sexta-feira, 7 de maio de 2010

Controlo da legalidade no direito do ambiente

Nos dias que correm os técnicos são os "iluminados", que vem trazer a verdade ao povo ignorante e sobre os quais não deve recair nenhuma dúvida: são eles os cientistas, que estudaram a questão a fundo de forma metódica e ponderada e, como tal, o que eles dizem é dado assente.
Efectivamente é muito complicado, senão mesmo impossível, para nós leigos contestar um relatório técnico, mas mbora não o consigamos fazer directamente, nada nos impede de o fazer com recurso a mecanismos legais.
Naturalmente muitas das decisões políticas carecem de pareceres técnicos, particularmente na área do do Ambiente e os nossos decisores descobriram aqui uma pequena Caixa de Pandora que à primeira vista, lhes permitiria escaparem ao escrutínio politíco e jurisdicional: basta dizer que é "o que dizem os técnicos". Exemplos do que acabei de referir não faltam e bata olharmos para questões controversas em que os pareceres técnicos aparecem a justificar a decisão política e administrativa. Veja-se a co-inceneração na Serra da Arrábida, ou o novo aeroporto da Ota/Alcochete, a nova travessia do tejo ou o traçado do comboio de alta velocidade.
Não quero com isto dizer que os pareceres técnicos não tem o seu valor, ou que não devem desempenhar um papel preponderante, na escolha final. O que não me parece de todo admissível é que, à sombra desses pareceres, se fuja ao controlo potítico e jurisdicional que todas as decisões administrativas devem ter, conforme resulta da CRP, do CPA e do CPTA.
A este propósito A Professora Carla Amado Gomes escreve na sua obra "Risco emodificação do acto autorizativo concretizador de deveres de protecção do ambiente" um parágrafo muito elucidativo a este respeito, que passo a citar "A submissão da Administração ao princípio da legalidade (artigos 266º/2 da CRP e 3º do CPA) e a consagração do direito de acesso à justiça administrativa com vista ao controlo da legalidade das decisões do Executivo (artigos 268º/4 CRP e 2ºCPTA) não podem ceder perante o alto grau de complexidade técnica das decisões sobre o risco. É verdade que o julgador não está funcionalmente habilitado a controlar a verosimilhança de uma explicação cientifica, nem a avaliar da operacionalidade de uma solução técnica, mas tal incapacidade funcional, na medida em que possa ser suprida, não deve afstar aquelas decisões da susceptibilidade de revisão judicial". Os meandros técnicos das decisões administrativas não podem, de forma alguma, pôr em causa aquilo que o legislador consagrou e que parece ser do senso comum. Não é exigivel de um juiz ou de qualquer outro cidadão que tenha os conhecimentos técnicos necessários para averiguar se uma decisão é boa ou má do ponto de vista científico. Por isso, exigível é que questões técnicas seja expostas de forma transparente e fiquem acessíveis a todos os que nela tiverem interesse, directo ou indirecto e que , sobretudo, possam dar lugar ao contraditório. Aliás, não foram poucas as vezes em que se concluiu que os estudos estavam errados.
As garantias de acesso à justiça por parte dos cidadãos são um princípio fundamental no nosso ordenamento jurídico-adminisiitrativo e devem, prevalecer sobre toda e qualquer tentativa de retirar a decisão administrativa do controlo jurisdicional. É certo que as decisões de mérito escapam a esse controlo, mas uma opinião técnica não me parece caber nessa margem de discricionariedade do agente administrativo; discricionário será, à posteriori, o acto praticado com base nesse parecer (quando este não for vinculativo).
Assim, a administração pública e nomeadamente os particulares, enquanto partes num processo, poderão sempre requerer a prova pericial prevista no Direito Civil e aplicável por remissão ao Direito Administrativo. Este será, porventura, a forma mais eficaz, sem prejuízo de outras como o direito de acção popular, de garantir que as questões técnicas, enquanto base de uma decisão pública sejam, também elas, alvo de revisão. Admitir outra leitura da questão seria pôr em causa o princípio da legalidade em direito administrativo e todos os demais princípios que deste são reflexo.

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