segunda-feira, 26 de abril de 2010

Legitimidade na tutela do Direito do Ambiente

Mas, afinal, a quem é indiferente a degradação do meio ambiente e da qualidade de vida que constantemente se atesta no nosso quotidiano?
E como pode o simples e pacato cidadão reagir contra o capitalismo e consumo desenfreado com que nos deparamos que esgota qualquer fonte de recursos naturais de que dispõe o nosso planeta?
O art.66º, nº1 da CRP estabelece que "todos têm direito a um ambiente de vida humano, sadio e ecologicamente equilibrado e o dever de o defender", formulação que também se encontra no art. 2º, nº1 da Lei de Bases do Ambiente (LBA, Lei nº 11/87 de 7 Abril).
Do art. 66º, nº1 CRP resulta a atribuição de um direito ao ambiente, em paralelo com um complementar dever de defesa do ambiente. Ambos estes aspectos são importantes na presente análise da legitimidade processual e acção popular: o direito ao ambiente concretiza-se na faculdade de exigir aos outros certas condutas; o dever de defesa do ambiente contém não só a obrigação de não contribuir para a degradação do ambiente - dever de conteúdo omissivo e preventivo - como também a obrigação de reagir contra qualquer ofensa ao meio ambiente - obrigação de conteúdo activo e repressivo.
A titularidade do direito ao ambiente e dever de defesa do ambiente pode ser analisada em termos individuais e supra-individuais. Tanto podem ser perspectivados através da titularidade individual de cada um dos interessados directos, como numa dimensão supra-individual, em que a todos e a cada um é reconhecido o direito de usufruir de um ambiente sadio. Podemos concluir deste ponto, que o direito ao ambiente e o dever de protecção que recai sobre cada um e a todos é um poder-dever uno, pois aquele que reage contra uma ofensa à sua qualidade de vida preserva igualmente o ambiente da comunidade e a preservação deste ambiente também salvaguarda interesses individuais. Nas primeiras referidas perspectivas, o direito ao ambiente pode ser qualificado como um direito subjectivo, em contrapartida com o dever de defesa e de protecção que analisados numa dimensão pluri-subjectiva são designados de interesses difusos.
No caso do direito ao ambiente consagrado no art. 66º, nº1 CRP, pode dizer-se que esse direito pode configurar-se com um direito subjectivo, quando deste direito fundamental decorre, por exemplo, a faculdade de o proprietário de um prédio se opor à instalação de uma fábrica, funciona o direito subjectivo, se esse direito fundamental é perspectivado como a faculdade, reconhecida a todos e a cada um, de reagir contra uma agressão ambiental, estamos então perante um interesse difuso.
A legitimidade processual exerce uma função concretizadora: a legitimidade consiste em verificar quem pode instaurar a acção para a defesa do direito ou para tutela do interesse difuso e contra quem essa mesma acção pode ou deve ser proposta.
Quanto aos meios processuais disponíveis para a concretização do direito fundamental, direito ao ambiente, podemos encontrar preceitos no plano civil que o materializam: art. 493º, nº2, CC, no qual se estabelece a obrigação de indemnização por danos causados por uma actividade perigosa; o art. 1346º CC, que atribui ao proprietário de um imóvel a faculdade de se opor à emissão de fumo, vapores, cheiros, e o art. 1347ºCC, que proíbe o proprietário de construir ou manter no seu prédio quaisquer obras, instalações ou depósitos de substâncias corrosivas ou perigosas, se for de recear que possam ter sobre o prédio vizinho e efeitos nocivos não permitidos por lei. Assim como o art. 40º, nº4 LBA, no qual se afirma que "os cidadãos directamente ameaçados ou lesados no seu direito a um ambiente de vida humana sadio e ecologicamente equilibrado podem pedir, nos termos gerais de direito, a cessação das suas causas de violação e a respectiva indemnização".
A legitimidade processual para estas acções encontra-se no art. 26º, nº1 CPC, pois são titulares de um interesse em demandar, o qual resulta da titularidade de um interesse tutelável. A tutela do direito ao ambiente por um particular que se considera lesado por um acto da Administração Pública encontra-se regulamentada pelo ramo do contencioso administrativo através do recurso directo de anulação do acto administrativo (24º a 58º LPTA) e a impugnação directa do regulamento administrativo (63º a 68º LPTA). Para todas estas situações estão previstas regras da legitimidade activa, da legitimidade do particular.
Contudo, não podemos falar de legitimidade da tutela no direito do ambiente, sem falar da acção popular considerado como um interesse difuso.
Segundo, NUNO SÉRGIO MARQUES ANTUNES "a acção popular é um direito de acção judicial, atribuído a qualquer cidadão no gozo dos seus direitos civis e políticos ou a pessoas colectivas que visem a defesa de interesses determinados, que permite requerer a intervenção dos órgãos jurisdicionais do Estado, com o fim de assegurar a tutela de certos interesses comunitários aos quais a CRP confere uma protecção qualificada, bem como de requerer a reparação de danos que lhe sejam causados. "
"A acção popular traduz-se, por definição, num alargamento da legitimidade processual activa a todos os cidadãos, independentemente do seu interesse individual ou da sua relação específica com os bens ou interesses em causa. Neste sentido, entram aqui em crise as teorias tradicionais da legitimidade baseadas no "interesse directo e pessoal" ou na "protecção da norma", segundo a qual só existiria um direito accionável quando houvesse normas que, pelo menos, pudessem ser entendidas como protegendo também interesses individuais. Do mesmo modo, mostram-se inadequadas as chamadas "técnicas proprietaristas" conducentes à restrição da garantia judicial de bens colectivos apenas aos casos em que existisse uma relação de tipo real entre o sujeito e o bem ou um direito pessoal de gozo do mesmo. O objecto da acção popular é a defesa de interesses difusos. Com efeito, há que distinguir:
o interesse individual, isto é, o direito subjectivo ou interesse específico de um indivíduo;
o interesse público ou interesse geral, subjectivado como interesse próprio do Estado e dos demais entes territoriais, regionais e locais; o interesse difuso, isto é , a refracção em cada indivíduo de interesses unitários da comunidade, global e complexivamente considerada, e o interesse colectivo , isto é, interesse particular comum a certos grupos e categorias.
Quanto ao sujeito individual, pode-se assim, considerar a sua legitimidade para a propositura de uma acção deve ser aferida, na falta de qualquer critério especial, pelas regras enunciadas no art. 26º CPC relativas à legitimidade singular em processo civil. Como, segundo o art. 26º CPC, a legitimidade processual depende da titularidade pela parte de um interesse juridicamente reconhecido e tutelável, apresenta-se a seguinte opção: pode exigir-se que, além do interesse difuso, o autor seja titular de um interesse individual e pessoal que justifique a propositura da acção por esse sujeito, como se pode também dizer que a titularidade do interesse difuso é suficiente para atribuir a esse autor legitimidade processual, não sendo exigível qualquer interesse individual e pessoal decorrente de uma ofensa, efectiva ou potencial.

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