sexta-feira, 23 de abril de 2010

O Direito ao Ambiente é um direito análogo aos direitos, liberdades e garantias?

A questão de saber se o direito ao ambiente é ou não análogo aos direitos, liberdades e garantias gira em torno da distinção feita, pela doutrina e jurisprudência nacionais, de classificação e de regime dos direitos, liberdades e garantias e dos direitos económicos, sociais e culturais, não obstante ao artigo 66º da Constituição da República Portuguesa que, apesar de prever que o direito ao ambiente é um direito fundamental, não é suficientemente esclarecedor quanto a saber se “se está ainda perante um “verdadeiro” direito fundamental ou se se trata antes de uma tarefa estadual “disfarçada”, em razão da necessidade de intervenção estadual de que depende a concretização da disposição constitucional”, VASCO PEREIRA DA SILVA, «Verde Cor de Direito – Lições de Direito do Ambiente», 2ª reimpressão da edição de Fevereiro 2002, Almedina, pág. 85.

Vamos portanto começar por analisar quais as principais características apontadas pela doutrina como sendo justificativas da distinção entre os direitos, liberdades e garantias e os direitos económicos, sociais e culturais para então no final, já com um melhor entendimento, chegarmos a uma conclusão e respondermos então á pergunta supra (do título).


Direitos, liberdades e garantias

A primeira característica destes direitos é a sua vertente negativa. São apontados pela doutrina como direitos negativos, ou seja, direitos de não interferência estadual para que fiquem protegidos de agressões estaduais.

A segunda característica é o seu carácter subjectivo. A doutrina entende que estes direitos são mais subjectivos, ou seja, pertencentes só a pessoas individualmente consideradas.

Como terceira característica temos a de que estes direitos são vistos como aqueles que estão mais próximos da dignidade da pessoa humana (questão muito discutível em virtude da posição de cada pessoa e do que é para si mais importante susceptível de lhes dar a sua liberdade individual digna de protecção jurídica).


Direitos económicos, sociais e culturais

Ao contrário do que atrás foi dito, e como primeira característica, estes direitos são entendidos como direitos positivos, na medida em que deve haver intervenção do Estado para que sejam concretizados, merecem “deveres de actuação e tarefas de concretização” por parte dos poderes públicos para que se verifiquem, VASCO PEREIRA DA SILVA, «Verde Cor de Direito – Lições de Direito do Ambiente», 2ª reimpressão da edição de Fevereiro 2002, Almedina, pág. 91.

Por outro lado, entende a doutrina que a vertente destes direitos é objectiva, na medida em que se configuram como “estruturas objectivas da comunidade”, VASCO PEREIRA DA SILVA, «Verde Cor de Direito – Lições de Direito do Ambiente», 2ª reimpressão da edição de Fevereiro 2002, Almedina, pág. 90.


Vamos agora fazer uma breve consideração sobre as características enunciadas e tomar posição sobre a questão: o direito ao ambiente é ou não análogo aos direitos, liberdades e garantias?

O professor VASCO PEREIRA DA SILVA, entende que os direitos fundamentais apresentam uma “dupla natureza” (para usar a expressão de HESSE), ou seja, tanto são direitos subjectivos, na medida em que possuem uma dimensão negativa que consiste na não interferência de entidades públicas susceptível de prejudicar os direitos dos cidadãos, como “configuram-se como estruturas objectivas da comunidade, pois compreendem também uma dimensão positiva, enquanto conjunto de valores e princípios conformadores de toda a ordem jurídica” que requerem uma actuação por parte dos poderes públicos, VASCO PEREIRA DA SILVA, «Verde Cor de Direito – Lições de Direito do Ambiente», 2ª reimpressão da edição de Fevereiro 2002, Almedina, pág. 90.

Na verdade, se os direitos, liberdades e garantias são negativos por o Estado não dever intervir de modo a garantir de forma imediata aos cidadãos, é também verdade que são positivos, na medida em que o Estado tem que intervir para os garantir quando estiverem a ser afectados por outros.

Do mesmo modo para os direitos económicos, socais e culturais porque, se o Estado deve intervir para concretizar esses direitos, deve também, no âmbito da sua intervenção, respeitar limites para não atentar contra esses mesmos direitos.

Apesar de tudo, é apontado pela doutrina um critério que permite distinguir estes dois direitos, que é o critério do “sob reserva do financeiramente possível” do Estado para garantir os direitos económicos, sociais e culturais (enquanto bens de natureza económica) de que prescindem os direitos, liberdades e garantias (bastando a sua mera consagração constitucional).

Então, justifica-se esta distinção?

Sim, a propósito do artigo 17º da Constituição da República Portuguesa que aparentemente parece prever regimes jurídicos distintos dizendo que há um regime próprio dos direitos, liberdades e garantias e outro diferente quando fala depois em direitos de natureza análoga, mas que para o professor VASCO PEREIRA DA SILVA deve entender-se estar aqui a falar “ portanto, de direitos fundamentais – leia-se: direitos económicos, sociais e culturais – que eram simultaneamente distintos e análogos dos direitos, liberdades e garantias”, VASCO PEREIRA DA SILVA, «Verde Cor de Direito – Lições de Direito do Ambiente», 2ª reimpressão da edição de Fevereiro 2002, Almedina, pág. 101.
Esta opinião não é unânime na doutrina em virtude da distinção feita, dentro do regime específico dos direitos, liberdades e garantias, de três sectores (regime material, orgânico e regime de revisão constitucional), entendendo o professor JORGE MIRANDA que no artigo 17º da CRP está só presente o regime material de que não gozam os direitos económicos, sociais e culturais mas tão somente os direitos, liberdades e garantias.
Mais próxima da opinião do professor VASCO PEREIRA DA SILVA está a opinião do professor JORGE REIS NOVAIS que entende que, apesar de haver diferenças entre estes direitos, ambos são constitucionais, impõem-se de tal facto ao poder constituído, e que deste modo, o regime próprio dos direitos, liberdades e garantias é extensível aos direitos sociais.
Já para o professor José de Melo Alexandrino, este artigo 17º da CRP é um mecanismo de ligação entre os direitos, liberdades e garantias e os direitos económicos, sociais e culturais, é uma norma de articulação entre os dois conjuntos.
Da perspectiva do professor VASCO PEREIRA DA SILVA não deve haver separação dos dois regimes jurídicos distintos, o dos direitos, liberdades e garantias e o dos direitos económicos, sociais e culturais, mas antes considerar que tais regras jurídicas devem ser aplicadas a todos os direitos fundamentais, quer na sua vertenta positiva, quer na vertente negativa.

Após esta análise, e agora em resposta á pergunta sobre se o direito ao ambiente é análogo aos direitos, liberdades e garantias, deve-se responder afirmativamente na medida em que, sendo o direito ao ambiente oriundo da terceira geração dos direitos humanos, onde se introduzia a tónica da protecção jurídica individual nos novos domínios do ambiente, em que como já vimos, tanto apresenta uma vertente negativa, que garante ao seu titular a defesa contra agressões ilegais, como uma vertente positiva, visto obrigar a actuação das entidades públicas para a sua efectivação “ao direito ao ambiente é de aplicar o regime jurídico dos direitos, liberdades e garantias, na medida da sua dimensão negativa, e o regime jurídico dos direitos económicos, sociais e culturais, na medida da sua dimensão positiva”, VASCO PEREIRA DA SILVA, «Verde Cor de Direito – Lições de Direito do Ambiente», 2ª reimpressão da edição de Fevereiro 2002, Almedina, pág. 103.
Com o mesmo entendimento o professor JORGE MIRANDA quando diz que “embora contemplado “ex professo” no título III da parte I da Constituição, o “direito ao ambiente” não suscita só, nem talvez primordialmente, direitos económicos, sociais e culturais. Conduz outrossim a direitos, liberdades e garantias ou a direitos de natureza análoga”,VASCO PEREIRA DA SILVA, «Verde Cor de Direito – Lições de Direito do Ambiente», 2ª reimpressão da edição de Fevereiro 2002, Almedina, pág. 101.

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