quinta-feira, 13 de maio de 2010

A convivência dos Princípios da Precaução e da Prevenção com o bem-estar económico-social dos cidadãos

Ambos os princípios em causa – Princípio da Prevenção e Princípio da Precaução – surgem tendo em vista a protecção de bens ambientais e na concretização de uma necessidade por todos reconhecida de protecção do Ambiente, até porque a sociedade, desde que se iniciou o processo de industrialização e reestruturação dos sectores de actividade económica, debate-se com conflitos entre a necessidade de progresso para o bem-estar económico e social dos cidadãos e, por outro lado, a protecção do ambiente, atendendo, também à irreversibilidade que alguns danos podem causar.
Feito o enquadramento geral, faremos agora a abordagem individual a cada um dos princípios:
O Princípio da Prevenção respeita à iminência de uma actuação humana que lesará de forma grave e irreversível os bens ambientais, pelo que essa actuação deverá ser evitada. É um princípio consagrado constitucionalmente a nível interno no art. 66º/2-a) da Constituição, bem como no Direito Internacional e no Direito Comunitário em diversas manifestações. Em relação à sua presença na Constituição destaca-se a referência à necessidade de “prevenir e controlar a poluição” bem como a existência de um princípio da solidariedade intergeracional no art. 66º/2-d). Inclusivamente, no art. 52º/3-a) consta uma preocupação em relação à preservação do ambiente. A nível infra-constitucional também existem preceitos dispersos em várias leis que fazem alusão ao Princípio da Prevenção, tais como a Lei das Associações de Defesa do Ambiente ou dos decretos-lei de protecção à qualidade do ar, da água e dos ecossistemas.
Daqui podemos retirar que tanto o legislador como a Administração devem promover todos os esforços de forma a evitar a ocorrência cientificamente provada de danos irreversíveis nos bens naturais.
Relativamente aio Princípio da Precaução, deve este ser entendido segundo uma interpretação qualificada do Princípio da Prevenção nas palavras da Prof. Carla Amado Gomes ou segundo uma interpretação amiga do ambiente como refere o Prof. Gomes Canotilho. Significa isto que deve ter-se em conta uma ponderação dos interesses ambientais face aos interesses económicos. Para este entendimento, deve dar-se o benefício da dúvida em favor do ambiente – in dubio pro ambiente – sempre que exista alguma incerteza sobre o nexo causal entre uma actividade e um determinado dano ambiental provocado por um fenómeno de poluição ou degradação do ambiente, pelo que deve haver lugar a uma acção preventiva mesmo quando não haja certeza acerca da sua necessidade, bem como a proibição de actividades que possam ser lesivas mesmo que não esteja cientificamente provado o seu acontecimento.
Assim, deve haver uma tomada de posição face a uma determinada situação, sendo que isso consiste numa atitude de maior prudência face a potenciais riscos que possam existir, portanto sempre que haja incerteza em relação a uma actividade, conforme refere Boudant.
Acontece que, como a gravidade ou irreversibilidade do dano são dotadas de incerteza, a Administração terá de basear a sua actuação em juízos de prognose a partir de experiências anteriores. Isso pode conduzir a que, se se atender a uma interpretação estrita do princípio, todas as actuações que tenham um grau de possibilidade mínimo de lesar o ambiente tenham de ser evitadas, exceptuando o caso de haver uma incerteza sobre a sua inocuidade, o que torna a sua aplicação plena difícil porque é impossível prevenir todos os danos.
Para além disto, o Princípio da Precaução faz, ainda, alusão à inversão do ónus da prova: Cabe a quem pretenda desenvolver uma actividade cuja lesividade não esteja cientificamente provada e não a quem queira defender a Natureza ou quem sofre a poluição.
Ao contrário do Princípio da Prevenção, este princípio ainda não está consagrado no nosso ordenamento constitucional, embora já tenha sido acolhido pelo Direito Comunitário, sendo que se discute se poderá ser recebido por nós à luz da vinculação portuguesa aos princípios e normas de Direito Comunitário onde se encontra expressamente previsto no art. 174º/2 do TCE e se é dotado de efeito directo. Considera-se, nomeadamente a Prof. Carla Amado Gomes, que não pode haver invocação directa do art. 174º/2 do TCE.
A diferença entre Precaução e Prevenção reside, também, no facto de o primeiro partir de uma orientação preventiva enquanto que o segundo pode não traduzir-se em precaução.
Aquilo que se constata, após o estudo destes dois princípios, é que ambos têm uma função importante no que toca à protecção de bens ambientais e no que respeita ao prosseguimento da protecção do ambiente que é um objectivo constitucional e que decorre de alguns preceitos dispersos na CRP, desde o art. 66º até ao art. 9º/d) e e) sobre as incumbências do Estado. Porém, há que conciliar isto com as outras incumbências do Estado, designadamente o bem estar social e económico dos seus cidadãos e que poderá colidir, por vezes, com (a protecção d)o ambiente. Questões como a indústria, a agricultura, o sector empresarial ou a propriedade privada poderão ir contra a protecção dos recursos naturais, não acautelando totalmente o ambiente, por isso há que conciliar isto com a prevenção de danos e assegurar um desenvolvimento auto-sustentado.
De resto, a própria CRP, no seu art. 81º/l) e m) e 90º adequa políticas sectoriais com o crescimento económico e com objectivos ambientais, sendo que se prefere a via do desenvolvimento qualitativo, nas palavras da Prof. Carla Amado Gomes, que reduza os atentados ambientais e atinja um equilíbrio entre as necessidades de uma economia de mercado e a protecção do meio ambiente.
A via a seguir será a da harmonização entre estes dois mundos, atendendo à situação concreta e para isso poder-se-á recorrer ao princípio da proporcionalidade, de forma a que se realizem todos os interesses constitucionalmente considerados, sem que sejam afectados no seu núcleo essencial. Terá de ser feita uma escolha de acordo com uma ponderação entre aquilo que se irá sacrificar e aquilo que irá prevalecer, até porque não é viável a hipoteca do futuro tendo por base custos ambientais que se desconhecem realmente por serem dotados de grande incerteza. Portanto, se os riscos ambientais forem grandes e de consequências irreversíveis, dever-se-á atender aos interesses da protecção do ambiente, caso contrário há que assegurar o bem-estar da população, desígnio esse também com assento constitucional.

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