quarta-feira, 26 de maio de 2010

Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça

Gostaria de partilhar com todos um acórdão do Supremo Tribunal de Justiça que encontrei e que me pareceu interessante, uma vez que sendo relativamente recente (2006) aborda problemas relevantes no âmbito do direito do ambiente de forma clara, primando pela sua extensão (relativamente curta) e caracterizado por ser de fácil leitura.

O acórdão essencialmente trata de uma empresa que explora um parque de sucata que se integra numa área de Reserva Agricola Nacional, sendo que para este efeito não o faz ao abrigo de uma licença camarária, pelo que o autor vem pedir a cessação da sua actividade alegando para tal efeito a ofensa dos direitos ao ambiente e qualidade de vida previstos nos artigos 66º/1 CRP e aindao 70º do código civil.

Antes de transcrever o acórdão para quem esteja interessado em proceder à sua análise, gostaria de referir que o interesse que este acórdão me suscitou advêm de várias razões, nomeadamente do argumento original que a ré invoca para impedir a procedência deste pedido que é a figura da colisão de direitos, sendo que o seu direito com o qual os do autor colidem seria o direito à iniciativa económica reconhecido pelo artigo 61º CRP.

Assim sendo recomendo vivamente a leitura deste acórdão.

Acórdãos STJ
Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
06A636
Nº Convencional:
JSTJ000
Relator:
NUNO CAMEIRA
Descritores:
COLISÃO DE DIREITOSINICIATIVA PRIVADADIREITO À QUALIDADE DE VIDAINTERESSES DIFUSOS
Nº do Documento:
SJ200605090006366
Data do Acordão:
09-05-2006
Votação:
UNANIMIDADE
Texto Integral:
S
Privacidade:
1
Meio Processual:
REVISTA.
Decisão:
CONCEDIDA A REVISTA.
Sumário :
1 - A figura da colisão de direitos prevista no art.º 335º do Código Civil pressupõe a existência em concreto de pelo menos duas situações jurídicas activas de que dois diferentes sujeitos jurídicos são titulares num dado momento. 2 - E deixa de poder aplicar-se quando o tribunal, ponderada a situação de facto comprovada, conclua que na realidade só um direito existe, radicado na esfera jurídica de um dos litigantes, em condições de ser exercido. 3 - Não pode invocar a figura da colisão de direitos para impedir a procedência do pedido de cessação da sua actividade uma empresa que está a explorar sem licença camarária um parque de sucata parcialmente integrado em área de Reserva Agrícola Nacional e em circunstâncias tais que ofende os direitos previstos nos art.ºs 66º, nº 1, da Constituição (ambiente e qualidade de vida) e 70º do Código Civil (personalidade física ou moral). 4 - Isto porque, nesse caso, a colisão entre tais direitos, patrocinados pelo MP para defesa de interesses difusos, e o pretenso direito da empresa ao livre exercício da iniciativa económica privada, reconhecido no art.º 61º da Constituição, é meramente aparente, e não real.

Decisão Texto Integral:
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:1. Termos essenciais da causa e do recursoO Ministério Público propôs no Tribunal de Espinho uma acção para defesa de interesses difusos, alegando,em resumo, que ré Empresa-A, explora sem licença camarária num prédio rústico situado em ..., freguesia de Anta, conhecido por "Parque de Sucata da ..", uma indústria de depósito e transformação de entulho, ferro velho, carcaças de veículos automóveis, navios, fogões, frigoríficos, baterias e outros resíduos sólidos, ali procedendo, em solo não impermeabilizado, à queima de parte desses resíduos sólidos, o que provoca fumos, poeiras, cheiros,gases tóxicos e escorrências de produtos poluentes para os terrenos circundantes,perigosos para a saúde dos habitantes da zona envolvente.Com base nisto pediu que a ré fosse condenada a cessar de imediato a actividade desenvolvida pelo Parque de Sucata da ...., procedendo ao respectivo encerramento, à remoção de todo o espólio ali existente e à reposição do terreno na situação anterior à instalação.Na contestação a ré alegou essencialmente que o depósito de sucata funciona no local indicado na petição inicial há mais de vinte anos, em zona arborizada e murada a toda a volta,encontrando-se o solo impermeabilizado e não havendo escorrências para os prédios vizinhos, nem queimadas de lixo, ruídos ou poluição de qualquer tipo.Após o julgamento da matéria de facto foi proferida sentença que julgou a acção totalmente procedente.Por acórdão de 3.10.02, porém, a Relação do Porto anulou o julgamento, mandando reformular alguns quesitos e aditar outros à base instrutória.Cumprido o determinado, a 1ª instância voltou a julgar a acção em termos precisamente idênticos (sentença de 24.2.05 - fls 477 e sgs).A ré apelou de novo.Por acórdão de 29.11.05 a Relação, julgando parcialmente procedente o recurso, decidiu:Revogar a sentença recorrida;Proibir a ré de proceder à queima de quaisquer resíduos no depósito de sucata;Proibir a ré de encaminhar quaisquer escorrências para os prédios vizinhos do parque e ribeiro contíguo a este;Condenar a ré a proceder às obras necessárias para que as águas pluviais caídas no parque não escorram para aqueles prédios e ribeiro;Condenar a ré a proceder ao desmonte da sucata, apenas na área impermeabilizada;Condenar a ré a proceder à descontaminação imediata da sucata recebida no parque, armazenando-os adequadamente;Condenar a ré a observar os condicionamentos de implantação prescritos no art.º 4º do DL 268/98, supra referidos, que ainda se não mostrem cumpridos.Agora é o Ministério Público que, inconformado, recorre de revista para o Supremo Tribunal, sustentando que deve ser revogado o acórdão da Relação e reposta a sentença.Levanta duas questões úteis, em termos que adiante serão precisados e desenvolvidos:1ª) Nulidade do acórdão recorrido por omissão de pronúncia;2ª) Erro de julgamento, por se ter entendido que havia lugar a uma "ponderação de proporcionalidade da compressão da livre iniciativa económica da ré" (sic-fls 603), necessária para a compaginar com os direitos ao ambiente e à vida de que são titulares todos os afectados pela poluição que a recorrida gera.A ré contra alegou, defendendo a confirmação do julgado.2. Fundamentaçãoa) Matéria de facto1 - A ré possui e explora há mais de cinco anos no prédio rústico situado no lugar da ...., ...., Anta, Espinho, uma indústria de depósito e transformação de, pelo menos, produtos metálicos provenientes do desmantelamento de navios, retalhos de diversos tipos de chapas metálicos, do desmantelamento de fábricas e instalações similares, bidões metálicos vazios, bidões plásticos vazios, máquinas e motores eléctricos.2 - No referido parque de sucata depositam-se também baterias, óleos, carcaças de frigoríficos, máquinas de lavar e automóveis, incluindo pneus que estes também tenham.3 - No parque são queimados objectos e resíduos provenientes daqueles produtos metálicos, tais como baterias, plásticos, tintas, borrachas e pneus.4 - Em consequência do referido no número anterior verifica-se a libertação de fumos, fuligem e cheiros, os quais causam incómodos e mal estar aos moradores vizinhos, e o lançamento para a atmosfera de substâncias susceptíveis de afectar negativamente a qualidade do ar.5 - Alguns dos materiais e detritos depositados no parque de sucata e libertados em resultado da actividade aí desenvolvida pela ré revestem a natureza de "resíduos perigosos".6 - Das actividades referidas em 1, 2 e 3 já resultaram inadvertidamente, por uma ou outra vez, algumas escorrências para os prédios vizinhos, sendo outras dessas escorrências deliberadamente encaminhadas para o ribeiro mencionado em 16.7 - E afectando os terrenos adjacentes ao parque, que passaram a revelar uma subida significativa de cálcio, magnésio e sódio, classificados como poluidores.8 - O referido no número anterior reflecte-se nas culturas efectuadas nos terrenos atingidos por tais escorrências ou infiltrações.9 - No terreno do parque e, pelo menos, nas zonas onde não se encontram amontoados os produtos metálicos referidos, foi colocada uma camada betuminosa, que é tendencialmente impermeabilizante.10 - A camada betuminosa referida em 9 é variável, tendo uma espessura aproximada de 50 cm.11 - À volta do parque de sucata existe um muro enterrado no solo, com profundidade não apurada, que emerge do mesmo, a cerca de 3 metros de altura, construído parte em alvenaria e parte com chapas metálicas fixas.12 - As escorrências que não se dirigem para os prédios vizinhos ou para o ribeiro, nos termos referidos em 6, são conduzidos para o poço referido em 22, mormente na sua zona circundante, e por força da topografia desse terreno,designadamente, de um ligeiro declive aí existente.13 - O parque não se encontra licenciado, e situa-se a menos de 1 Km das estradas nacionais e municipais mais próximas;14 - A ré promoveu o registo do parque de sucata, ao abrigo do disposto no Dec-Lei 268/98, de 28/8.15 - Parte do terreno onde se situa o parque de sucata encontra-se abrangido pela Reserva Agrícola Nacional, e a totalidade do seu terreno encontra-se numa zona abundantemente arborizada.16 - O parque é contíguo a um ribeiro, tem uma área aproximada de 5250 m2 e é envolvido e delimitado por uma vedação, sendo visíveis do exterior,quando amontoados de modo a ultrapassar a vedação, alguns dos produtos metálicos aí depositados.17 - Por força do normal desenrolar da sua actividade, é frequente a vinda ao local de camiões para efectuar cargas e descargas.18 - A actividade normal do referido parque, com a deslocação de camiões e com as cargas e descargas dos produtos metálicos transportados, provoca ruídos e poeiras.19 - Antes de 14.7.98 o parque chegou a laborar aos fins de semana, designadamente aos sábados, e para além das 18 horas, o que, posteriormente àquele data, principalmente no verão, veio a suceder, ainda que com carácter esporádico, provocando ruídos com as máquinas.20 - Com as suas actuais dimensões, o parque labora no local após 1984.21 - Apenas uma ou outra casa de habitação existentes no local foram edificadas já depois dele se encontrar com as actuais dimensões.22 - O parque possuía um poço sumidouro, cuja base está, actualmente, cimentada.23 - Após 14-7-1998, e sem prejuízo do mencionado em 19, o parque passou a laborar, essencialmente, entre as 8 e as 18 horas, de segunda a sexta-feira.b) Matéria de Direito1) Análise da 1ª questãoSegundo o recorrente, o acórdão é nulo porque omitiu indevidamente a pronúncia sobre um dos fundamentos do pedido formulado na acção, que é a instalação do parque de sucata da ré em área de Reserva Agrícola Nacional,contra o determinado pelo art.º 8º do DL 274/92 (preceito segundo o qual todos os solos de RAN (1)devem ser exclusivamente afectos à agricultura,sendo proibidas todas as acções que diminuam ou destruam as suas potencialidades agrícolas).Segundo o art.º 660º, nº 2, do CPC, o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras.Foi o que aconteceu no caso presente.Na verdade, a Relação não deixou de apreciar e decidir a questão que lhe foi posta na apelação - a de saber se havia ou não fundamento jurídico bastante para decretar o encerramento do parque de sucata. Ora, parece certo que em tal contexto o problema a que o recorrente alude assume-se em bom rigor, já não como um ponto necessariamente carecido de decisão, sob pena de nulidade,por estar integrado na causa de pedir invocada, mas sim como um verdadeiro e próprio argumento ou razão de que se serviu, a par de outros, para justificar a pretensão formulada. De qualquer modo, o que no acórdão recorrido textualmente se afirma sobre o assunto é isto (fls 567): "Resulta da factualidade provada que parte do parque de sucata abrange terreno incluído na Reserva Agrícola Nacional e que o mesmo não está licenciado. Estas questões hão-de ser resolvidas pelas autoridades administrativas competentes".Perante tão claras palavras parece-nos evidente que não pode assacar-se ao acórdão o vício de que o MP fala: não há omissão indevida de pronúncia,no sentido que atrás se referiu, justamente porque, tomando posição explícita sobre o tema, o acórdão considerou que ele era da competência do foro administrativo; portanto, vício, a existir, será de julgamento, realidade que, podendo conduzir à revogação total ou parcial da sentença, diverge substancialmente das situações elencadas no art.º 668º do CPC, conducentes à sua nulidade.2) Análise da 2ª questão Concluiu o autor, quanto a esta questão, que a Relação julgou mal porque o "resultado a que chegou não previne adequadamente as previsíveis lesões do direito à vida, ao ambiente e à saúde" (fls 600); e acrescentou ainda que,não estando o parque de sucata licenciado, nem sendo licenciável, além de se integrar, em parte, em área pertencente à RAN, a ré "não está a exercer qualquer direito de natureza económica protegido por lei, mormente o previsto no art.º 61º da CRP (2)quando exerce a referida actividade económica naquele local".Vejamos.Constituíram fundamentos essenciais da presente acção a violação por parte da ré do direito à saúde e à qualidade de vida das pessoas e a um ambiente sadio e ecologicamente equilibrado.Ora, as instâncias convergiram por inteiro nos aspectos essenciais da valoração ou qualificação jurídica dos factos definitivamente assentes: em resumo entenderam, e bem, que o funcionamento do parque de sucata explorado pela ré nos moldes que ficaram demonstrados - melhor se diria, talvez, com as consequências que os factos 4) a 8) retratam - ofende o direito previsto no art.º 66º, nº 1, da CRP (o direito de todos a um ambiente de vida humano, sadio e ecologicamente equilibrado), e também, acrescentamos nós, o direito consignado no art.º 70º, nº 1, do Código Civil, que, estabelecendo uma tutela geral da personalidade física ou moral de todas as pessoas contra qualquer ofensa ilícita ou ameaça de ofensa que lhe seja feita, deve ser tido como uma concretização antecipada daquele direito fundamental pela lei ordinária (anterior à CRP aprovada em 1976).De igual modo, tendo em conta, por um lado, o disposto no art.º 26º-A, do CPC, e, por outro, o art.º 45º, nº 3, da LBA (3), não se questiona a legitimidade,quer processual, quer substantiva do MP para patrocinar esta causa - quer dizer, uma acção com o pedido e a causa de pedir configurados nos termos que se expuseram.Onde se regista divergência entre a 1ª instância e a Relação é na decisão final adoptada para o litígio e, logicamente, na fundamentação que a ela conduziu, cerne da questão agora posta pelo recorrente.Assim, no entendimento da sentença, mesmo que se parta do pressuposto de que há, no caso, um "conflito de direitos" a dirimir segundo o art.º 335º do CC - conflito entre o direito à iniciativa económica privada (art.º 61º, nº 1,da CRP) e o "direito subjectivo do ambiente" - sempre a balança pesa mais a "favor dos tais interesses difusos promovidos pelo MP, porquanto está em causa a tutela do direito subjectivo a um ambiente sadio, mormente dos residentes da zona circundante àquele parque de sucata, os direitos de personalidade destes, através do seu núcleo duro (a integridade física, a saúde e a qualidade de vida)".A Relação também começou por dizer que "a lesão do ambiente, quando atinja a qualidade de vida das pessoas, ofende a sua integridade física,sendo que o direito a esta é um dos direitos fundamentais constitucionalmente reconhecidos (art.º 25º, nº 1, da CRP)", acrescentando que "este direito, pela sua própria natureza, sobreleva os direitos de conteúdo económico, social e cultural". No entanto, porque em última análise se mantinha de pé, segundo o acórdão impugnado, a questão de saber se seria necessário encerrar as instalações da ré para pôr fim às violações do direito ao ambiente registadas, tal como a 1ª instância decidira, veio a concluir-se, tudo ponderado, que haveria "outras formas" de "corrigir" a fonte dos danos ocorridos. A forma escolhida foi aquela que está claramente expressa na parte decisória do acórdão impugnado. Podem ali ver-se, com efeito,diversas proibições e injunções que têm a ré por destinatária e cuja finalidade é limitar e condicionar, mas não suprimir por inteiro a actividade do parque de sucata, encerrando-o. De tudo isto se infere que a razão última da decisão que a 2ª instância escolheu para o litígio, o verdadeiro fundamento jurídico que lhe presidiu, não deixou de ser a ideia de que existe uma colisão de direitos na situação analisada, a resolver nos termos previstos no art.º 335º do CC. Será assim?A figura da colisão de direitos está incluída num Título da Parte Geral do nosso Código Civil denominado "Das relações jurídicas", e num subtítulo cuja epígrafe é "Do exercício e tutela dos direitos". Segundo o nº 1 do indicado preceito, "havendo colisão de direitos iguais ou da mesma espécie,devem os titulares ceder na medida do necessário para que todos produzam igualmente o seu efeito, sem maior detrimento para qualquer das partes"; de acordo com o nº 2, "se os direitos forem desiguais ou de espácie diferente, prevalece o que deva considerar-se superior". Parece-nos resultar com toda a evidência, quer da inserção sistemática desta norma legal, quer da sua própria letra, e mais ainda do seu espírito, da sua ratio legis, que o problema da aplicação prática deste instituto só pode colocar-se depois de o intérprete chegar à conclusão de que, tendo na sua frente uma pluralidade de direitos pertencentes a titulares diversos, não é possível o respectivo exercício simultâneo e integral. Enquanto limitação do exercício de um direito pelo exercício de outro - e quem diz direito diz qualquer posição jurídica activa passível de actuação - a colisão de direitos pressupõe a efectiva existência de ambos. Portanto, averiguando-se que de duas normas atributivas de direitos potencialmente aplicáveis à situação ajuizada só uma delas, afinal,tem aplicação, conferindo, na prática, um único direito, então deixa de poder falar-se em colisão real de direitos: tratar-se-á, em tal caso, duma colisão meramente aparente, sem correspondência na realidade. Isto é assim porque as limitações ao exercício do direito - referimo-nos, claro está, às limitações extrínsecas, de entre as quais avulta precisamente a colisão de direitos, e não às intrínsecas, atinentes ao seu conteúdo e objecto - determinando,no fundo, como ele deve ser actuado, pressupõem a sua existência,validade e eficácia, que, o mesmo é dizer, um direito em concreto. Não se afigura que faça sentido, pois, aludir a uma colisão de direitos em abstracto,isto é, não referida a situações jurídicas activas de que dois diferentes sujeitos jurídicos sejam titulares em dado momento. Se, ponderada a situação de facto comprovada, o julgador chegar à conclusão de que na realidade só um direito existe, radicado na esfera jurídica de um dos litigantes, o instituto da colisão de direitos deixa de poder aplicar-se. Ora, é precisamente isto o que se passa no caso sub judice.A ré, na realidade, não se apresenta em face dos titulares dos interesses difusos representados pelo MP como titular efectiva de um qualquer direito, designadamente do direito à iniciativa económica privada reconhecido pelo art.º 61º da CRP, cujo exercício se torne necessário regular em ordem a que todos, se possível, produzam o seu efeito; não dispõe, em concreto, desse direito, exactamente porque, consoante ficou amplamente provado, está a exercer a actividade económica em causa - exploração lucrativa dum parque de sucata - totalmente à margem da lei: o parque não está licenciado, uma parte dele encontra-se abrangido pela RAN e as actividades propriamente ditas ofendem direitos fundamentais,constitucionalmente protegidos. Conclui-se, deste modo, que a decisão do acórdão recorrido não pode subsistir, pois assentou num pressuposto - o direito da ré a que atrás se aludiu - que não se verifica. Deve, assim, ser reposta a decisão da primeira instância, ainda que com fundamentos parcialmente distintos.Na verdade, como resulta do exposto, o pedido procede na totalidade porque a ré, além do mais, não demonstrou ser titular de qualquer direito que lhe permita prosseguir a exploração do parque de sucata, e não exactamente porque os direitos (ou interesses difusos) patrocinados pelo MP devam, no caso, prevalecer, por serem superiores, no quadro do art.º 335º, nº 2, do CC.3. DecisãoAcorda-se em conceder a revista, revogando o acórdão recorrido para ficar a subsistir a decisão da 1ª instância.Custas pela ré.Lisboa, 9 de Maio de 2006Nuno CameiraSalreta PereiraJoão Camilo--------------------------(1)Reserva Agrícola Nacional.(2)Constituição da República Portuguesa.(3)Lei da Bases do Ambiente (Lei 11/87, de 7 de Abril).

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