quarta-feira, 19 de maio de 2010

A Constituição e o Direito do Ambiente

A problemática político-cultural e jurídica do Ambiente é uma realidade relativamente recente. Não conta mais do que algumas décadas o surgimento da consciência, traduzida em diversas formas, da necessidade e da possibilidade de intervenções para se preservar ou restaurar o equilíbrio natural da vida humana.
Foi após a segunda guerra mundial e, especialmente, a partir dos anos 70, que se começaram a fazer sentir os efeitos negativos conjugados da industrialização, da urbanização e da motorização, bem como começaram a ser mais patentes, tanto a interacção dos factores tecnológicos e demográfcos como a própria exiguidade e unidade do Planeta.
Também a quebra das divisões ideológicas vindas do século passado contribuiu para deslocar para outras áreas, como as da ecologia, as atenções, bem como os contrastes de atitudes e de prioridades. Deste modo, se justifica que a consideração constitucional do Ambiente apenas se tenha verificado nesta altura, embora, já no artigo 223.º da nossa primeira constituição de 1822 se cometesse às câmaras municipais a tarefa de promover a plantação de árvores nos baldios e nas terras dos concelhos.
Entre os anos 50 e a primeira metade da década de 70, as referências constitucionais feitas ao Ambiente eram escassas e esparsas, não apareciam integradas numa visão globalizante e não permitiam extrair das normas todas as suas virtualidades.
Foi a Constituição Portuguesa de 1976 que veio consagrar um explícito direito ao ambiente ligado a um largo conjunto de incumbências do Estado e da sociedade e, assim inserido de forma plena, no âmbito da Constituição material como um dos elementos da sua ideia de Direito.
Em relação ao Ambiente, alguns autores falam em três gerações de direitos fundamentais. A primeira geração estaria ligada ao Liberalismo – a geração dos direitos de liberdades, dos direitos individuais, dos direitos negativos; a segunda geração – a dos direitos económicos, sociais e culturais, direitos a prestações do Estado, direitos à igualdade social, direitos positivos; com a passagem do século XX para o século XXI, surge a terceira geração – a do direito ao ambiente, do direito ao desenvolvimento, do direito à participação no património da humanidade, do direito à autodeterminação. E é nesta perspectiva que deveria ser pensada a subjectivização das relações das pessoas com os poderes públicos e privados acerca da conservação e da fruição da natureza.
Contudo, não deixam de existir autores como o professor Jorge Miranda que preferem distinguir os direitos fundamentais em diversas classes. Devo dizer que adiro à classificação dos direitos fundamentais em gerações, pois a sua evolução histórica e carácter acentuado entre direitos positivos e negativos me leva a aderir a esta posição.
Assim sendo, os direitos de terceira geração, como o direito ao ambiente correspondem a uma dimensão participativa, em que os cidadãos são chamados a participar na realização dos bens jurídicos (bem como na sua protecção).
Na nossa Constituição encontramos inúmeros preceitos que contemplam o ambiente e domínios vizinhos. Deste modo, no artigo 9.º, alínea e), refere como tarefa fundamental do Estado “Proteger e valorizar o património cultural do povo português, defender a natureza e o ambiente, preservar os recursos naturais e assegurar um correcto ordenamento do território”.
Também no artigo 65.º, n.º 2, alínea a), se estatui que para assegurar o direito à habitação o Estado deve “ Programar e executar uma política de habitação inserida em planos de reordenamento geral do território e apoiada em planos de urbanização que garantam a existência de uma rede adequada de transportes e de equipamento social”.
No artigo 66.º n.º 1 é declarado o direito de todos “ a um ambiente de vida humana, sadio e ecologicamente equilibrado”, bem como “ o dever de o defender”.
Ainda segundo o artigo 66.º n.º 2 “ incumbe ao Estado, por meio de organismos próprios e com o envolvimento e a participação dos cidadãos”, (alínea a) “ prevenir e controlar a poluição e os seus efeitos e as formas prejudiciais de erosão”, (alínea b) “ ordenar e promover o ordenamento do território, tendo em vista uma correcta localização das actividades, um equilibrado desenvolvimento sócio-económico e a valorização da paisagem”, (alínea c) “ criar e desenvolver reservas e parques naturais e de recreio, bem como classificar e proteger paisagens e sítios, de modo a garantir a conservação da natureza e a preservação de valores culturais de interesse histórico ou artístico”, (alínea d) “ promover o aproveitamento racional dos recursos naturais, salvaguardando a sua capacidade de renovação e a estabilidade ecológica, com respeito pelo princípio da solidariedade entre gerações”, (alínea e) “ promover, em colaboração com as autarquias locais, a qualidade ambiental das povoações e da vida urbana, designadamente no plano arquitectónico e da protecção das zonas históricas”, (alínea f) “ promover a integração de objectivos ambientais nas várias políticas de âmbito sectorial”, (alínea g) “ promover a educação ambiental e o respeito pelos valores do ambiente”, (alínea h) “ assegurar que a política fiscal compatibilize desenvolvimento com protecção do ambiente e qualidade de vida”.
No artigo 78.º n.º1, consagram-se o direito à fruição e criação cultural e o dever de preservar, defender e valorizar o património cultural, no n.º2 do mesmo artigo, comete-se ao Estado, “em colaboração com todos os agentes culturais” a incumbência de “ promover a salvaguarda e a valorização do património cultural, tornando-o elemento vivificador da identidade comum”.
Por sua vez, o artigo 52.º n.º3, para garantia destes direitos e interesses, confere a “todos, pessoalmente ou através de associações de defesa dos interesses em causa” o direito de promover a prevenção, cessação ou a perseguição judicial de infracções contra a degradação do ambiente e da qualidade de vida ou a degradação do património cultural, bem como de requerer para o lesado ou lesados a correspondente indemnização.
No que diz respeito à organização económica, o artigo 81.º refere que incumbe “prioritariamente” ao Estado “promover a coesão económica e social de todo o território nacional, orientando o desenvolvimento no sentido de um crescimento equilibrado de todos os sectores e regiões” (alínea d, 1.ª parte), “adoptar uma política nacional de energia, com preservação dos recursos naturais e do equilíbrio ecológico, promovendo, neste domínio, a cooperação internacional” (alínea m) e, ainda “adoptar uma política nacional da água, com aproveitamento, planeamento e gestão racional dos recursos hídricos” (alínea n).
No artigo 90.º a Lei Fundamental vem definir que os planos de desenvolvimento económico e social têm por objectivo “promover o crescimento económico, o desenvolvimento harmonioso e integrado de sectores e regiões, a justa repartição individual e regional do produto nacional, a coordenação da política económica com as políticas social, educativa e cultural, a defesa do mundo rural, a preservação do equlíbrio ecológico, a defesa do ambiente e a qualidade de vida do povo português”.
No que diz respeito à política agrícola, o artigo 93.º n.º 1, alínea d), afirma como um dos seus objectivos “assegurar o uso e a gestão racionais dos solos e dos restantes recursos naturais, bem como a manutenção da sua capacidade de regeneração”. Ainda no n.º 2 do mesmo artigo se prevê que “ O Estado promoverá uma política de ordenamento e reconversão agrária e de desenvolvimento florestal, de acordo com os condicionalismos ecológicos e sociais do país.”
Por último, há a acrescentar que se insere na reserva relativa da Assembleia da República, 165.º n.º 1, alínea g), as bases do sistema de protecção da natureza, do equilíbrio ecológico e do património cultural.
Feita a referência às normas constitucionais relativas ao direito ao ambiente, podemos neste momento analisar a natureza do mesmo. Refere o professor Jorge Miranda que é duvidoso que se possa falar num único, genérico e indiscriminado direito ao ambiente, contudo, o mesmo professor refere que toda a matéria acaba por recair, directa ou indirectamente, na esfera dos direitos fundamentais, não apenas por causa da sua inserção sistemática mas sobretudo por a garantia, a promoção e a efectivação destes direitos se encontrarem no cerne do Estado de Direito democrático.
Assim, o ambiente contende menos com direitos subjectivos do que com interesses difusos, com interesses colectivos ou comunitários individualmente sentidos. Contudo, quando recaiam em certas e determinadas pessoas ou quando confluem com certos direitos, tais interesses revertem ou podem reverter em verdadeiros direitos fundamentais.
Embora não faça parte do Título II da Constituição, o direito ao ambiente reconduz-se a direitos, liberdades e garantias ou a direitos de natureza análoga.
Quando falamos no dever de defender o ambiente, falamos num verdadeiro dever fundamental, e não de mero efeito externo da previsão de um direito; e dele pode a lei extrair consequências jurídicas adequadas quer no âmbito da responsabilidade civil, quer no do ilícito da ordenação social, quer no do ilícito criminal.
Os direitos relativos ao ambiente sendo reconduzidos a verdadeiros direitos, liberdades e garantias ou direitos de natureza análoga, são direitos de autonomia ou de defesa das pessoas perante os poderes, públicos e sociais, que os condicionam ou envolvem. Neles predomina uma estrutura negativa, uma vez que visam o respeito, a abstenção; o seu objecto é a conservação do ambiente. Contudo, enquanto direito económico, social e cultural, o direito ao ambiente é um direito a prestações positivas do Estado e da sociedade, um direito a que seja criado um ambiente de vida humana, sadio e ecologicamente equilibrado.
Desta forma, os direitos atinentes ao ambiente ficam sujeitos ora ao regime dos direitos, liberdades e garantias, ora dos direitos económicos, sociais e culturais. Apenas os primeiros são de aplicação imediata, mas os segundos não deixam de gozar de protecção na Constituição e na lei.
Deste modo, eles têm de ser compaginados com os restantes direitos fundamentais, uma vez que nenhum direito se apresenta isolado, assim como qualquer deles pode sofrer restrições por causa disso, igualmente qualquer outro direito pode sofrer restrições ou condicionamentos por força da garantia dos direitos e dos interesses difusos ao ambiente. A solução está em obter a harmonização, a concordância prática, a optimização de todos os direitos.

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