sua actuação. Só assim se consegue alcançar uma maior informação quer quanto à audição dos particulares quer na ponderação dos interesses diferenciados.
Outra função, também importante, é a da manifestação e de composição de interesses públicos e privados. Através do procedimento, há uma ponderação dos interesses (quer públicos, quer privados) que irão determinar qual será o interesse público em determinado caso concreto.
O procedimento serve, também, como um primeiro meio jurídico de defesa dos direitos dos privados. O direito de participação tem hoje um carácter constitucional, que leva a que seja considerado uma garantia do processo. Trata-se de um mecanismo que funciona à priori, de modo preventivo e que não exclui a possibilidade de recurso aos tribunais.


3.1. – Os direitos de participação em concreto em cada tipo de procedimento

Hoje em dia, as decisões administrativas caracterizam-se pela sua multilateralidade, ou seja, a susceptibilidade de se afectar uma massa populacional. Não só no que diz respeito aos particulares afectados, enquanto relação bilateral entre estes e a Administração, mas também na afectação de terceiros, como por exemplo os vizinhos, empresas concorrentes, entre outras entidades.
A distinção entre procedimento administrativo de massa e aquele que é susceptível de afectar um número reduzido de pessoas é relevante, pois a protecção dos direitos e interesses dos particulares é muito mais intensa na segunda modalidade.
De facto, verifica-se neste tipo de procedimento um elemento subjectivo, de protecção jurídica de direitos, em que podem intervir outros particulares, sem que se exija que estes possuam um direito ou um interesse legalmente protegido, bastando demonstrar um interesse fáctico na questão.
No que respeita aos procedimentos de massa, estes distinguem-se pela componente objectiva da participação. Já não se trata de procurar tutelar cada interesse em particular, mas sim de dotar a decisão administrativa da opinião da população em geral. Quanto a este tipo de acções, recorre-se ao CPTA nos seus artigos 114º a 119º, que regula o essencial do procedimento, sendo ainda completado com a Lei de Acção Popular, L 83/95, de 31 de Agosto. Esta lei visa a regulação da “localização e a realização de obras públicas ou de outros investimentos públicos com impacte relevante no ambiente” (art.4º). Devido á sua natureza, a legitimidade encontra-se atribuída nos termos de participação popular cabendo a todos os cidadãos interessados e ás entidades defensoras dos interesses que possam vir a ser afectados por aqueles planos ou decisões (art.4º/1). O ponto essencial continua, portanto, na não exigência de um interesse directo na demanda, ou seja, basta que haja um simples interesse fáctico actual ou a susceptibilidade de ser afectado no futuro sem que seja exigido a titularidade de um direito, como prevê a parte final do art.2º/1. Também as autarquias gozam de um direito próprio enquanto defensoras dos interesses das populações (art.2º/2). A mesma lei estipula um dever á Administração de proceder ao anúncio público de abertura de procedimento (art.5º). Quanto à participação está garantido o direito de acesso á informação e o direito a ser ouvido, nos termos dos artigos 6º e 8º respectivamente.
Já quando se trata de procedimentos com um número reduzido de intervenientes, a aferição da legitimidade centra-se na defesa dos direitos. Isto é compreensível considerando a forte componente subjectiva deste tipo de procedimento. Assim, têm legitimidade os particulares detentores de uma posição substantiva de vantagem, quer esta se concretize num direito subjectivo quer num interesse difuso (art.53º/1 e 2 b) CPTA); as pessoas colectivas privadas na defesa dos seus próprios interesses estatutários e, também, na defesa de interesses difusos respeitante a matéria ambiental com os quais tenham alguma conexão (art. 53º/3 CPTA); os residentes na circunscrição em que se localizes algum bem de domínio público afectado pela acção da Administração (art. 53º/2) e as autoridades administrativas autárquicas quanto á defesa dos interesses dos respectivos residentes (art.53º/3 CPTA).

3.2. O direito de audiência

Este direito encontra-se previsto no art.59ºCPTA, e pode ter lugar em qualquer fase do procedimento. Trata-se de uma concretização da previsão constitucional constante do art.267º/5 quanto ao direito de participação dos cidadãos na formação das decisões ou deliberações que lhes sejam respeitantes.
A não existência da audiência dos interessados é susceptível de invalidar o procedimento administrativo. No entender do Prof. Vasco Pereira da Silva, trata-se de um vício de procedimento e não de um vício formal como é entendido na maioria da doutrina. Também em sentido contrário á maioria doutrinária, este autor defende que o desvalor jurídico para este vício de procedimento deve ser a nulidade nos termos do art.133º/2 b), pela violação de um direito constitucionalmente protegido (direito á participação dos cidadãos no procedimento, art.267º/5 CRP) e não a nulidade.

4. Conclusão

Através da análise supra exposta, podemos verificar uma grande evolução entre aquela protecção que era dada aos interesses dos cidadãos e o actual regime de participação. A exclusividade procedimental por parte da Administração deu lugar uma obrigação de promoção da participação dos interessados, para que possa existir uma decisão que vá de encontro á maior tutela e protecção dos interesses em causa. O ponto essencial está na procura de um ponto de equilíbrio entre todos os interesses em jogo, independentemente de estes serem privados ou públicos, embora em determinados casos deva prevalecer o interesse público em detrimento dos restantes.

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