segunda-feira, 24 de maio de 2010

Direito Penal do Ambiente ou Direito Contra-ordenacional do Ambiente?

São vários os preceitos que consagram o Ambiente como direito fundamental, nomeadamente nos termos do disposto no art. 9º al. e) da C.R.P., constitui tarefa fundamental do Estado, defender a Natureza e o ambiente, preservar os recursos naturais e assegurar o correcto ordenamento, bem como o art. 66º nº 1 trata que todos têm direito a um ambiente de vida humano, sadio e ecologicamente equilibrado e o dever de o defender.
Mas quando este Direito é violado quais serão as consequências? É no segmento desta questão que surge o problema da criminalização das condutas lesivas do ambiente, surgindo assim o Direito Penal do Ambiente e em simultâneo Direito Administrativo sancionatório ou se preferirmos Contra-ordenacional do ambiente sendo deste modo alargadas as sanções administrativas ao domínio ambiental.
Todavia, muitas questões levantaram-se face às novas realidades jurídicas, nomeadamente se esta nova realidade não vai contra a própria natureza do Direito Penal. Como disse Herman Malarée “O Direito Penal não pode ser pensado como ciência dogmática no sentido mais estrito da palavra, encerrado numa concepção aséptica do Direito que pretenda desconhecer a sua natureza social..”. Se reflectirmos, concluímos que o Direito Penal deve acompanhar as transformações socio-culturais da comunidade, devendo ser criminalizadas as condutas que se revelarem altamente prejudiciais para o futuro do nosso próprio Planeta.
Mas será este o mecanismo mais eficaz de defesa do ambiente? Esta discussão mantém-se em aberto até aos dias de hoje. Mas analisemos separadamente as várias soluções possíveis e todas as suas vantagens e inconvenientes, tal como faz o Prof. Pereira da Silva na sua “Breve nota sobre o Direito Sancionatório do Ambiente”.

Comecemos pela posição a favor da tutela sancionatória pela via do Direito Penal. Neste âmbito concluem-se diversos argumentos, entre eles; confere uma maior intensidade da tutela ambiental, existindo assim uma maior “dignidade jurídica” e também são assegurados a todos os cidadãos todas as garantias de defesa, ao passo que pela via contra-ordenacional não seria possível. Quanto a inconvenientes, estes são evidente, nomeadamente pelas linhas orientadoras de cada uma das realidades, enquanto o Direito do ambiente segue o principio de prevenção, o Direito Penal segue uma lógica de repressão de comportamentos anti-jurídicos graves. Também, se coloca a questão de em Direito Penal a criminalização das condutas ser individual, embora actualmente essa realidade não seja tão rigorosa, havendo nos dias de hoje condutas de pessoas colectivas a serem responsabilizadas penalmente. Outra desvantagem, será a da possível descaracterização e subalternização do Direito Penal, isto é, há um perigo de o Direito Penal se tornar um instrumento auxiliar da Administração. Por ultimo, têm os autores expressado que dada a dificuldade de condenar estes criminosos ambientais, e por conseguinte levar os juízes a hesitarem de certo modo na aplicação de penas tão severas, concluem que isto pode gerar uma certa ineficácia do sistema sancionatório.
Por outro lado, temos outra posição que vem defender uma tutela sancionatória do ambiente pela via administrativa. Esta solução traz maior celeridade e eficácia na punição do infractor ambiental, bem como assegurar a autonomia do Direito Penal face ao Direito do Ambiente, e ainda permitindo uma responsabilização de pessoas individuais e colectivas. Mas como qualquer teoria existem inconvenientes, nomeadamente levando a uma diminuição das garantias de defesa dos particulares, como também poderá levar a uma situação de banalização das actuações delituais, isto porque se a consequência da infracção será somente uma sanção pecuniária, muitas vezes compensará mais ao infractor pagar, que actuar conforme a lei.
O Prof. Vasco Pereira da Silva defende que se deve combinar de forma equilibra estas duas realidades, isto é, sanções penais e sanções de natureza administrativa. Para o Prof. a tutela sancionatória do ambiente não dispensará a criminalização das condutas mais graves da lesão ecológica, visto ser o ambiente e a sua defesa uma valor fundamental da sociedade e de certo modo corresponder à concretização da dignidade da pessoa humana. Todavia, isto não significa uma banalização do Direito do Ambiente, sendo sempre a regra a via administrativa, e excepção a via penal.
A Prof. Fernanda Palma defende que a tutela ambiental não dispensa a tipificação de crimes ambientais, contudo esta tutela terá de estar sempre sujeita a limites rigorosos, não podendo ultrapassar a repercussão humana. Acrescenta ainda que a tutela contra-ordenacional tem em consideração a reparação do dano e a desmotivação do infractor, e não o fim e medida da sanção de culpa, oferecendo assim apenas mecanismos relativamente a condutas anti-ambientais e não “imediatamente ou só remotamente perigosas para os bens jurídicos pessoais ou sociais”
No Código Penal actual, os crimes ambientais surgem no capítulo III, do titulo IV, nos artigos 272º e ss, estando em causa neste crimes condutas humanas éticamente reprováveis, mas neste caso respeitantes a uma lesão ambiental. Analisemos alguns crimes ambientais:
  • Os danos contra natureza (art. 278º do Código Penal); Este artigo surge como instrumento de salvaguardar da fauna, da flora, do habitat natural e dos recursos do subsolo, isto é, por exemplo uma ultrapassagem dos limites estipulados para a exploração de recursos implicará uma reacção sancionatória, mas, só a a criação de uma situação grave em termos de esgotamento de recursos autorizará a criminalização.
  • O da poluição (art. 279º do Código Penal); Todas as actividades humanas, de uma forma ou outra, poluem, por isso não é qualquer poluição que pode ser elevada à categoria de bem jurídico-penal. A poluição terá de ser de dimensão intolerável, só esta violará assim o bem jurídico “qualidade do ambiente”.
  • O de poluição com perigo comum (art. 280º do Código Penal)
    Neste artigo quis-se utilizar a poluição como mero instrumento de criação do perigo, não se fazendo dele um tipo qualificado.


Em todos estes artigos encontra-se uma relação de dependência entre o Direito Administrativo do Ambiente e o Direito Penal do Ambiente. Para o Prof. Vasco Pereira da Silva, isto não significa a substituição dos critérios de imputação em Direito Penal e dos critérios de imputação em Direito administrativo, mas antes sendo necessária a verificação de todos e cada um dos elementos do tipo de crime ecológico.
O Prof. Figueiredo Dias rejeita a concepção administrativa do bem ecológico, defendendo que a “desobediência administrativa” deve constituir um factor limitativo, isto porque não deve ser posta em causa a certeza da proibição penal da acção ou omissão, bem como deve existir uma clara percepção do que é admissível e inadmissível, não podendo haver margens para indefinições.
O Direito Contra-ordenacional do Ambiente surge em numerosas leis avulsas, sendo uma das mais relevantes a Lei-Quadro das Contra-ordenações ambientais (Lei nº 50/2006, de 29 de Agosto), mostrando um grande progresso nesta área.

Concluímos, que para existir uma defesa e uma preservação do meio ambiente eficaz impõe-se que haja uma actuação jurídica preventiva e repressiva. Contudo, se por mais eficaz que tenha sido a prevenção, houver dano, comprometendo a qualidade de vida, deverá-se responsabilizar o causador. Isto é, responsabilidade ambiental compreende simultaneamente a responsabilidade civil, a responsabilidade penal e a responsabilidade administrativa.

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