terça-feira, 25 de maio de 2010

Responsabilidade civil ambiental: em especial, a responsabilidade por danos ecológicos

Índice:

1. Introdução
2. O regime de responsabilidade por dano ecológico no D.L. 147/2008, de 29 de Julho
2.1. A Directiva 2004/35/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 21 de Abril
2.2. Exclusões obrigatórias e facultativas da Directiva
2.3. O alargamento do âmbito objectivo e subjectivo de aplicação
2.4. A prevenção e reparação do dano ecológico
3. Críticas ao regime da responsabilidade por dano
3.1. O problema do nexo de causalidade entre facto e dano
4. Responsabilidade objectiva vs. Responsabilidade subjectiva
5. Conclusão
6. Bibliografia

1.Introdução

A responsabilização por danos causados ao ambiente está prevista em termos gerais nos artigos 52º/3 alínea a) da Constituição da República Portuguesa (doravante CRP) e artigo 3º alínea h) da Lei de Bases do Ambiente (daí em diante LBA).
A responsabilidade pretende, em primeiro lugar, reconstituir a situação anterior à lesão, como se pode retirar do art. 48º/1 da LBA. Neste âmbito, estamos perante a responsabilidade civil em termos gerais (art. 483º e seguintes do Código Civil), com funções de reparação e compensação. O agente responde por toda a sociedade pelas lesões causadas, mediante a totalidade do seu património.
A problemática da responsabilidade por dano ecológico tem como objectivo o ressarcimento de danos sofridos pela geração presente pela deterioração do estado do ambiente. Pretende-se também assegurar um semelhante grau de fruição, e sempre que for possível, a reconstituição da situação anterior ao surgimento da lesão.
O nosso sistema jurídico ambiental não autonomizava o conceito de dano ecológico, ou seja, o dano causado a um bem ambiental natural, da noção de dano ambiental, até à entrada em vigor do Decreto-Lei 147/2008 de 29 de Julho (=RPRDE).
Antes desse diploma, entendia-se que a responsabilidade ambiental era apenas considerada na óptica do dano ambiental, isto é, o dano causado às pessoas e às coisas. O problema consistia na reparação dos danos sofridos pela pessoa nos seus bens jurídicos pessoais ou patrimoniais.
Mais tarde, surgiu uma nova noção de danos causados à natureza em si, tornando-se, assim, autónomo o chamado dano ecológico.
A CRP, no seu artigo 52º/3 alínea a), não distingue o dano ambiental do dano ecológico, e a LBA (Lei 11/87 de 7 de Abril) tem uma visão puramente individualista do dano ambiental, já que nem sequer se refere ao dano ecológico (artigo 40º/4 e 5) e ainda a Lei da Participação Procedimental e da Acção Popular (Lei 83/95 de 31 de Agosto), que também não faz nenhuma distinção entre os ambos os danos, reduzindo o regime de indemnização aos danos ambientais (art. 22º/2).


2.O regime de responsabilidade por dano ecológico no Decreto-Lei 147/2008, de 29 de Julho

A regulação da prevenção e reparação do dano ecológico surgiu através da Directiva 2004/35/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 21 de Abril. Esta directiva foi transposta mediante o D.L. 147/2008, de 29 de Julho, que estabelece o regime jurídico autónomo e integrado da responsabilidade civil ambiental, pretendendo harmonizar as legislações dos 27 Estados-Membros em tema de prevenção e reparação do dano ecológico.
Com este diploma, afirma-se a distinção entre dano ambiental (ou pessoal/patrimonial) e dano ecológico, assim como se torna claro a legitimidade para a reclamação da reparação das lesões sofridas; estabelece-se os critérios de avaliação do dano; e refere-se as formas da reparação do mesmo. A exigência de uma lei autónoma de responsabilidade civil ambiental justifica-se pela sua natureza multifuncional, importando ter em conta as diversas dimensões preventiva, repressiva, compensatória e reconstitutiva, em razão das especificidades da responsabilidade civil ambiental. Dentro dessas particularidades, conta-se a necessidade de valorizar a responsabilidade civil subjectiva e objectiva (pelo risco, actos lícitos ou pelo sacrifício); a necessidade de adopção de uma noção objectiva de culpa, no âmbito da responsabilidade civil subjectiva, na medida em que é possível imputar certas condutas humanas nocivas para o ambiente ao respectivo autor; a exigência da distinção entre o dano subjectivo (ou ambiental), individualizado perante os titulares de direitos subjectivos, e o dano objectivo (ou ecológico), que é produzido em relação a toda a sociedade. Por outro lado, há que ter também em conta que os danos provocados ao ambiente têm uma multiplicidade de causas associadas, sendo normalmente um concurso de causas, o que implica a adopção de uma teoria de causalidade “ambientalmente adequada”. Existem causas concorrentes, uma vez que se verifica uma mistura entre factos humanos e naturais, como é o caso das inundações ou incêndios provocados pelas realidades climatéricas.
Por todas essas razões, é indispensável a existência de uma presunção de causalidade ou a recorrência a regras da probabilidade e verosimilhança.

2.1.A Directiva 2004/35/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 21 de Abril

Esta directiva surge no quadro da responsabilidade ambiental, baseado no princípio do «poluidor-pagador» (cfr. o artigo 174º/2 do Tratado de Roma), com o objectivo de prevenir e reparar danos ambientais.
Esta directiva comunitária conjuga as funções de prevenção e reparação e responsabiliza directamente as entidades públicas pelos danos ocorridos, mesmo que elas venham a responsabilizar os sujeitos pelos danos causados.
A directiva consagra uma responsabilidade pública, independente da posterior responsabilização do sujeito público ou privado, causador do dano. Adopta também um conceito amplo de “dano ambiental” (abrangendo tanto os danos subjectivos como os objectivos), uma noção ampla de responsabilidade, uma preferência pela “reconstituição natural” e a fixação de deveres de colaboração entre os Estados-membros em sede de prevenção e de reparação.
Relativamente aos princípios, deve referir-se que a prevenção e a reparação de danos ambientais devem ser efectuadas, através da aplicação do princípio do poluidor pagador e em consonância com o princípio do desenvolvimento sustentável.
Assim, o princípio fundamental desta directiva deve ser o da «responsabilização financeira do operador cuja actividade tenha causado danos ambientais ou a ameaça iminente de tais danos, a fim de induzir os operadores a tomarem medidas e a desenvolverem práticas de forma a reduzir os riscos de danos ambientais».
Tendo em conta o princípio do poluidor-pagador, o operador que cause danos ambientais ou crie a ameaça iminente desses danos deve, em princípio, custear as medidas de prevenção ou reparação necessárias.
Neste âmbito, a directiva autonomiza o dano ecológico da lesão de bens ambientais e pretende ser só aplicável ao primeiro [cfr. artigo 2/7, c)].
A reparação dos danos ambientais (pessoais ou patrimoniais) está dependente dos pressupostos gerais da responsabilidade civil, nos termos dos artigos 483º e seguintes do Código Civil.
A directiva responsabiliza directamente os operadores públicos e privados, como já foi supra mencionado, no âmbito de actividade lucrativa e não lucrativa, das actividades listadas no Anexo III, quanto à responsabilidade objectiva; e todos, quanto à responsabilidade subjectiva por lesão de espécies e habitats protegidos.
Contudo, o Estado pode suportar os custos, no caso de não ter havido culpa do operador ou, quando, provada a culpa, o custo for excessivo.
Os danos ecológicos são restringidos aos danos causados às espécies e habitats protegidos no contexto da Rede Natura 2000, à água e ao solo, podendo os Estados alargar esse âmbito se assim o entenderem.
Prevê-se também uma noção ampla de responsabilidade, que dispensa a ocorrência do dano, uma vez que se impõem medidas de reparação e de prevenção, face à ameaça iminente de uma lesão a um determinado bem.
O dano ecológico tem de ser significativo, concreto, quantificável e imputável, mediante o estabelecimento de um nexo de causalidade entre o facto e o dano.

2.2.Exclusões obrigatórias e facultativas da Directiva

A directiva consagra um conjunto de exclusões obrigatórias e facultativas.
No que respeita às primeiras, excluem-se, designadamente, os danos na sequência de actos de conflito armado; danos provocados por fenómenos naturais imprevisíveis e irresistíveis; danos cuja compensação seja abrangida por instrumentos de Direito Internacional listados no Anexo IV da Directiva; danos provenientes de acidentes nucleares; entre outros danos.
Relativamente às segundas, os Estados-membros podem excluir, total ou parcialmente, a responsabilidade do operador, nas situações em que, não existindo culpa do operador, a actividade foi autorizada validamente ou os danos advieram de riscos imprevisíveis.
Por outro lado, a Directiva impede a entrega de quantias pecuniárias a particulares, uma vez que só prevê a reparação de danos ecológicos e não danos pessoais e patrimoniais. A reconstituição da situação actual hipotética é preferencialmente realizada através de medidas de reparação natural, ao invés da atribuição de indemnizações, como se pode constatar pelo Anexo V do RPRDE. Porém, se for impossível a reconstituição in natura, concede-se quantias pecuniárias que se destinam a efectivar medidas de reparação, complementares ou compensatórias.
Propõe-se aos Estados-membros a tomada de medidas tendentes a instituir mecanismos de garantia financeira, como por exemplo, seguros e fundos. Estes institutos permitem responder às obrigações de prevenção e reparação de danos ecológicos.
Aplica-se somente este diploma no âmbito de prevenção e reparação de dano ecológico, conforme se pode verificar mediante a definição do artigo 11º/1 alínea d) do RPRDE. É verdade que o art. 10º do RPRDE refere “lesados”, mas o que realmente se tenciona aqui é excluir casos de dupla reparação, ou seja, hipóteses de sobreposição de pedidos de compensação financeira por perda de qualidade de um bem natural.
No artigo 2º/2 da Directiva também se prevêem as exclusões que coincidem com as indicadas no RPRDE.
A LBA, no art. 6º, refere como bens ambientais naturais, o ar, a luz, a água, o solo vivo e o subsolo, a flora e a fauna. O art. 66º/2 alínea a) da CRP refere o princípio da prevenção, como tarefa do Estado e outras entidades públicas, embora não haja distinção entre recursos afectados.
Os danos ecológicos que têm de ser ressarcidos, de acordo com o artigo 52º/3 alínea a) da CRP. O RPRDE prevê, assim, uma noção ampla de responsabilidade independente da ocorrência de um dano.

2.3.O alargamento do âmbito objectivo e subjectivo de aplicação

Nos termos do art. 11º do RPRDE, os danos ecológicos são todos aqueles que são causados à água, ao solo e às espécies e habitats protegidos.
Enquanto que a directiva apenas indica as espécies e habitats protegidos ao abrigo do regime da Rede natura 2000 como objecto de protecção, o RPRDE segue o disposto no Decreto-Lei 142/2008 de 24 de Julho, que trata do Regime da conservação da natureza e da biodiversidade.
A Rede Natura 2000 é um dos vários subsistemas de áreas protegidas. Contudo, o RPRDE é aplicável a todo o ordenamento nacional.
Nos termos do artigo 9º/1 do D.L. 142/2008 de 24 de Julho, o Sistema Nacional de Áreas Classificadas, abreviadamente designado por SNAC, é constituído pela Rede Nacional de Áreas Protegidas, pelas áreas classificadas integradas na Rede Natura 2000 e pelas demais áreas classificadas ao abrigo de compromissos internacionais assumidos pelo Estado Português.
No que respeita ao âmbito subjectivo de aplicação, o seu alargamento também foi notório, como é possível verificar no art. 13º do RPRDE.
A Directiva ordena a responsabilização subjectiva, pressupondo assim a existência de culpa, de todos os sujeitos e pessoas colectivas, públicos e privados. Seja qual for a actividade exercida pelos agentes, estes terão que responder por danos provocados a espécies e habitats protegidos por força do regime da Rede Natura 2000.
O RPRDE vai mais longe e acrescenta a responsabilização dos agentes por todos os danos ecológicos concebidos no disposto no artigo 11º/1, incluindo assim o solo e a água. Quanto ao solo, muito dificilmente este se pudera configurar como ecológico, uma vez que a definição de dano ao solo, que está mencionado no art. 11º alínea e) iii) do RPRDE aponta para o dano que se traduz num prejuízo para a saúde humana. Por essa via, seria assim um dano ambiental e não um dano ecológico. Contudo, nem a Directiva nem o RPRDE mencionam os danos ao ar e ao subsolo.

2.4. A prevenção e reparação do dano ecológico

O princípio da prevenção justifica a noção ampla da responsabilidade, independente da ocorrência do dano, uma vez que a lesão dos bens naturais pode tornar-se irreversível, devido à fragilidade dos mesmos.
As medidas preventivas estão reguladas no art. 14º do RPRDE e são exigíveis face à ameaça iminente de um dano ecológico ou de novos danos ocorridos após a lesão.
O conceito de dano é temporal e circunstancial, uma vez que o dano torna-se iminente
após a verificação de um conjunto de requisitos preenchidos que permitam prever a efectiva ocorrência do dano, com um grau de certeza razoável e num plano verosímil e provável. Estas medidas são determinadas segundo vários critérios, espelhados no Anexo V, por remissão do artigo 14º/3 do RPRDE. Por um lado, o operador toma as medidas idóneas para prevenir o dano, perante a ameaça iminente deste último, tendo em conta vários aspectos como o custo, o grau de sucesso da medida e os seus efeitos
colaterais. Por sua vez, a entidade pública terá que avaliar todos estes factores e ainda os efeitos das medidas na saúde e segurança dos cidadãos.
Neste âmbito, o artigo 14º/4 do RPRDE estabelece um dever de informação, cujo objectivo é o de investir a Agência Portuguesa do Ambiente no conhecimento dos dados necessários à correcção das medidas adoptadas. É a entidade competente, neste caso, nos termos dos artigos 14º/5 e 29º do RPRDE e 16º/1 do D.L. 173/2008 de 26 de Agosto – regime do licenciamento ambiental.
A competência de prevenção dos danos ecológicos é um poder-dever da APA, e portanto, irrenunciável (art. 29º do RPRDE). Nos termos dos artigos 66º/2 da CRP e 37º da LBA, a tutela do ambiente é principalmente pública e ainda preventiva.
A APA vincula-se a exercer a competência de tutela preventiva, sob pena de incorrer em responsabilidade solidária com o operador e de ser condenada a reparar a lesão, de acordo com o RPRDE. Esta entidade intervém oficiosamente, a requerimento de interessados (art. 18º do RPRDE).
Relativamente às medidas de reparação, encontram-se estas reguladas nos artigos 15º e 16º do RPRDE e Anexo V) e as competências da sua determinação estão referidas no art. 48º da LBA.
A actuação de reparação pode ocorrer por iniciativa da entidade competente ou por iniciativa do operador. No primeiro caso, a autoridade competente fixa as medidas de reparação a aplicar, nos termos do art. 16º/2 do RPRDE, perante a insuficiência do operador, podendo ainda solicitar a participação de outras entidades na fixação das medidas reparatórias. Em relação à segunda situação, o operador submete uma proposta de medidas de reparação do dano, num prazo de 10 dias subsequentes à sua ocorrência, nos termos do art. 16º/1 in fine do RPRDE. A entidade competente só poderá dispensar este procedimento em casos de extrema urgência (art. 17º/2 do RPRDE). Esta entidade determinará a ordem de prioridades que deve ser observada, atendendo a vários factores previstos no art. 16º/3 do RPRDE.
No que diz respeito à execução das medidas reparatórias, esta deve respeitar o plano previamente fixado e discutido, excepto no caso de medidas imediatas de minimização. A execução é da competência do operador [art. 15º/3 alíneas c), d) e e) do RPRDE], actuando a Administração subsidiariamente, se o operador for inerte [art. 15º/3 alínea f) do RPRDE].
Existindo incumprimento de obrigações de prevenção, informação e reparação, serão aplicadas contra-ordenações (art. 26º) e sanções acessórias (art. 27º). Importa ainda referir a Lei 50/2006 de 19 de Agosto, cujo plano de aplicação é distinto do do RPRDE, uma vez que esta lei assenta numa tutela repressiva, ao passo que o RPRDE incide sobre uma tutela preventiva e reparatória.
O art. 18º do RPRDE admite ainda a legitimidade para a denúncia de ameaça iminente de dano ecológico ou de ocorrência deste, nos casos listados no nº 2 do mesmo artigo, a saber: a caracterização de um dano pessoal ou patrimonial colateral, actual ou previsível (alínea a)), um dano patrimonial directo, actual ou previsível (alínea c)); e de um dano exclusivamente ecológico, denunciável por quem tem legitimidade nos termos do art. 2º/1 de 31 de Agosto e art. 53º/2 do CPA (ou seja, qualquer actor popular), mas também o Ministério Público, cidadãos, autarquias, fundações e associações de defesa do ambiente.

3.Críticas ao regime da responsabilidade por dano ecológico

Apesar dos seus aspectos positivos, este regime próprio e específico da responsabilidade civil ambiental tem também inconvenientes. O Capítulo II e a própria epígrafe do Capítulo III do RPRDE faz crer que a responsabilidade pela prevenção e reparação do dano ecológico é elementarmente da Administração, quando na realidade é do operador; por outro lado, sugere a impressão de que reparar um dano ecológico não implica a utilização do instituto da responsabilidade civil, o que também não corresponde à verdade; e ainda indicia a criação de um direito alternativo da responsabilidade das entidades públicas, alheio à Lei 67/2007, de 31 de Dezembro (Responsabilidade civil pública). Neste âmbito, a Professora Carla Amado Gomes entende que existe aqui uma falsa bipolaridade jurídica, que tem um “contraponto numa autêntica dualidade de natureza fáctica, traduzida na dupla faceta de praticamente todos os bens ambientais.”
Por outro lado, a epígrafe do Capítulo III do RPRDE, que refere a “responsabilidade administrativa” é despropositada para a Professora Carla Amado Gomes, uma vez que, face à afirmação do princípio (mencionado no art. 19º/1 do RPRDE) de que é sobre o operador público ou privado que incide a suportação dos custos de prevenção e reparação do dano, a referência à responsabilidade administrativa tem-se por não escrita. Para além disso, este capítulo do diploma recai sobre os deveres de informação, prevenção e reparação dos operadores e não sobre um regime próprio de responsabilidade administrativa por danos ecológicos.
Não se pretende dispensar o recurso à Lei 67/2007 de 31 de Dezembro (regime da responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais entidades públicas, no âmbito de danos ecológicos), pois o próprio RPRDE não prescinde das normas e das formas de imputação específicas das entidades públicas.
Por estas razões, a Professora Carla Amado Gomes não entende a inserção do Capítulo II neste diploma e a autonomia do Capítulo III, relativamente à “responsabilidade administrativa”.
Nos casos de actuação directa para prevenção e reparação de danos ecológicos, a mesma autora entende que a norma reguladora desta situação (art. 17º da RPRDE) tem uma previsão incoerente, de execução subsidiária na alínea a) do nº1, que está já incluída nos artigos 14º/5 alínea d) e 15/3 alínea f) do RPRDE.

3.1.O problema do nexo de causalidade entre facto e dano

O nexo de causalidade em matéria de responsabilidade ambiental consiste num “critério de verosimilhança e de probabilidade”, devendo tomar em conta as “circunstâncias do caso concreto”, o “grau de risco e de perigo e a normalidade da acção lesiva”, tal como a “possibilidade de prova científica do percurso causal e o cumprimento, ou não, de deveres de protecção”, de acordo com o art. 5º do RPRDE.
Nesse artigo estão referidos os critérios de aferição da causalidade, sendo também estabelecida uma presunção de repartição da responsabilidade em partes iguais no caso de existir cumulação de acções lesivas, segundo o art. 4º/2.
O problema da imputação de danos reveste-se especialmente de uma grande dificuldade, devido ao facto de não existir, por vezes, informação suficiente sobre as causas da lesão e também em virtude de fenómenos de causalidade alternativa, aqueles em que diversos sujeitos contribuíram para a ocorrência do dano, mas não é possível estabelecer uma causalidade indubitável.
A norma do art. 5º assenta na teoria da causalidade adequada, e indica também a prova científica do percurso causal. Refere-se também à normalidade da acção lesiva, ou seja, que é habitual e frequente, atendendo-se a critérios estatísticos, como auxiliar de prova.
No entanto, nem este artigo, nem o art. 4º se referem à inversão do ónus da prova a favor de quem denuncia, decorrendo essa inversão do princípio da prevenção.
Neste âmbito, Ana Perestrelo de Oliveira entende que a legislação portuguesa devia ter seguido o exemplo alemão, no sentido de estabelecer uma presunção de causalidade para casos de responsabilidade alternativa, especialmente porque este diploma consagra a obrigatoriedade de constituição de garantias financeiras.
O RPRDE não estabelece a presunção de causalidade. Para esta actuar, seria necessário demonstrá-la previamente, através da inversão do ónus da prova. Contudo, já foi supra referido que esta inversão está ausente neste diploma.
O nexo de causalidade nunca pode ser dispensável, uma vez que é um dos pressupostos essenciais da responsabilidade civil. Na regulação da prova deste nexo causal, atende-se aos critérios de probabilidade, bastando a mera convicção do facto ser apto a produzir o dano ou causar o risco. Deste modo, terá que haver uma probabilidade do agente ter causado ou aumentado o risco. Em rigor, a lei presume a materialização do resultado no risco lesivo. Para inverter o ónus da prova, o lesante teria que demonstrar que não existe nenhuma probabilidade do evento lesivo produzir o dano.
O risco terá de ser avaliado em concreto e o lesado é quem terá de demonstrar que é provável que aquela instalação, no caso de uma fábrica, por exemplo, tenha causado o risco ou dano.
A maior parte dos casos correspondem a uma causalidade cumulativa na responsabilidade civil clássica. Na responsabilidade ambiental, no caso de causalidade cumulativa, em que todos criaram ou aumentaram o risco, se se provar que o risco se materializou no resultado, então existe imputação, havendo também comparticipação e solidariedade, no sentido da demonstração prévia de várias pessoas causadoras do dano (art. 4º do RPRDE).

4.Responsabilidade objectiva vs. Responsabilidade subjectiva

No D.L. 147/2008 de 29 de Julho, regula-se tanto a responsabilidade objectiva (art. 7º), como subjectiva (art. 8º), em relação a danos efectivamente provocados, e também relativamente a ameaças de lesão (art. 12º, quanto à responsabilidade objectiva e art. 13º, quanto à responsabilidade subjectiva). Desta forma, este regime abrange a responsabilidade por factos ilícitos (responsabilidade subjectiva) e também a responsabilidade pelo risco e pelo sacrifício ou acto lícito, independente de culpa (responsabilidade objectiva).
Relativamente ao regime da responsabilidade objectiva, convém referir que, em 1987,
alguns autores consideravam estar mencionado o princípio geral da responsabilidade objectiva em matéria ambiental no art. 41º da LBA.
Contudo, actualmente, retira-se do art. 12º do RPRDE a imputação de danos causados sem violação de deveres de diligência, gerais ou especiais. Circunscreve-se assim a responsabilidade objectiva a um conjunto de actividades perigosas, listadas no Anexo III do diploma. Os artigos 7º e 12º do RPRDE e o art. 41º da LBA têm de ser conjugados com o art. 20º/3 do RPRDE, relativamente à isenção da obrigação de suportação de custos de prevenção e reparação de danos ecológicos pelo operador nos casos de danos provocados por actividades listadas no Anexo III e de danos resultantes de qualquer outra actividade atípica de risco, com base no conhecimento técnico-científico à data da ocorrência dos mesmos. Destes artigos retiram-se várias conclusões, tais como: a responsabilização objectiva por danos significativos causados aos bens ecológicos advém de acções perigosas e por outro lado, este modelo de imputação provém de certas actividades adequadas a produzir o dano.
Embora exclua a obrigação de pagamento do custo das medidas de prevenção e reparação, o operador tem, ainda assim, a obrigação de adoptar essas medidas no mais curto prazo.
O custo será suportado pela Administração, mediante o Fundo de Intervenção Ambiental, e o reembolso deverá solicitado pelo operador.
Assim, da norma do artigo 20º/3 retira-se que o operador não é responsabilizado por danos/riscos decorrentes do funcionamento normal da instalação, no caso das actividades incluídas no Anexo III. A Professora Carla Amado Gomes considera esta solução incorrecta, dado que os riscos deveriam ser suportados pelo operador e não pela comunidade. Nos termos dos artigos 17/1 alínea b), 19º/5 e 23º do RPRDE, o Estado, que suporta estes custos, executa as medidas necessárias e financia-se mediante o Fundo de Intervenção Ambiental.
O operador é, em contrapartida, responsável pelos danos/riscos associados ao funcionamento anormal da instalação. Este também executa as medidas necessárias e
suporta os custos causados por desvios ao percurso causal normal da actividade e as suas consequências, tendo em conta a constituição das garantias financeiras (arts. 7º, 12º, 19º/1 e 22º do RPRDE).
O art. 20º reconhece ainda, nos seus números 1 e 2, a responsabilidade por facto de outrem ou instrução administrativa, que estabelece que o operador tem direito de regresso contra o terceiro que provocou a ameaça de lesão ou o dano e contra a entidade administrativa que emitiu a ordem ou instrução.
Convém referir ainda que não existe responsabilidade objectiva quanto a outras actividades não inscritas no Anexo III.
Quanto à responsabilidade subjectiva por dano ecológico, está regulada no art. 13º do RPRDE, abrangendo qualquer actividade “ocupacional” (art. 2º/1). O agente não cumpre os deveres de diligência normal ou actua com dolo (art. 483º CC). O operador tem que adoptar também deveres especiais, cabendo à Agência Portuguesa do Ambiente a posição garante da sua vertente preventiva e reparatória.
No caso de estarem preenchidos todos os pressupostos da responsabilidade subjectiva (facto, ilicitude, culpa, dano e nexo de causalidade), o indivíduo tem a obrigação de adoptar as medidas de reparação e arcar com os custos, nos termos do artigo 19º/1 do RPRDE, excepto se a ilicitude se dever a facto de terceiro ou a ordem de uma entidade da Administração (art. 20º/1 e 2 do RPRDE).

5.Conclusão

A responsabilidade civil ambiental é dos temas mais importantes no domínio do Direito do Ambiente, em função da sua natureza multifuncional e das suas especificidades.
Actualmente, a sua relevância continua a ser patente, uma vez que as questões ambientais são consideradas em termos sérios, também em território nacional. Vários problemas como as alterações climáticas e o aquecimento global obrigam à tomada de decisões e compromissos à escala global.
A responsabilidade civil pelos danos ao meio ambiente representa assim um conjunto
de características que visam a protecção da natureza e dos seres vivos, incluindo até mesmo a saúde destes e os seus patrimónios.
A responsabilidade no âmbito da defesa ambiental é decorrente da constatação da impossibilidade de alcançar, sem ela, essa defesa, assegurando um mínimo de protecção possível.
É dever dos responsáveis a prática de actuações idóneas, impondo ao poluidor o cumprimento da sua obrigação de indemnização e de reparação de todos os danos causados.

6.Bibliografia:

GOMES, Carla Amado:
– “A responsabilidade civil por dano ecológico” in O que há de novo no Direito do Ambiente?, Actas das Jornadas de Direito do Ambiente, Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, 15 de Outubro de 2008, org. de Carla Amado Gomes e Tiago Antunes, Lisboa, 2009, pp. 235 e segs.
- “Direito Administrativo do Ambiente” in Tratado de direito administrativo especial, vol. I, Coimbra, 2009

SILVA, Vasco Pereira da
– “Ventos de mudança no Direito do Ambiente – A responsabilidade civil ambiental” in O que há de novo no Direito do Ambiente?, Actas das Jornadas de Direito do Ambiente, Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, 15 de Outubro de 2008, org. de Carla Amado Gomes e Tiago Antunes, Lisboa, 2009, pp. 9 e ss.
- Verde Cor de Direito – Lições de Direito de Ambiente, Almedina

OLIVEIRA, Ana Perestrelo de – Causalidade e Imputação na Responsabilidade Civil Ambiental, Coimbra, Almedina (2007)

SENDIM, José Cunhal – Responsabilidade civil por danos ecológicos, Coimbra, 1998

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