terça-feira, 4 de maio de 2010

Restitutio in integrum

Depois de ter tido conhecimento do derrame que aconteceu a semana passada ao largo da costa americana, fiquei preocupada com o dano que foi causado e, nessa medida, interroguei-me sobre o que poderia acontecer caso a situação se tivesse verificado em Portugal. Foi nesse pensamento que surgiu este trabalho intitulado "restitutio in integrum".

Restitutio in integrum

“Diferentemente do que ocorre com outros direitos sociais, em que se trata de criar ou realizar o que ainda não existe, o direito do ambiente visa garantir o que ainda existe e recuperar o que, por acção do Estado e de terceiros, deixou de existir”
Gomes Canotilho e Vital Moreira.

O desenvolvimento da civilização tem, aos poucos, degradado o meio ambiente. O desenvolvimento industrial, por um lado, e a falta de consciência das pessoas, por outro, têm levado ao envenenamento da natureza.
Os danos ecológicos podem-se inserir na categoria mais ampla dos “danos do ambiente”, a qual compreende não só a lesão dos bens ecológicos que compõem o património natural, mas também de outro bens ambientais protegidos pelo sistema jurídico como, por exemplo, a paisagem.
Um ponto de consenso na generalidade dos sistemas jurídicos é a prevenção do dano ecológico e a reintegração dos bens ambientais lesados.

Direito comparado


No direito federal norte-americano a restauração do dano ecológico é imperativa, só devendo ser substituída por indemnização pecuniária quando se revelar tecnicamente impossível ou substancialmente desproporcionada.
No Direito alemão existe um sistema geral de responsabilidade por danos ecológicos, prevendo-se a obrigatoriedade de reposição da situação anterior como modo adequado de indemnização dos danos causados ao património natural.

O sistema português

No que respeita ao direito positivo português, esta opção encontra-se expressa, essencialmente, no art. 48º Lei de Bases do Ambiente, onde se determina que o lesante tem o dever de remover as causas da infracção e de “repor a situação anterior à mesma, ou equivalente”. Prevê-se, por outro lado, que – caso o lesante não cumpra a referida obrigação no prazo que lhe for indicado, as entidades competentes podem mandar proceder aos trabalhos necessários à reposição da situação anterior (art. 48º nº2 LBA).
Apesar de se utilizar o termo “infractor”, para alguma doutrina, o âmbito de aplicação da norma não se restringe aos danos resultantes de infracções penais. Tal norma parece, assim, ser aplicável quer aos danos imputáveis por força da responsabilidade objectiva, quer aos imputáveis com base na culpa. A favor desta interpretação restritiva do art. 48 LBA pode-se, contudo, invocar a inserção sistemática do preceito e a utilização do termo “infracção”. A utilização do termo “infracção”, tal como utilizado na CRP (art. 52º n.3) tem um significado abrangente, incluindo não só os ilícitos culposos mas também a ilicitude objectiva. Tal como nota Canaris, importa confrontar a solução interpretativa com a teleologia do sistema “jus ambiental”.
O principio da restauração natural aflora, ainda, em grande parte das regulamentações sectoriais do actual direito do ambiente, que prevêem regras de responsabilidade administrativa por violação de deveres jurídico-públicos de protecção ambiental. Assim, por exemplo, no art. 39º do DL 166/2008, de 22 de Agosto (Regime Jurídico da Reserva Ecológica Nacional), determina-se que:


Artigo 39.ºEmbargo e demolição

"1 - Compete à Inspecção-Geral do Ambiente e do Ordenamento do Território, às comissões de coordenação e desenvolvimento regional, às administrações das regiões hidrográficas, aos municípios e às demais entidades competentes em razão da matéria ou área de jurisdição embargar e demolir as obras, bem como fazer cessar outros usos e acções, realizadas em violação ao disposto no presente decreto-lei, nomeadamente os interditos nos termos do artigo 20.º e os que careçam de autorização nos termos dos artigos 20.º e 23.º sem que a mesma tenha sido emitida. 2 - As entidades referidas no número anterior devem determinar o cumprimento integral dos condicionamentos e medidas de minimização estabelecidos nos termos do n.º 2 do artigo 21.º quando se verifique o incumprimento ou cumprimento deficiente dos mesmos. 3 - As entidades referidas no n.º 1 podem ainda determinar o embargo e a demolição das obras, bem como fazer cessar outros usos e acções, que violem a autorização emitida pela comissão de coordenação e desenvolvimento regional, nomeadamente os termos e as condições que determinaram a sua emissão ou que foram nela estabelecidos e que, desse modo, ponham em causa as funções que as áreas pretendem assegurar. 4 - A entidade competente nos termos do n.º 1 intima o proprietário a demolir as obras feitas ou a repor o terreno no estado anterior à intervenção, fixando-lhe prazos de início e termo dos trabalhos para o efeito necessários. 5 - Decorridos os prazos referidos no número anterior sem que a intimação se mostre cumprida, procede-se à demolição ou reposição nos termos do n.º 1, por conta do proprietário, sendo as despesas cobradas coercivamente através do processo de execução fiscal, servindo de título executivo a certidão extraída de livros ou documentos de onde constem a importância e os demais requisitos exigidos no artigo 163.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário."

Estabelece-se, deste modo, a necessidade de restaurar e recuperar os ecossistemas e processos biológicos afectados e concretiza-se a ratio da protecção legal.
Se confrontarmos a solução que consiste na imposição da restauração natural como conteúdo da obrigação de indemnização de danos ecológicos com o regime geral da responsabilidade civil (art. 566º CC), podemos desde logo encontrar uma opção coincidente e uma claramente divergente.
O ponto de contacto traduz-se na aceitação, no art. 566 do CC, da indemnização especifica como conteúdo mais apropriado da indemnização.
A solução não é, contudo, coincidente com a determinada para a indemnização de danos ao património natural, porque do regime geral da responsabilidade civil, previsto no nº1 do art. 566º, parece decorrer que a restauração natural pode ser substituída por indemnização pecuniária quando disso convenham o credor e o devedor. Ora, é precisamente esta possibilidade que é liminarmente afastada no art. 48.1º LBA, impondo-se a restitutio in integrum do bem ambiental lesado. Consagra-se, assim, de modo imperativo a restauração natural como conteúdo adequado da indemnização dos danos ecológicos.
No direito do ambiente a tutela é predominantemente objectiva: procura-se proteger o bem ambiental em si e não o interesse subjectivo do titular do direito à reparação do dano. Assim, no dano ecológico, o quid afectado não é um interesse substancialmente subjectivado, mas, um interesse público na conservação de um ambiente sadio e ecologicamente equilibrado, cujos contornos são concretizados nas normas de direito do ambiente.
O sistema de indemnizaçao de danos ecológicos é determinado, em primeira linha, pela dogmática jus-ambiental , ou seja, é essencial que as sanções em direito do ambiente estejam funcionalmente dirigidas à reconstituição do equilíbrio ecológico perturbado, ou à restauração do espaço natural afectado.
O direito do ambiente sempre esteve funcionalmente vocacionado para proteger e regular de forma planificadora, conformadora, preventiva e promocional o ambiente natural e humano perante os efeitos perturbadores do processo civilizacional. A sua ideia mais geral tem, assim, a ver com a preservação e se necessário reconstituição dos ciclos naturais da Terra.
“O conceito de restauração e de prevenção do dano ecológico é a ideia directriz do direito de responsabilidade ambiental.”, isto é, o sistema de responsabilidade por danos ao ambiente adquire uma função especifica: garantir a conservação dos bens ecológicos protegidos. Importa referir o instituto da responsabilidade por danos ao ambiente se baseia na prevalência da restauração natural e isso justifica-se porque os danos ecológicos não parecem ser susceptíveis de uma avaliação integral em dinheiro, pelo que surge naturalmente a exigência de privilegiar formas de reparação não dependentes do tradicional limite económico próprio da indemnização por equivalente.

Como fazer a restauração natural?

· Restauração ecológica – uma primeira alternativa consiste em reparar o dano através da recuperação dos bens naturais afectados.
Trata-se de uma regra admitida pela generalidade dos sistemas e plasmada no nº1 do art. 48º LBA, onde se preceitua que o infractor é obrigado a repor a situação anterior à pratica do facto lesivo ou uma situação equivalente. Afastou-se, assim, o entendimento segundo o qual a restauração natural consistiria exclusivamente na reposição da situação material que existia antes do dano. Esta ideia é expressa de forma mais perfeita na Convenção de Lugano onde, por influencia do direito norte-americano, se delimita o conteúdo da obrigação de indemnizar, não por recurso à ideia de restauração do statu quo ante, mas sim por referência à restauração ou reabilitação dos recursos naturais afectados.
Esta opção legislativa justifica-se em primeiro lugar, porque a adopção de um conceito restritivo de restitutio in integrum inviabilizaria na prática a aplicação desta forma de indemnização, visto ser normalmente impossível criar uma situação material exactamente idêntica à anterior ao dano ecológico. Em segundo lugar, porque a reposição de uma situação material idêntica à anterior poderia revelar-se ambientalmente perigosa em alguns casos, visto ser normal que entre o momento da ocorrência do dano e o do inicio da sua reparação a natureza actue e encontre um novo “equilíbrio ecológico”.

· Compensação ecológica – nesta situação já não se visa a restauração ou reabilitação dos bens naturais afectados, mas sim a sua substituição por bens equivalentes, de modo a que o património natural no seu todo permaneça quantitativa e qualitativamente inalterado. Assim, a ser sistematicamente possível, tal via significaria a possibilidade de compensar a Natureza com Natureza e não com vantagens pecuniárias.
Esta “compensação” permitiria reparar (integralmente) os danos ecológicos nos casos em que a restauração ecológica não seja viável. Assim, o principio da responsabilização assumiria a sua feição mais perfeita correspondente à especificidade do dano ecológico: o causador de um dano ao património natural é obrigado a repor a integridade do patrimônio afectado através da reparação de bens naturais lesados ou da constituição de bens naturais equivalentes.
O problema da compensação consiste na delimitação da ideia de equivalência quando aplicada a bens naturais. Tem de se adoptar um critério de equivalência que atenda, não só à equivalência entre funções ou serviços humanos, mas também à equivalência estritamente ecológica. Neste ângulo, tal como refere Eckart, poder-se-á sustentar que dois bens naturais são equivalentes quando têm a mesma capacidade auto-sustentada de prestação. É assim possível afirmar que um dano ecológico fica ressarcido quando determinadas funções ecológicas afectadas estão de novo estabelecidas de modo auto-sustentado. Nessa medida, e só nessa medida, é correcto dizer-se que se processou um restabelecimento do património natural globalmente considerado.
No entanto, existem bens naturais únicos, bens que prestam serviços ecológicos insubstituíveis, cuja lesão não pode ser compensada através da reparação de outro dano ecológico ou da melhoria da capacidade de prestação de outro bem natural. Em tais casos assiste-se, portanto, a uma diminuição efectiva do património natural.

Princípios a ter em conta

Na falta de normas directamente aplicáveis, haverá que procurar respostas para os problemas do sistema jurídico-ambiental.

· Principio da proporcionalidade;
· Principio da precaução;
· Principio da ponderação das consequências ecológicas.


No entanto, “remediar” não deve ser a solução. É necessária uma maior atenção e sensibilização por parte das pessoas, políticos e sociedade.

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