segunda-feira, 24 de maio de 2010

Direito do Ambiente e Direito do Urbanismo: duas faces da mesma moeda?


O Direito do Ambiente e o Direito de Urbanismo têm uma relação histórica e científica estreita (implicações recíprocas). Apesar de ser fácil de constatar esse facto, a doutrina diverge quanto ao sentido dessa conexão material conforme refere a Professora Sofia de Sequeira Galvão.

As primeiras leis de protecção da natureza (criação de parques e reservas naturais e protecção dos animais) apareceram no pós-guerra no âmbito das políticas públicas de ordenamento do território e do urbanismo.

Na nossa Constituição, o urbanismo e o ambiente são tratados em articulado distinto. A defesa da natureza e o ambiente, assim como a preservação dos recursos naturais, aparecem, tal como o ordenamento do território, como tarefas fundamentais do Estado, referidas nas alienas d) e e) do art. 9º da CRP.

Mais adiante, o seu tratamento aparece autonomizado nos artigos 65º e 66º da CRP. Enquanto a tarefa de elaboração do plano geral do território e da elaboração de planos de urbanização, que sirvam a política de habitação, aparece no art. 65º da CRP, será o art. 66º da CRP a referir-se ao ambiente e à qualidade de vida, visando-se prevenir e controlar a poluição, o equilíbrio biológico das paisagens, a criação de reservas e parques naturais e a sua estabilidade ecológica.

A nível de direito administrativo orgânico, existem separações ministeriais, entre a organização das entidades que administram as questões urbanísticas e a organização das entidades ambientais sem que se inviabilize uma constante coordenação entre as mesmas.

Realidades como a Reserva Ecológica Nacional, as Avaliações de Impacte Ambiental, os planos especiais de ordenamento do território – planos de ordenamento de áreas protegidas, planos de ordenamento da orla costeira, planos de ordenamento de albufeiras de águas públicas – são instrumentos de gestão territorial difíceis de integrar exclusivamente num destes ramos do Direito. As afinidades são mais que muitas e a convergência é manifesta.

A política do ambiente deve optimizar e assegurar a continuidade da utilização dos recursos naturais (art. 2°, n° 2 da Lei de Bases do Ambiente - LBA; o solo também o é: o art. 13° da LBA trata dele) e aparece ligada pelo ordenamento do território [art. 3°, alinenas c) e d) da LBA].

Entre os objectivos da política do ambiente conta-se a adopção de «medidas visando» (...) a expansão correcta das áreas urbanas, através do ordenamento do território» [alínea a) do art. 4° da LBA] e de uma correcta instalação de actividades produtivas [alínea c)], o estabelecimento de espaços verdes e suburbanos, de modo a estabelecer um «continuum naturale» [alínea e)], o reforço de acções e medidas de defesa e recuperação do património cultural, natural, construído [aliena k)], a recuperação de áreas degradadas do território nacional [alínea o) do mesmo artigo], a integração da expansão urbano-industrial na paisagem [ai. d) do art. 5° da LBA], condicionamentos ao uso e ocupação do solo, para fins urbanos e industriais ou implantação de equipamentos e infra-estruturas, segundo a sua natureza, topografia e fertilidade (n° 5 do art. 13° da LBA).

Nos instrumentos de política ambiental, tal como de política urbanística, temos o ordenamento territorial (art. 27° da LBA), a nível regional e municipal, incluindo a classificação e a criação de áreas, sítios ou paisagens protegidas, sujeitas a estatutos especiais de conservação [alínea c) do n° 1], os planos regionais de ordenamento do território, os planos directores municipais e outros instrumentos de intervenção urbanística [alínea e)], a avaliação prévia do impacto provocado por obras, construções de infra-estruturas, etc. [alínea g) e art. 30°], a regulamentação selectiva e quantificada do uso do solo e dos restantes recursos naturais [alínea k)], e as sanções pelo incumprimento no disposto em legislação sobre o ambiente e o ordenamento do território [aliena p)].

A legislação sobre o licenciamento, quer de loteamentos, quer de obras particulares, tem normas visando a defesa do ambiente, da estética e da paisagem. O Regulamento Geral das Edificações Urbanas – RGEU – tem um título, o IV (art. 121° a 127° do RGEU), intitulado «condições especiais relativas à estética das edificações», interditando, além do mais, construções que sejam «susceptíveis de comprometer, pela localização, aparência ou proporções, o aspecto das povoações ou dos conjuntos arquitectónicos, edifícios e locais de reconhecido interesse histórico ou artístico ou de prejudicar a beleza das paisagens».

Outras leis, como as referentes a resíduos industriais, tóxicos, perigosos, radioactivos, hospitalares e urbanos, ou as sucatas (ferro-velho, entulhos, resíduos ou cinzas de combustíveis sólidos e de veículos); constante do Decreto-Lei n.° 117/94, de 3 de Março, servem objectivos ambientais. Nos termos do n° 1° do art. 1° deste diploma, afirma-se, expressamente, que ele visa «promover um correcto ordenamento do território, evitar a degradação da paisagem e do ambiente e proteger a saúde pública», regulando a localização e sujeitando os parques de sucata a licenciamento municipal de instalação e ampliação, sendo interdita a sua construção em aglomerados urbanos.

A Professora supracitada entende que o Direito do Urbanismo deve ser compreendido numa acepção lata, isto é, «a partir do qual e por referência ao qual inúmeras outras realidades normativas são susceptíveis de apreensão».

Assim sendo, os instrumentos atrás referidos são sobretudo instrumentos de gestão territorial, com preocupações de natureza ambiental, integrados no núcleo do Direito do Urbanismo.

O professor Fernando dos Reis Condesso diz que a ideia de ambiente urbano sustentável percorre a essência da Lei nº 11/87, 7 de Abril (alterada pela nº 13/2002, de 19 de Fevereiro) que define as orientações da política do ambiente (alíneas e) dos artigos 9º e 66º da CRP)

Por sua vez a professora refere ainda que «Tais certezas resultam de dados sistémicos, nos quais avulta a ideia central de “gestão territorial”. Para o sistema, tal como moldado a partir da Lei de Bases da Política de Ordenamento do Território e do Urbanismo [Lei nº 48/98, de 11 de Agosto alterada pelo Decreto-Lei nº 380/99, 22 de Setembro], é o território que unifica e é a sua gestão que integra».

O direito do ambiente preocupa-se também com o ambiente construído e a luta contra a poluição urbana. Desde logo, a poluição atmosférica e sonora dos aglomerados urbanos, a qualidade das águas de banho e potáveis, os resíduos sólidos urbanos, entre outros.

No direito do urbanismo aparecem também objectivos como a defesa do ambiente, protecção e valorização das paisagens naturais, criação de zonas verdes, protecção e valorização do património histórico edificado, renovação de áreas urbanas degradadas.

De uma forma simplista pode-se dizer que o Direito Urbanismo, quando devidamente respeitado, torna saudável o Direito do Ambiente. Ambos procuram defender um ambiente urbano são.


Bibliografia:

Fernando CONDESSO, «Direito do Ambiente», Almedina, Coimbra, 2001.

Sofia GALVÃO, «Direito do Ambiente e Direito do Urbanismo, in Estudos de Direito do Ambiente», UCP-Porto, 2003, pág. 63 ss.

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