sábado, 22 de maio de 2010

A autonomia dogmática do Direito do Ambiente

Plano do Trabalho

1. Introdução;
2. As fontes do Direito do Ambiente;
3. Direito do Ambiente: As várias perspectivas;
4. Conclusões

1. Introdução

O Direito do Ambiente, talvez pela sua juventude, apresenta-se com uma multiplicidade de contributos de outros ramos do Direito, um verdadeiro melting pot de fontes, razão pela qual, é possível observar o Direito do Ambiente de diferentes perspectivas, ou, numa expressão do Professor Vasco Pereira da Silva, é possível fazer essa observação do Direito do Ambiente, colocando vários “óculos” diferentes. Tentaremos ao longo deste texto, traçar algumas notas que permitam delimitar as fronteiras do Direito do Ambiente face a outros ramos do Direito, bem como, perceber os contributos que esses ramos do Direito oferecem ao Direito do Ambiente.
Com este intuito, iniciaremos a nossa exposição referindo as fontes do Direito Ambiente, na medida em que, é, precisamente, a multiplicidade das fontes de direito que implica a diversidade de perspectivas, que abordaremos no ponto 3 desta exposição, e que constitui a referenciada multidisciplinaridade do Direito do Ambiente.
Terminaremos este texto, apresentando as nossas conclusões sob o tema sub judice.

2. As fontes do Direito do Ambiente

O Direito do Ambiente, como já foi dito, baseia-se numa vasta panóplia de fontes, que se situam em planos diferentes, a saber: No plano Internacional, no plano comunitário, no plano constitucional, no plano da legislação ordinária, nos planos e outros regulamentos administrativos e em outras formas de actuação administrativa, seguindo de perto a sistemática proposta pelo Professor Vasco Pereira da Silva. Analisemos o contributo de cada um destes domínios:

a) No domínio internacional, discute-se se não estão hoje formados um conjunto de princípios de índole consuetudinária de preservação da natureza (discussão que parece concluir que existem efectivamente alguns princípios nessa sede,, para além da existência de um conjunto de textos relativos ao ambiente, sejam de carácter multilateral como aqueles que são emitidos no quadro de organizações internacionais, como as Nações Unidas ou a OCDE (como é exemplo a Declaração das Nações Unidas sobre Ambiente Humano, em 1972, na cidade de Estocolmo, Suécia), ou de carácter bilateral, como é o caso dos textos que regulam as relações de vizinhança em matéria ambiental, racionalizando os recursos comuns ou prevenindo a poluição transfronteiriça. Aqui, nota ainda para o artigo 8º nº1 da CRP que consagra uma norma de recepção das normas e princípios de Direito Internacional, enquanto o nº2 desse mesmo artigo prevê a recepção das normas constantes de convenções internacionais após a ratificação ou aprovação e publicação oficial.

b) No ordenamento comunitário, a partir de 1987, com o AUE, o Direito Ambiental passa a ser objecto de tratamento autonomizado, muito embora, desde a década anterior, as preocupações ambientais fossem sentidas, no quadro das políticas materializadas na Comunidade Europeia, quer no domínio das políticas comuns, como a PAC e a política de pescas comuns, quer através de regulamentos específicos que manifestam estas preocupações ambientais, podendo-se exemplificar esta última realidade, invocando a Recomendação 79/3 de 19 de Dezembro de 1978, que propõe um sistema uniforme de avaliação dos custos da protecção ambiental na actividade industrial, podendo-se falar hoje, trilhado este caminho, de um verdadeiro Direito Europeu do Ambiente, que pode ser definido através do artigo 8º nº3 da CRP que estabelece a vigência directa na ordem interna das normas emanadas por orgãos da União Europeia, mas essencialmente pelos mecanismos jurisdicionais próprios dos orgãos da União Europeia e da própria consciencialização do ambiente como algo de verdadeiramente importante, um despertar da consciência ecológica, verificado nos últimos anos, um pouco por toda a Europa.

c) No plano da Constituição da República Portuguesa, salienta-se o artigo 9º d) e f) da CRP, relacionado com as tarefas fundamentais do Estado e, essencialmente, o artigo 66º que consagra, na nossa lei fundamental, um Direito ao Ambiente, discutindo-se depois, o que se consagra verdadeiramente neste artigo, remetendo-se essa discussão para um texto da Professora Carla Amado Gomes, que, tendo em conta a índole deste trabalho, não pode aqui ser devidamente tratado.

d) Ao nível legislativo ordinário, devem ser salientados um conjunto de documentos de grande importância em sede de Direito do Ambiente, desde logo a Lei de Bases do Ambiente ou a Lei das ONGAS, decretos-lei importantes como o que estabelece o regime da licença ambiental e ainda decretos legislativos regionais sobre matérias várias.

e) Ainda nota, para invocar o PDM e outros regulamentos administrativos, como o decreto regulamentar 9/2000 que cria o Parque Natural do Tejo internacional.

f) Por último, no que às fontes do Direito do Ambiente diz respeito, temos em consideração outras formas de actuação administrativa, como sejam os actos e os contratos administrativos, destacando-se, por exemplo, o acto administrativo de licenciamento de uma urbanização, que fica condicionado à realização e manutenção de espaços verdes pelo particular;

A este respeito parece-nos ainda importante aditar alguns apontamentos (necessariamente breves, tendo em conta a índole deste trabalho e o seu tema central – de resto seria possível elaborar um trabalho apenas sobre este aspecto!) sobre a discussão em torno da necessidade de se codificar o Direito do Ambiente.
Assim, existem duas teses quanto a esta problemática. Uma primeira, defendendo a codificação do direito ambiental, argumenta que essa realidade conferiria uma maior certeza e segurança do direito facilitando a aplicação jurídica do Direito Ambiental, para além, da harmonização e simplificação das disposições aplicáveis, eliminando-se as contradições existentes entre diplomas, enfim, numa expressão de Alexander Schmidt, o objectivo seria conseguir-se mais protecção do ambiente através de um número mais reduzido de normas (“mehr Umweltsschutz durch weniger Normen”).
Em sentido contrário, advogam os opositores da codificação, que é mais adequado a procura de soluções in concreto, do que uma codificação em termos mais genéricos, até pela enorme dificuldade que é codificar uma matéria de tão fácil e frequente mutabilidade como é o Direito do Ambiente, preferindo-se dar primazia ao papel do juiz, em detrimento do papel do legislador.
O que dizer desta discussão? Em primeiro lugar, na esteira do afirmado pelo Professor Vasco Pereira da Silva, existe uma impossibilidade óbvia de codificar todas as normas de Direito Ambiental, aliás, isso seria mesmo indesejável, na medida em que não ia ao encontro do objectivo de se conseguir regular o Direito do Ambiente de forma mais eficaz e com um número inferior de normas, tal como é apanágio da formulação de Schmidt. Assim, a codificação poderia ser feita ou no que respeita a uma parte geral do Direito do Ambiente (donde poderia constar os princípios gerais ambientais, os principais direitos e deveres, a organização administrativa do ambiente, as regras comuns de procedimento, os principiais procedimentos decisórios, como seja o procedimento administrativo de avaliação de impacto ambiental, as formas de actuação dos poderes públicos em sede de direito do ambiente e o contencioso ambiental, numa sistemática proposta pelo Professor Vasco Pereira da Silva). Por outro lado, outra hipótese seria a da codificação das partes especiais, codificando-se os regimes jurídicos específicos, como seja o regime do ar, da luz, do solo, da flora e da fauna ou da água.
Feita a análise comparativa dos dois argumentos, seguimos a posição do Professor Vasco Pereira da Silva, na medida em que, parece-nos recomendável a codificação do Direito do Ambiente, tanto na parte geral, como nas partes especiais. Parece-nos urgente harmonizar a legislação ambiental, eliminando as contradições, repetições e imprecisões que podemos encontrar no vasto rol de leis de Direito do Ambiente que podemos encontrar. Enfim, a codificação significaria também um impulso para o desenvolvimento cientifico e dogmático do Direito do Ambiente.
Conhecidas as fontes do Direito do Ambiente e analisado, em linhas gerais, o problema da eventual necessidade de codificação do Direito Ambiental, podemos, então, colocar os vários “óculos” que nos permitirão visionar o Direito do Ambiente segundo as mais diversas perspectivas. É o que faremos, de seguida.

3. Direito do Ambiente; As várias perspectivas

Por tudo o que foi dito supra, conclui-se que é possível abordar o Direito do Ambiente, segundo diversas perspectivas, assim:

 Assim, podemos falar de um Direito Internacional do Ambiente, que tem desenvolvido um conjunto de regras, quer substantivas quer procedimentais, destinadas a serem aplicadas a conjuntos específicos de Estado ou, noutras situações, valendo erga omnes. Este Direito Internacional do Ambiente recorre não só às disposições constantes de tratados, como às resoluções de Organizações Internacionais. A importância do Direito Internacional do Ambiente, advém desde logo do facto dos problemas ecológicos assumirem uma escala global, sendo que o seu solucionamento depende, inúmeras vezes, de uma atitude consertada entre os vários estados, como é o caso do Aquecimento Global. Por outro lado, os grandes fóruns de discussão ambiental, acontecem na cena internacional, com diversas conferências e cimeiras onde se discutem os grandes assuntos da protecção ambiental.

 Mas podemos também falar de um Direito Comunitário do Ambiente, aludindo-se à ideia do direito do ambiente criado em sede comunitária, constatando-se a existência de uma pluralidade de órgãos próprios e de mecanismos específicos, em sede da União Europeia, que estabelecem políticas e mecanismos jurídicos efectivos de protecção ambiental – numa perspectiva interna, quer dizer, na acção que se reflecte sobre os estados-membros, e numa outra perspectiva, como agente importantíssimo na defesa do ambiente no contexto mundial. Assim, a consciencialização ecológica do Direito do Ambiente, no plano comunitário, evidenciada a partir da década de 70 e materializada no QUE em 1987, tem sido uma forte alavanca nos avanços na defesa do meio-ambiente.

 No plano do Direito Constitucional, remetemos para o que foi dito supra, quando abordámos a lei fundamental como fonte do Direito do Ambiente, salientando-se apenas a ideia de uma verdadeira Constituição do Ambiente, que assume uma dimensão objectiva e subjectiva, materializada nos artigos 9 nº1 d) e e) e no plano dos direitos fundamentais, no artigo 66º da CRP.

 Ainda, a referência à existência de uma tutela penal do Ambiente. A este respeito remetemos para o que foi dito, no outro texto, onde abordámos de forma mais especifica a tutela penal e contra-ordenacional do Ambiente.

 Podemos ainda ver o Direito do Ambiente, com os “óculos” do Direito Processual, lembrando da dificuldade e da importância da adequação de institutos gerais em sede de contencioso, ao Direito do Ambiente.

 Outra perspectiva será a de analisar o Direito Ambiental, no quadro do Direito Económico, Financeiro ou Fiscal, consagrando-se com grande intensidade nos nossos dias, a necessidade de harmonizar e equilibrar um conjunto de princípios de índole económica com os princípios ambientais, num quadro de desenvolvimento sustentável, constituindo hoje um dos principais desafios para o legislador e para o aplicador do direito, a consciência de que não é possível uma protecção máxima, por ventura requerida pelo Ambiente, que significaria uma emissão de poluição inexistente, nem é possível, no quadro da consciência ecológica que hoje existe, um grau de poluição máximo, que satisfizesse simplesmente um critério económico, quer dizer, uma produção máxima, sem olhar aos custos no meio ambiente. Mas uma outra vertente, é ainda, mais pela via fiscal, a de aplicação de impostos sobre actividades poluentes ou a atribuição de benefícios fiscais a comportamentos “amigos” do ambiente, salientando-se, ainda, alguns princípios de origem ou de componente económica, como seja o referido principio do desenvolvimento sustentável, do aproveitamento racional dos recursos ou do poluidor-pagador.

 Enfim, podemos adoptar a perspectiva do Direito Civil do Ambiente, salientando-se aqui as regras sobre as relações de vizinhança presentes no Código Civil, que podem ter uma interpretação ambiental. Outra questão prende-se com o instituto da responsabilidade civil que enfrenta hoje novos desafios no domínio ambiental.


 Por último, o Direito Administrativo do Ambiente, tem funcionado, na opinião do Professor Vasco Pereira da Silva, como uma espécie de laboratório do Direito Administrativo. Assim foi, no plano substantivo, com grande destaque no que respeita à figura da relação jurídica multilateral, que teve o seu inicio em sede de Direito do Ambiente mas que rapidamente se transformou num conceito central do Direito Administrativo, assim foi também no que respeita ao plano procedimental com o surgimento de procedimentos específicos dos fenómenos ambientais, como seja o procedimento administrativo de licença ambiental. Quanto ao contencioso administrativo, os meios processuais são colocados ao serviço das relações de ambiente.


4. Conclusões

Que conclusões podemos retirar de tudo o que fomos observando ao longo desta exposição? Desde logo, que existe um conjunto de ramos do direito que contribuem decisivamente para materializar o Direito do Ambiente e que conferem à disciplina ambiental uma diversidade ímpar.
Gomes Canotilho, alega que “o jurista de ambiente deve confessar a sua humildade e reconhecer que sem o amparo de outros ramos do direito não é possível edificar um corpus teórico suficientemente autónomo para abarcar todas as multidimensionalidades dos problemas ambientais”, aludindo à ideia de que, efectivamente, a corporização do Direito do Ambiente só foi possível graças aos inúmeros contributos e perspectivas que observámos nos números anteriores.
Prieur, no seu “Droit de l’Environnement”, avança com a ideia do Direito do Ambiente ser traçado a partir de uma série de círculos concêntricos que abrangem vários ramos do Direito, enfim, poder-se-á dizer que o Direito do Ambiente, tal como anota a Professor Carla Amado Gomes, é dotado de uma grande transversalidade, que cobre quase todas as áreas do direito.
O Professor Vasco Pereira da Silva, reconhecendo estas ideias, e admitindo que o Direito do Ambiente começa a dar os primeiros passos no sentido de uma dogmática própria, na medida em que a doutrina e a jurisprudência desenvolvem um conjunto de princípios específicos desta disciplina, como seja o principio do poluidor pagador ou do desenvolvimento sustentável ou certos procedimentos próprios, como a avaliação de impacto ambiental, considera que, não obstante estes factores de aglutinação, os mesmos são insuficientes para se sustentar uma autonomia dogmática do Direito do Ambiente, afirmando, metaforicamente, que o Direito do Ambiente será como um “jardim de condomínio” que engloba um conjunto de matérias provenientes de ramos diferenciados do ordenamento jurídico. Assim, este Professor, considera que se faz sentido afirmar uma autonomia pedagógica do Direito do Ambiente, sustentando a necessidade e utilidade do estudo universitário das matérias especificamente ambientais, aliás, devendo mesmo descer-se, como sucede noutros países europeus, ao estudo, por exemplo, do Direito Internacional do Ambiente, Direito Constitucional do Ambiente, Direito Fiscal do Ambiente, complementando a teoria geral conseguida com o estudo da cadeira de Direito do Ambiente com estas matérias mais especificas.
Num sentido diverso, o Professor Gomes Canotilho defende a autonomia dogmática do Direito do Ambiente, embora considere tratar-se de uma autonomia relativa, já que “ o que deverá estar em causa não é uma afirmação radical de independência do Direito do Ambiente mas a ideia de que este Direito implica necessariamente a revisão dos institutos, das técnicas e dos instrumentos dogmáticos clássicos de outros ramos do Direito”.
Em nosso entender, parece-nos que progressivamente o Direito do Ambiente dá passos para garantir a sua autonomia dogmática, acentuando-se os dados aglutinadores, mitigando-se os dados de dispersão do estudo cientifico do direito ambiental, pelo que, se ainda não é possível falar-se numa autonomia dogmática do Direito Ambiental, o mesmo poderá não suceder daqui a alguns (poucos anos).

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