quinta-feira, 8 de abril de 2010

Tema 33

Os Contratos de Promoção e Adaptação Ambiental

I - Introdução
II - Análise das bases legais dos contratos de Promoção e Adaptação Ambiental. Conformidade com o princípio da legalidade.
III - A Tutela procedimental de terceiros
IV - Natureza Jurídica dos contratos de Promoção e Adaptação Ambiental
V - Bibliografia


I - Introdução
Face aos resultados negativos da execução dos comandos legais em matéria ambiental, especialmente dos que impõem limites máximos de emissões poluentes, a Administração tem vindo a celebrar contratos destinados a fazer com que os particulares se submetam ao cumprimento de padrões ambientais. Numa área em que conflituam diversos interesses públicos e privados cuja conformação e articulação óptima é insusceptível de ser antecipada e programada pelo comando geral e abstracto, a celebração destes contratos contorna a rigidez dos tradicionais instrumentos de actuação por motivos de eficácia. Deste modo, por serem dados a conhecer à Administração todos os interesses públicos e privados em presença, esta terá possibilidade de efectuar uma ponderação integrada das soluções que se perfilam para a sua adequada harmonização. Por outro lado, o consenso e o acordo surgem como complementos legitimadores idóneos da menor legitimação trazida pela norma legal, ou seja, a legitimidade democrática cede perante uma legitimidade fundada directamente na sociedade. Dois exemplos destes contratos são os contratos de promoção e adaptação ambiental. Como primeira abordagem destas duas figuras que de seguida procedo ao seu estudo, a lei considera que os contratos de adaptação ambiental destinam-se à adaptação das empresas aderentes à legislação ambiental em vigor através da concessão de um prazo e a fixação de um calendário, e implicam uma derrogação do regime legalmente estabelecido, em matéria de qualidade da água, por via negocial – art. 78º do DL 236/98. Diferentemente, através dos contratos de promoção ambiental, as empresas vinculam-se a desempenhos mais exigentes do que os que resultariam dos normativos em vigor, acordando num plano de melhoramento da sua capacidade ambiental sem que tal lhes seja exigível por lei, tendo como contrapartida, por exemplo, o gozo de vantagens devidas à maior selectividade da procura por razões ambientais e a atribuição de auxílios subvencionais. Assim, os contratos de promoção ambiental destinam-se à promoção da melhoria da qualidade das águas e da protecção do meio aquático através do estabelecimento de um prazo e a fixação de um calendário nos termos dos quais os particulares se comprometem a seguir normas de descarga mais exigentes do que as que se encontrem em vigor para o sector de actividade e para as empresas aderentes – art. 68º do DL 236/98.

II - Análise das bases legais dos contratos de Promoção e Adaptação Ambiental. Conformidade com o princípio da legalidade

1. O art. 35º, nº2 da LBA. Os contratos de redução da carga poluente.
Este preceito consagrou pela primeira vez no nosso ordenamento uma factispecies de contrato ambiental ao referir que o Governo poderá celebrar “contratos-programa” com vista a reduzir gradualmente a carga poluente das actividades poluidoras. A questão consiste em averiguar se este preceito habilita a Administração a suspender por via contratual normas que estabeleçam limites máximos de emissões poluentes, em paralelo com a admissibilidade dos contratos de adaptação ambiental, tendo em conta que o referido preceito foi uma das bases normativas invocadas pela Administração aquando da celebração dos contratos de adaptação nos anos noventa. Em primeiro lugar, esta norma reporta-se a uma realidade ligada às actuações administrativas de fomento, que consistem na celebração de contratos-programa através dos quais a Administração, em troca de uma componente subvencional, procura incitar os particulares a desenvolverem actividades de interesse público. Tendo em conta que os contratos-programa são contratos de execução prolongada no tempo, dificilmente podem ser concebidos como um instrumento para acudir a uma situação de emergência, daí a incongruência entre o capítulo da LBA em que o preceito se integra e a natureza destes contratos. Nessa medida, é defensável que os contratos sejam vistos como uma alternativa às medidas mais gravosas prevista no nº 1 - que prevêem a suspensão e redução da laboração -, através de uma actuação preventiva. Por outro lado, este preceito não poderia proceder à derrogação temporária de normas imperativas pois padece de um reduzido grau de densificação normativa, por força do princípio da determinabilidade das leis. Portanto, com base nas características deste tipo de contratos, o art. 35º,nº2 não habilita só por si, à derrogação por via administrativa de normas de polícia ambiental de carácter imperativo. Todavia, se se entendesse o contrário, tal norma seria inconstitucional por violação do princípio da tipicidade das formas de lei ou do congelamento do grau hierárquico dos actos normativos, previsto no art. 112º, nº6 da CRP, na medida em que ocorreria uma completa subversão da hierarquia das fontes efectuada por uma fonte secundária – o contrato.

2. O DL 74/90, de 7 de Março, e os contratos de adaptação ambiental
A partir da década de 90 a Administração celebrou com associações representativas de diversos sectores económicos contratos nos quais concedia às empresas poluidoras que já estivessem implantadas à data da entrada em vigor do DL 74/90 – que estabeleceu as “normas de qualidade da água” -, e àquelas que aderissem ao acordo, um prazo para se adaptarem à legislação ambiental vigente. Com efeito, as empresas que aderiam àqueles contratos ficavam “autorizadas”, por determinado período, a desenvolver níveis de poluição que ultrapassavam os limites estabelecidos nos dispositivos legais em vigor. Em contrapartida, aquelas empresas obrigavam-se a dar cumprimento às prescrições estabelecidas e aos prazos indicados no plano de adaptação ambiental acordado, bem como a adaptarem os seus processos produtivos às normas ambientais até ao termo da vigência dos contratos. Estes contratos eram designados por “contratos de adaptação ambiental”e apoiavam-se no art. 40º, nº3 do referido diploma, que atribui competência ao Director-Geral da Qualidade Ambiental (actualmente, o Director-Geral do Ambiente) para, relativamente às empresas já implantadas à data da sua entrada em vigor, fixar por despacho um prazo de adaptação às normas de descarga de águas residuais estabelecidas neste diploma. Com efeito, a Administração ambiental sentiu-se legitimada para exercer as competências que lhe foram atribuídas por via de contrato, alegando o princípio da fungibilidade entre actos e contratos administrativos prevista no art. 179º do CPA, e apelando à abertura da via contratual estabelecida no art. 35º, nº2 da LBA. Contudo, a competência atribuída à Administração não consiste na derrogação de normas de polícia ambiental que este diploma (e outros) vem definir, mas sim na determinação da entrada em vigor das novas normas de descarga de forma diferida e faseada para determinados destinatários. Assim, em alternativa à emanação do mencionado despacho do director-geral, a Administração procedia à celebração de contratos de adaptação ambiental que, nessa medida, integrariam a categoria de contratos substitutivos ou com objecto passível de acto administrativo. Por conseguinte, o art. 40, nº3 do DL 74/90 constituía base normativa suficiente para a celebração de contratos de adaptação ambiental, uma vez que o seu conteúdo não acarretaria a derrogação de normas legislativas imperativas porque as normas de descarga a que diziam respeito não entravam em vigor a não ser no termo da execução do próprio contrato. O problema é que, através deste preceito, o início de produção de efeitos de actos legislativos fica totalmente dependente da prática de um acto administrativo ou da celebração de um contrato administrativo. Este expediente revela um caso de “elevação do acto administrativo ao estalão legislativo”, que é proibido pelo princípio da tipicidade das leis, porque implica uma incorporação do conteúdo do acto administrativo no âmbito da própria lei e desrespeita a hierarquia das fontes. Assim, por consentir que um acto administrativo integre o conteúdo material da lei, o art. 40, nº3 é inconstitucional por violar o art. 112, nº6 da CRP. Uma solução adequada seria o estabelecimento pela lei de um prazo máximo de adaptação, dentro do qual fosse atribuída competência à Administração para fixar um prazo concreto de adaptação sectorial. Tendo em conta que a aplicabilidade de um acto legislativo fica totalmente dependente da vontade da Administração e que o poder atribuído ao director-geral redunda numa discricionariedade quanto ao momento do exercício, caso não seja elaborado um tal acto administrativo, a lei pode nunca chegar a entrar em vigor para as empresas destinatárias.
Os contratos de adaptação ambiental que foram celebrados pela Administração com base no DL 74/90 foram muito além daquilo a que a Administração estaria habilitada por força do seu art. 40º, nº3. Os contratos-quadro permitiam a adesão de qualquer empresa do sector contratualizado, não restringindo essa possibilidade às empresas já instaladas à data da entrada em vigor do DL 74/90, como dispõe o art. 40º, nº3. Por outro lado, estes contratos concediam um prazo de adaptação das empresas aderentes a um vasto conjunto de normas ambientais vigentes (normas imperativas em matéria de emissões atmosféricas, resíduos e emissões sonoras) e não apenas às novas normas de qualidade de água que entravam em vigor com o referido diploma. Alguma doutrina defende que o fundamento destes contratos estaria na margem de discricionariedade de que goza a administração para iniciar ou não os procedimentos sancionadores. Contudo, no ordenamento jurídico português não vigora um princípio de oportunidade quando ao poder de impulsionar os processos contra-ordenacionais, ou seja, as autoridades administrativas competentes para abrir processos de contra-ordenação por violação de normas ambientais não estão habilitadas para decidir não aplicar as coimas previstas nas diversas leis com base em considerações de oportunidade ou de eficácia. As autoridades administrativas também não podem vincular-se de forma genérica ao não exercício temporário desse poder, senão estariam a alienar a possibilidade de o exercer a todo o tempo, o que acarretaria a violação do princípio da inalienabilidade e irrenunciabilidade de poderes públicos. Assim, considerando que a solução contratada implicará necessariamente uma violação do dever de promover o processo contraordenacional previsto na lei, na parte em que excedem o âmbito da disposição transitória inclusa no art. 40º, nº3, os contratos são inválidos. Quanto ao regime de invalidade deste tipo de contratos, uma vez que têm um objecto passível de acto administrativo, aplica-se-lhes, de acordo com o art. 185º, nº3, alínea a) do CPA, o regime de invalidade do acto administrativo. Assim, uma vez que o vício de violação de lei gera a anulabilidade dos actos, todos os contratos de adaptação ambiental celebrados pela Administração com base no DL 74/90 seriam anuláveis.

3. Os contratos-programa para redução de emissões de poluentes atmosféricas, previstos no art. 17º do DL 352/90, de 9 de Novembro

O DL 352/90, que regula o sistema de protecção e controlo da qualidade do ar, prevê no art. 17º, nº4 uma possibilidade de recurso à via contratual. Este artigo estabelece que “para os sectores industriais ou empresas que venham a estabelecer, nos dois primeiros anos vigência deste decreto-lei, contratos-programa com a Administração para redução de emissões, o período de adaptação das instalações existentes aos limites de emissão (…) (sendo que, o respectivo nº1 fixava um prazo geral de adaptação de 5 anos) pode ser excepcionalmente prorrogado até um máximo de 10 anos, desde que até ao fim do período inicial de 5 anos haja uma redução efectiva e mensurável das emissões poluentes e que estas não excedam em mais de 50% os valores limites.”As normas que estabelecem os valores limite de emissões e cuja violação importa uma contraordenação são normas de natureza regulamentar. Por outro lado, os arts. 5º e 9º dispõem que os valores limite para a emissão de determinados poluentes e os valores limite de emissão para instalações industriais são fixados por portaria conjunta dos Ministros da Economia e do Ambiente e do Ordenamento do Território. O que significa que a lei qualifica como de natureza infra-legal as matérias que vão ser objecto do contrato-programa do art. 17º. Deste modo, o art. 17º estabelece um prazo de adaptação de 5 anos às disposições da mencionada portaria e atribui competência aos referidos ministros para prorrogarem esse prazo, por via contratual. Esta previsão legal consubstancia uma boa maneira de fundamentar a celebração de contratos de adaptação ambiental e apela às exigências de eficácia e aderência à realidade das normas sem deixar de tutelar a confiança dos administrados. A única desvantagem desta solução consiste na menor solenidade das normas que consagram limites imperativos de emissões poluentes que, como consequência, se tornam menos estáveis e mais sujeitos às pressões e vicissitudes políticas.



4. Os novos contratos de adaptação ambiental, previstos no art. 78º do DL 236/98, de 1 de Fevereiro
O DL 236/98, além de ter procedido à primeira previsão expressa da figura dos contratos de adaptação ambiental, que durante anos se apoiou em bases jurídicas de natureza dúvida e que não eram especificamente dirigidas a regular este tipo de contratos, consubstancia a única previsão normativa específica de contratos ambientais do tipo em causa. Este diploma vem estabelecer “normas, critérios e objectivos de qualidade com a finalidade de proteger o meio aquático e melhorar a qualidade das águas em função dos seus principais usos”, revogando o DL 74/90. Ao passar a letra de lei o que já resultava da prática administrativa, o presente diploma tentou sanar a deficiente base legal que os contratos originais apresentavam.
O art. 78º estabelece no seu nº1 que “com vista à adaptação à legislação ambiental em vigor, nomeadamente às disposições do capítulo V, das instalações industriais e agro-alimentares em funcionamento à data em vigor do presente diploma e à redução da poluição causada pela descarga de águas residuais no meio aquático e no solo, poderão ser celebrados, entre as associações representativas dos sectores, por um lado, e os MA e ministério responsável pelo sector da actividade económica por outro, contratos de adaptação ambiental”. O nº 3 prevê que “o objecto destes contratos é a concessão de um prazo e a fixação de um calendário, a cumprir pelas empresas aderentes e, eventualmente, a definição das normas de descarga que, nos termos do art. 65º, deverão ser tomadas em conta pela entidade licenciadora, aquando da atribuição ou renovação das licenças de descarga, na fixação das normas de descarga a respeitar pelas instalações das empresas aderentes sendo que, no caso da renovação das licenças, a aplicação das disposições do presente artigo não poderá dar lugar à fixação de condições menos exigentes do que as que constam das licenças em vigor”. O nº 1 do artigo estabelece que os contratos são celebrados com as empresas já instaladas à data de entrada em vigor do diploma, “… com vista à adaptação à legislação ambiental vigente…”, que parece estar ligado à parte do nº3 quando dispõe que “o objecto destes contratos é a concessão de um prazo e a fixação de um calendário a cumprir pelas empresas aderentes…”. Apesar de parecer resultar da análise destes preceitos que aqui reside uma base habilitante para que, por via contratual, se possam isentar as empresas aderentes, durante o período de adaptação, do cumprimento de quaisquer normas ambientais imperativas que estejam em vigor, essa solução seria constitucionalmente inaceitável, pois implicaria uma violação do princípio da tipicidade das formas de lei. Tal preceito não pode habilitar a Administração a suspender a todo o tempo os efeitos de outros diplomas legais através de contrato administrativo, portanto aquela norma deve ser interpretada restritivamente, conforme à Constituição, de forma a limitar o seu âmbito de aplicação aos processos de adaptação das empresas já instaladas à nova legislação que é introduzida pelo novo diploma. Assim, quando na segunda parte do nº1 do artigo em análise se refere que os contratos têm em vista a adaptação “nomeadamente às disposições do capítulo V…”, deve entender-se que o advérbio “nomeadamente” apenas pode querer significar que as outras normas relativamente às quais a contratualização é permitida, para além das do capítulo V, são necessariamente normas constantes do próprio diploma e não de outros diplomas legais.
Contudo, outro problema é levantado neste preceito. A consagração da possibilidade de se contratualizar um prazo e um calendário de adaptação à nova legislação substantiva que entra em vigor com o novo diploma é inconstitucional pois habilita a Administração a, por via contratual, suspender os efeitos das normas que o diploma em causa veio consagrar, desrespeitando o art. 112º, nº6 da CRP. Em prol do princípio da tutela da confiança dos administrados e da concertação ambiental, este diploma autoprecariza-se, subvertendo a hierarquia formal das fontes.
O nº1 do art. 78º separa aquilo que está relacionado com “a adaptação à legislação ambiental, nomeadamente com as disposições do capítulo V…” daquilo que é referido na sua segunda parte, que está ligado à redução de poluição causada pela descarga de águas residuais. Esta segunda parte teve em consideração os contratos de simples melhoria de desempenhos ambientais, que não envolvem uma derrogação ou adaptação temporária dos dispositivos legais em vigor, mas que se consubstanciam na figura dos contratos de promoção ambiental, previstos no art. 68º.
Tendo em conta que os contratos de adaptação ambiental dificilmente são compatíveis com os princípios fundamentais, o papel destes contratos deve ser perspectivado como marginal ou residual relativamente a outros instrumentos de actuação administrativa ambiental.
Por fim, a celebração de contratos administrativos em matéria ambiental pode ser lícita nos seguintes quatro casos:
• Contratos de promoção ambiental, através dos quais as empresas poluidoras vinculam-se e melhorar as suas prestações ambientais a níveis que superam os standards ambientais mínimos estabelecidos por lei;
• Contratos pelos quais os particulares obrigam-se a um plano de adaptação a normas de natureza regulamentar;
• Contratos de adaptação a normas legais que estabeleçam limites imperativos de poluição, mas cuja previsão ou estatuição comportem uma determinada margem de abertura, pelo recurso a conceitos que contenham elementos de discricionariedade;
• Contratos substitutivos de actos administrativos praticados no exercício de poderes administrativos de polícia ambiental de tipo preventivo, a exercer em procedimentos de iniciativa de particulares.


III - A Tutela procedimental de terceiros
Os contratos administrativos em matéria ambiental versam sobre situações em que deve efectuar-se uma harmonização entre valores e direitos constitucionalmente protegidos de natureza conflituante, como a liberdade de iniciativa económica privada, o princípio da segurança jurídica e da tutela da confiança e o Direito Fundamental ao Ambiente. Assim, sobre estas situações em tensão projectam-se quer posições jurídico-subjectivas ligadas ao ambiente de particulares terceiros aos contratos – mas que são parte nas relações jurídicas multilaterais que aqueles geram -, quer legitimidades difusas associadas ao reconhecimento do ambiente como um bem jurídico objectivo que toda a colectividade tem o dever e a faculdade de proteger. O procedimento é considerado o instrumento ideal de tutela preventiva e de conciliação dos diversos interesses públicos em presença e dos direitos e interesses dos particulares susceptíveis de serem lesados pela actuação administrativa. Com fundamento nestas considerações, o art. 181º do CPA manda aplicar à formação de contratos administrativos as disposições relativas ao procedimento administrativo, com as necessárias adaptações, que estão normalmente associadas à produção de actos administrativos. Assim, todas as vinculações jurídico-procedimentais ligadas à produção de um acto, como as relativas aos direitos de participação dos interesses para defesa dos seus direitos, se aplicam igualmente à formação da decisão de contratar pela Administração.
No ordenamento jurídico ordinário há um insuficiente desenvolvimento do direito fundamental da participação procedimental dos particulares. A actuação administrativa pode contender com um número elevado de titulares de direitos subjectivos públicos contrapostos – procedimentos de massa - e com os bens jurídicos cuja protecção constitui o objecto social das associações ambientalistas, que têm, por regra, uma atitude voluntarista e participativa. Para além dos mecanismos de notificação obrigatória individual já previstos na lei, deve haver um mecanismo geral e complementar de obrigatoriedade de notificação pública de todos os interessados, quer necessários, quer eventuais. Por exemplo, a Lei da Acção Popular devia ser revista no sentido de o art. 4º incluir os contratos-programa sectoriais na área do ambiente, assim equiparando estes contratos aos planos referidos no nº1 do preceito e sujeitando-os ao anúncio público previsto no art. 5º. Uma solução deste tipo deveria ter sido incluída no regime jurídico dos contratos ambientais definidos no art. 78º do DL 236/98, em relação à celebração dos contratos-quadro referentes aos diversos sectores, mas aquele preceito não se debruça acerca da participação e consulta dos interessados, inclusive das associações ambientalistas. Estes contratos-quadro de adaptação sectorial deveriam ser obrigatoriamente sujeitos a parecer não vinculativo das associações ambientalistas e estas deveriam poder estar representadas nas comissões de acompanhamento da execução dos contratos. Os contratos-quadro e os planos de adaptação ambiental que são celebrados entre o Governo e as associações sectoriais e que, a partir do DL 236/98, comportam uma fase pré-contratual procedimentalizada – nºs 5 e 6 do art. 78º -, referem-se aos diversos sectores económicos sem individualizar as empresas. O problema é que não é a celebração do contrato-quadro que pode contender com os direitos subjectivos dos particulares, mas sim o vínculo contratual decorrente da adesão das empresas. Os “vizinhos ambientais” dificilmente poderão prognosticar que um contrato de adaptação sectorial poderá lesar os seus interesses, pelo que só sentirão um impulso participativo quando a unidade poluidora de que eventualmente sejam vizinhos se decida a aderir ao contrato. Se se considerasse que os direitos de participação procedimentais são garantidos pela possibilidade de intervirem no procedimento pré-contratual do contrato-quadro, estar-se-ia a adoptar uma concepção meramente formalista-processual do procedimento, quando o entendimento de que este é um mecanismo de tutela subjectiva de direitos e em si um direito fundamental impõe uma perspectiva substantivista das normas procedimentais destinadas a garantir a participação dos interessados. Por outro lado, já que as empresas podem aderir aos contratos e desse modo ficarem imunes às medidas sancionatórias, sem que sejam ainda explícitas as suas obrigações de cumprimento do plano de adaptação, também a Administração Pública ficará fragilizada.
Por fim, o DL 236/98 devia ser alterado no sentido de abranger os seguintes mecanismos:
• O plano de adaptação, ou mesmo de promoção sectorial, seria aprovado por contrato celebrado entre as associações sectoriais e a Administração, após apreciação pública;
• De seguida abrir-se-ia um prazo para que as empresas aderentes se candidatassem a essa adesão, mediante a entrega para apreciação ao Ministério do Ambiente do seu plano específico de adaptação;
• A comissão de acompanhamento deve passar a apreciar o plano específico de adaptação de cada empresa antes da adesão se efectivar;
• Só depois da aprovação do plano específico por esta comissão se consideraria a adesão consumada. A interposição, entre o contrato quadro e a adesão individual, de um acto procedimental, daria assim oportunidade aos interessados eventuais de aparecerem no procedimento e poderem intervir neste.


IV - Natureza Jurídica dos contratos de Promoção e Adaptação Ambiental
A questão que se coloca nesta sede consiste em saber se as figuras em estudo consubstanciam verdadeiramente instrumentos de natureza contratual ou se antes são reconduzíveis, no que têm de constitutivo, à vontade unilateral da Administração. Para responder àquela questão é preciso apurar se a vontade dos particulares co-contratantes da administração é ou não determinante no surgimento e na conformação da relação jurídica que emerge do contrato. O Professor Vasco Pereira da Silva refere que é preciso apurar “… se a fonte de validade e de eficácia de determinadas figuras é o consenso das partes, ou a manifestação de vontade unilateral da Administração, independentemente de se saber se as autoridades administrativas e os particulares se puseram ou não previamente de acordo acerca do seu conteúdo…”. Deste modo, para poder qualificar estas figuras como contratos é necessário que a vontade do particular seja qualificada ao ponto de se poder concluir que, no caso concreto, a relação jurídica surge da indispensável conjugação das vontades das partes e que aquela não tenha servido apenas para criar os requisitos legais para a prática de um acto reconduzível à vontade unilateral da Administração. A figura em apreço é complexa pois, do ponto de vista estrutural, se decompõe em dois momentos sucessivos: um primeiro, que consiste na celebração do “acordo-quadro”, outorgado entre a Administração e a associação empresarial representativa do sector económico em causa e, um segundo, consubstanciado nas adesões a esse acordo por parte das empresas do sector. Relativamente aos acordos que são celebrados entre a Administração e as empresas, a partir da adesão destas ao acordo quadro não há dúvidas de que se revestem de natureza contratual. O facto de as associações sectoriais poderem, em benefício das empresas do sector, propor e negociar o conteúdo concreto do plano de adaptação, bem como a constatação de que os mencionados planos, a cuja aceitação a Administração está vinculada a partir da celebração do acordo quadro, só obrigam as empresas a partir da sua adesão particular, expressa que existem aspectos reconduzíveis à figura do contrato. Apesar da liberdade de aceitação das empresas ser bastante mitigada, uma vez que a alternativa à adesão é a sujeição imediata às normas em vigor e aos poderes sancionatórios da Administração, as empresas detêm ainda assim a liberdade de não aderirem ao contrato-quadro, podendo tal decisão ser motivada pela constatação de que os custos envolvidos na reconversão seriam bastante maiores do que o custo a suportar com eventuais coimas. Por outro lado, também os vínculos jurídicos estabelecidos entre as associações empresariais e a Administração por virtude do acordo-quadro parecem ter natureza contratual, apesar de mitigada por vínculos mais lassos e de conteúdo variável. O acordo-quadro produz um importante efeito jurídico que consiste na formalização de uma proposta contratual às empresas do sector e na assunção da obrigação de não a revogar, sob pena de incumprimento contratual. Tal como explica a Professora Maria João Estorninho, estão aqui em causa contratos que envolvem “…o exercício típico da função administrativa”, que assim se perfilam como instrumentos utilizados em alternativa à actuação unilateral através de actos administrativos, ou através da integração do conteúdo daqueles actos. Deste modo, pode ser invocado o critério do objecto, segundo o qual estaremos perante um contrato de direito público quando o contrato tem por objecto a regulamentação de uma situação de exercício típico da função administrativa. Com efeito, os contratos de adaptação e promoção ambiental tratam-se de contratos administrativos, uma vez que criam direitos e deveres contratuais de direito público que originam a constituição ou modificação de uma “relação jurídica administrativa” – art. 178º CPA. A este propósito, o Professor Vasco Pereira da Silva defende a unificação do controlo judicial de toda a actividade contratual administrativa e a adopção de um conceito amplo de contrato administrativo como abrangendo todos os acordos de vontade decorrentes do exercício da função administrativa, possibilitando assim a unificação do regime jurídico de toda a actividade contratual da Administração. Por fim, tendo em consideração que os sujeitos da relação contratual podem ser quaisquer empresas que adiram a um acordo cujo conteúdo se encontre já pré-determinado, os contratos de adaptação e promoção ambiental são contratos de adesão.


V – Bibliografia
• Kirkby, Mark Bobela-Mota; Os contratos de adaptação ambiental : a concentração entre a administração pública e os particulares na aplicação de normas de polícia administrativa; Lisboa : AAFDL, 2001

• Silva, Duarte Rodrigues; Os contratos de adaptação ambiental; Lisboa, Tese de Mestrado FDL, 2001

• Silva, Vasco Pereira; Verde Cor de Direito; Almedina, 2002

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