domingo, 18 de abril de 2010

A caminho dos direitos dos animais ou da tutela jurídica reforçada?

A caminho dos direitos dos animais ou da protecção jurídica reforçada?


Índice

1.Introdução
2.Personalidade Jurídica dos Animais?
3.Direitos dos Animais?
3.1.Teoria Utilitarista de Peter Singer
3.2.Especismo
3.3.O Jusnaturalismo de Tom Regan
4.Protecção dos Animais no Mundo
4.1.Generalidades. Legislação.
4.2.Alguns avanços significativos
5.Os animais e o Direito do Ambiente
6.Tutela dos Animais no Ordenamento Jurídico Português
7.Conclusão
8.Bibliografia



1. Introdução

A preocupação do Homem pela realidade que o rodeia começa agora a manifestar-se, hoje mais que nunca, de forma mais intensa; a protecção e tutela do meio Ambiente e, concretamente, dos animais começa a ser um valor estruturante da sociedade quase unanimemente aceite.
Neste este trabalho pretende-se fazer uma reflexão sobre a posição dos animais na sociedade actual, através do estudo da sua tutela e possíveis direitos.
Enquanto titulares de direitos é necessária personalidade jurídica, dessa forma começaremos pelo estudo da personalidade jurídica dos animais seguida da reflexão acerca da existência de verdadeiros direitos através das discussões filosóficas marcantes do século XX; primeiro o Utilitarismo Preferencial de Peter Singer, passando pelo Especismo e por fim o jusnaturalismo de Tom Regan.
Por fim, propõe-se uma análise da tutela efectiva dos animais no Mundo e em Portugal.



2.Personalidade Jurídica dos animais?


A questão da titularidade de verdadeiros direitos subjectivos por parte dos animais é muito discutida.
Historicamente os animais eram vistos como coisas, seres inferiores, desprovidos de sensibilidade cujos actos e reacções eram automáticos conduzidos puramente pelos instintos. O Homem era tido como ser superior, por ser o único ser vivo dotado de racionalidade, e por isso todas as demais espécies existiam para satisfazer os seus interesses.
O código civil divide-se em dois grupos: o das Pessoas e o das Coisas. O conceito jurídico de pessoa difere um pouco do conceito social de pessoa. Para o Direito, pessoa é todo o sujeito dotado de personalidade jurídica, ou seja, de aptidão de ser titular de direitos e deveres. É precisamente a titularidade de deveres que tem sido usada como argumento contra a personificação dos animais; os animais não podem ser submetidos a deveres, não faria sentido dada a sua natureza irracional. Contudo esse argumento não é por si só aceitável, porque no ordenamento é admitida personalidade jurídica a pessoas que não estão sujeitas a deveres, como os menores, os incapazes, os interditos. Por outro lado, também é verdade que os animais não conseguem exercer por si só os seus direitos, não podem defendê-los nem reclamá-los, mas não podemos confundir personalidade com capacidade jurídica (de exercício). Pois, os incapazes, os interditos e os menores, também não conseguem exercer os seus direitos, mas essa incapacidade é suprida pela representação; não é essa incapacidade que os impede de ter personalidade jurídica.
Também se argumenta no sentido de que o animal não pode ser objecto e sujeito de direito simultaneamente. O facto de ser objecto de negócios jurídicos, impede-o de ser titular de direitos. Este argumento também não prossegue porque as sociedades comerciais com personalidade jurídica também podem ser objecto de negócios jurídicos, como a transacção.
Para Kant “uma pessoa é o sujeito cujas acções são susceptíveis de imputação” e por isso, só podia ser pessoa o ser racional, inteligente e auto-consciente, capaz de tomar decisões por si. É inegável a falta de consciência dos animais mas não podemos recusar a personalidade pela sua falta de inteligência e consciência pois isso levaria a negá-la também aos deficientes mentais e todos aqueles incapazes de vontade consciente.
Como não se pode integrar os animais na parte das pessoas, o código classificou-os enquanto coisas móveis.
Contudo hoje, o animal é encarado de maneira diferente, é visto como um ser sensível, capaz de sofrimento e dor. Com a crescente consciencialização da necessidade de protecção dos animais e com a aproximação cada vez maior entre o homem e o animal, se sente que a qualificação dos animais como coisas móveis, não se demonstra a mais indicada. É verdade que não são pessoas, mas também não são coisas…são animais.
A discussão está longe de estar encerrada, mas para se defender a não personificação é necessária uma argumentação mais sólida e consistente. Até porque, apesar de radical em algumas das suas posições, Peter Singer, tem razão, quando afirma que a contra face de um dever é um direito e que se todos temos o dever de proteger os animais é porque eles têm direito a ser protegidos. Os animais tornam-se assim sujeitos de direitos subjectivos por força das leis que os protegem.
O reconhecimento da personalidade jurídica aos animais tem sido recusada e a ideia tem sido encarada, por muitos, com muitas reticências. Até porque não podemos esquecer que o Direito é criação do Homem, que encontrou num conjunto de normas uma forma de equilibrar a vida em Sociedade. O Homem enquanto ser racional tem consciência dos seus actos, dos seus interesses e das suas decisões, então só ele deve estar sujeito às leis. Os animais não devem assim estar sujeitos às lei porque (nas palavras de António Pereira da Costa) “…não são capazes de direitos e obrigações, dado que lhes falta a noção do bem, do justo e do conveniente, não lhes podem ser impostos os preceitos da lei, para que por eles obedecida e observada …”.
A não atribuição de personalidade jurídica aos animais e, consequentemente, de direitos, não significa que os animais estejam desprotegidos, pelo contrário, eles estão sujeitos a uma tutela reforçada atribuída por legislação especial.


3. Direitos dos animais?

Foi principalmente no século XX que começou a haver uma maior preocupação com a protecção dos animais e com isso iniciaram-se as grandes discussões filosóficas, éticas e morais acerca da questão.


3.1 Teoria utilitarista de Peter Singer

O utilitarismo é uma doutrina ética que promove a optimização do bem-estar dos seres humanos. O utilitarismo proposto por Peter Singer rompe com o utilitarismo clássico ao se centrar, não apenas no ser humano, mas em todos os seres sencientes.
Peter Singer defensor fervoroso dos animais entende que aos animais deve também ser aplicado o princípio da igualdade e fundamenta tal entendimento através do Princípio da Igual Consideração de Interesses Semelhantes (PICIS). Singer defende que a igualdade não se trata de atribuirmos a pessoas e animais exactamente os mesmos direitos (essa atribuição depende da natureza dos grupos) mas sim a mesma consideração para com os diferentes. Não se trata de tratar o diferente de igual forma (pois isso resultaria numa desigualdade) mas sim tratar o diferente na medida da sua diferença, com a mesma consideração com que se trata o igual.
O Homem e o Animal são semelhantes na capacidade de sofrimento e de prazer; ambos são capazes de sofrer, de sentir dor, sentir prazer, alegria. Assim, a dor e o prazer dos animais devem ser tratados com a mesma consideração que a dor e o prazer dos humanos.
O sofrimento do Homem é maior que o sofrimento do Animal, pelo facto de o Homem, dada a sua racionalidade, ter consciência de passado e de futuro e assim conseguir prever o que irá acontecer. O sofrimento é maior na medida em que o homem sofre de angústia psicológica por antecipação, algo que os animais não são capazes de sentir. Contudo não é a medida do sofrimento que justifica ou não o merecimento da igual consideração, mas sim a capacidade de os sentir. O facto de os animais sentirem prazer, dor, felicidade e sofrimento é suficiente para justificar o seu interesse.
O Utilitarismo preferencial consiste em considerar “errada, uma acção contrária à preferência de qualquer ser”. A preferência do Homem é a sua existência futura. O Homem tem consciência do passado e futuro, a sua vida é conduzida de acordo com o investimento no futuro e a morte corresponde uma frustração dessa preferência. É verdade que o Homem tem uma perda superior, uma vez que os animais não têm essa consciência, mas isso não quer dizer que os animais também não tenham preferência. Pelo contrário, o animal tem também instinto de sobrevivência, há também um investimento do animal para assegurar a vida. E nenhuma preferência deverá ser frustrada.
Peter Singer, é radical quanto à sua visão ética sobre a problemática animal. É defensor dos direitos dos animais, da extensão do princípio moral da igualdade através do PICIS aos animais, da proibição de todo o tipo de crueldade contra os animais, apologista do vegetarianismo (não consumo de carne) e veganismo (não consumo de todos os produtos de origem animal) e defende o fim da discriminação de tratamento entre seres com interesses semelhantes. O seu pensamento é um pensamento filosófico e ético, que recorre ao exagero numa tentativa de consciencialização e alerta acerca da crueldade para com os animais; traçando o caminho para que um dia possamos achar a discriminação contra os animais tão inadmissível como consideramos o sexismo ou racismo.


3.2 O Especismo

O especismo consiste na atribuição de diferentes direitos consoante a espécie a que se pertença. Relativamente aos animais, o conceito tem sido utilizado no sentido de uma discriminação preconceituosa quando se consideraram os animais seres inferiores, desconsiderando os seus interesses face ao predomínio da espécie superior que é o ser Humano. O Homem, dada à sua racionalidade, está no topo da hierarquia dos seres vivos, assim todos os outros seres devem ter os seus interesses subalternizados. O Homem pode servir-se dos outros seres vivos para a satisfação das suas necessidades e seus interesses. A alimentação, o vestuário ou utilização de animais para entretenimento (como touradas, rodeios, circos etc) são tidas como normais e aceitáveis.


3.3 O jusnaturalismo de Tom Regan

Para Tom Regan “o respeito é uma virtude dos seres capazes de discernimento sobre comportamentos aceitáveis” e defende que todos os seres merecem respeito. Na sequência do pensamento de Kant, Regan defende que o seres devem ser tratados como fins em si mesmos e nunca como meios. Enquanto seres em si mesmo, tem um valor próprio. Todos os seres estão sujeitos à vida e a vida por si tem um valor intrínseco, único e irredutível que tem que, por todos, ser respeitado. É este valor, inerente a todos os sujeitos a uma vida, que fundamenta o dever de respeito. Deste modo Regan reconhece directa e irrestritamente o direito dos animais ao respeito, porque o que se visa com o dever de respeito não é o interesse do ser, mas a tutela do mesmo; é o titular que é visado. Existe assim um dever moral de tratarmos os animais, do mesmo modo que nos tratamos enquanto pessoas, pois pelo facto dos animais serem sujeitos de uma vida têm um valor intrínseco enquanto indivíduos e devem ser respeitados. Segundo o Professor Menezes Cordeiro o respeito pela vida “…se estende a toda a forma de vida, particularmente à sensível.”


4. Protecção dos animais no mundo

4.1 Generalidades. Legislação.

Apesar da tutela dos direitos dos animais estar agora a dar os primeiros passos, já muito foi feito nesse sentido, e muitos países merecem o nosso aplauso pelos progressos.
A Declaração Universal dos Direitos dos Animais proclamada pela Unesco a 15 de Outubro de 1978, foi um grande passo a nível de consciencialização ética internacional acerca do assunto. Em primeiro lugar reconhece os animais como verdadeiros titulares de direitos, atribuindo aos mesmos o direito à existência e ao respeito, proibindo os meus tratos e consagra o dever de respeito do animal morto. A Declaração sobre a ética Alimentar e a Carta Mundial dos Estudantes para uma ciência de uma Biologia sem Violência também foram importantes nesta área. Apesar de todas elas não serem vinculativas, foram importantes porque correspondem a verdadeiros códigos de ética universal.
Relativamente à protecção internacional e comunitária temos a Convenção Europeia sobre a Protecção dos Animais nos Locais de Criação de 1976, a Convenção Europeia para a protecção dos animais de companhia de 13 Novembro de 1987, a Directiva nº 93/11/CE relativa à protecção dos animais no abate e na ocasião, transposta pelo Decreto-Lei nº28/96 de 2 Abril, a Directiva 91/628/CEE de 19 Novembro relativa à protecção dos animais durante o transporte, transposta pelo Decreto-Lei nº 294/98 de 18 de Setembro, a Directiva 86/609/CEE, do Conselho, de 24 de Novembro relativa à protecção de animais utilizados para fins experimentais e outros fins científicos, transposta pelo Decreto-Lei nº129/92 de 6 de Julho e ainda a Convenção Europeia para a Protecção dos Animais de Companhia, que é aplicada em Portugal pelo Decreto-Lei nº 276/2001 de 17 de Outubro que estabelece um regime especial para a detenção de animais potencialmente perigosos. Esta legislação, vê a sua importância acrescida, porque é vinculativa e é directamente aplicada em Portugal, uma vez que foi toda transposta.


4.2 Alguns avanços significativos

Temos assistido em alguns países avanços significativos em matéria de protecção dos Animais como é o caso da Alemanha que já não qualifica animais como coisas, afirmando expressamente no BGB que os “animais não são coisas” apesar de continuar a aplicar-lhes o regime das coisas nas matérias que não estão especialmente reguladas; Na Inglaterra foi proibida a caça assim como no País de Gales e na Escócia; Em Israel foi proibida a alimentação forçada aos gansos por se considerar que tal causa um sofrimento insuportável no animal; na Suíça realizou-se um referendo para a representação legal dos animais através de um advogado, apesar do resultado desfavorável, simboliza que se está a caminhar no sentido do reconhecimento dos direitos dos animais; outra curiosidade na lei suíça é a imposição de que animais como os hamsters, lamas ou iaques têm que estar em contacto com outros animais da mesma espécie, não podem viver sozinhos; no Brasil, no Rio de Janeiro, são proibidos os circos que utilizem animais nos seus espectáculos, assim como os espectáculos com mamíferos marinhos, é também proibida a briga de galo, o uso de armadilhas na caça e a dissecação e vivessecação em escolas públicas. Outro importante avanço também ocorrido no Brasil foi a tentativa de aplicação do “Hebeas Corpus” a uma chimpanzé que foi condenada a viver num zoológico. A chimpanzé morreu antes do processo prosseguir, mas a mobilização de académicos, filósofos, advogados e juristas em geral foi impressionante. Estes são apenas alguns exemplos do progresso em matéria da tutela dos animais. Actualmente a maior tutela é atribuída aos animais domésticos e às espécies em vias de extinção, cuja legislação é bastante abrangente mas o seu efectivo cumprimento ainda tem muito que se lhe diga; a esse nível ainda somos muitos pequenos no sentido atribuído por Gandhi na sua célebre afirmação “A grandeza de uma nação e o seu progresso moral pode ser julgado pelo modo como os seus animais são tratados”.


5. Os Animais e o Direito do Ambiente

O Direito do Ambiente é um conjunto de normas jurídicas que se destinam a proteger o meio ambiente. No entendimento do Prof. Vasco Pereira da Silva, essa protecção nasce da protecção jurídica individual, uma vez que as normas reguladoras do ambiente se dirigem também à protecção dos interesses dos particulares. A protecção do meio ambiente faz-se através da tutela desses interesses; é uma visão antropocêntrica do direito. Mas por outro lado, há quem defenda um entendimento ecocêntrico do Direito de Ambiente, em que o Ambiente é em si um bem jurídico que deve ser tutelado por si.
Como podemos verificar, a personificação ou não dos animais, a tutela directa ou indirecta através de interesses dos particulares, não é um discussão focada apenas nos animais mas no Ambiente em geral.
O direito ao ambiente é um direito constitucionalmente consagrado no art. 66º da CRP que estabelece que todos têm direito a um ambiente de vida sadio e ecologicamente equilibrado. Para além de prever o direito prevê também como dever do estado e dos particulares, a defesa, protecção e preservação da natureza e do ambiente.
Deste modo, poderíamos promover a defesa dos Animais através deste dever constitucional, uma vez que os animais são parte integrante do Ambiente. A fauna é componente do Ambiente tal como é previsto pela Lei de Bases do Ambiente (Lei nº 11/87 de 7 de Abril) que no seu artigo 6º afirma como componentes do Ambiente, o Ar, a Luz, a Água, o Solo vivo e Subsolo, a Flora e a Fauna. Contudo é inegável o carácter antropocêntrico desse dever. O dever de defesa e protecção do Ambiente surge do interesse do homem no meio Ambiente.
A aplicação da legislação especial relativa ao Ambiente (como é a Lei de Bases do Ambiente) à defesa dos animais, também pode não se verificar muito eficaz, uma vez que nela se defende os animais como um todo, não são considerados individualmente, mas sim como integrantes de um espécie. Esta defesa vem na sequência da defesa do direito do Homem ao Ambiente. Não passa de uma defesa indirecta em que o que se atende concretamente é ao interesse do Homem ao Ambiente e não propriamente o interesse do animal. Isso é bastante evidente na permissão ao abate das espécies nocivas, se fossem o interesse do animal que estivesse a ser atendido tal não seria permitido.
Apesar da sua base antropocêntrica, a Legislação Ambiental, confere alguma protecção e tutela das espécies, através de diplomas especiais que se destinam à protecção das espécies da Fauna. Temos como exemplo os Decretos-Lei 95/81 de 23 de Julho, 316/89 de 22 Setembro e 226/92 de 27 de Agosto e ainda a Lei 90/88 de 13 de Agosto.


6. Tutela dos Animais no Ordenamento Jurídico Português

Como vimos anteriormente, o Código Civil Português, qualifica e insere os animais no regime das coisas. Contudo, apesar de, os animais, ainda serem qualificados como coisas móveis, a sua protecção e tutela transforma-os numa categoria cada vez mais especial de coisas.
No nosso ordenamento jurídico são muitos os diplomas que correspondem a verdadeiros instrumentos de tutela dos animais. Por influência europeia, a maior parte da legislação especial sobre a protecção dos animais são transposições de directivas e convenções europeias. Mas existem ainda outros diplomas importantes nesta matéria como é a Lei de Protecção dos Animais aprovada pela Lei nº92/95 de 12 de Setembro, que proíbe qualquer tipo de crueldade contra os animais que lhes possa causa dor e sofrimento injustificados e estabelece ainda um dever de socorro a animais doente, feridos ou em perigo. Prevê também medidas de protecção para animais em vias de extinção e a necessidade de autorização administrativa o comercio e os espectáculos com animais.
Uma questão muito discutida no nosso país, dada à sua cultura ancestral, é a das Touradas. A mesma Lei de Protecção dos animais que no seu artigo 1º estabelece que “São proibidas todas as violências injustificadas contra animais, considerando-se como tais os actos consistentes em, sem necessidade, se inflingir a morte, o sofrimento cruel e prolongado ou graves lesões a um animal” , estabelece no seu artigo 3º/2 a autorização das Touradas, o que é claramente contraditório. Relativamente ás touradas, e recorrendo ao exposto pelo Prof. Menezes Cordeiro no seu Tratado de Direito Civil Português I tomo II, é curioso que em 1836 as touradas eram proibidas em Portugal por se considerar “um divertimento bárbaro e impróprio das nações civilizadas, que servia unicamente para habituar os homens ao crime e à ferocidade”. O diploma que aprovava tal proibição foi revogado logo depois, mas as touradas com touros de morte continuaram a ser proibidas e o incumprimento e tal regra levava a sanções graves como a pena de prisão correccional para o matador agravada com pena de multa e a impossibilidade de voltar a trabalhar em praças portuguesas e também previam-se sanções tanto para o empresário da praça como para o proprietário dos touros.
Normalmente, com a evolução do tempo, as sociedades passam por um progresso ético, moral e social que se reflecte na sua legislação. Em Portugal ocorreu precisamente o inverso, houve uma regressão e substituíram-se as sanções severas, por meras sanções simbólicas dadas à tradição e cultura.
A cultura e tradição são criações do Homem e quando violam valores e princípios de ordem ética e moral devem ser recusados e não afirmados; Tourada não é tradição, é crueldade.
A Lei da Protecção aos Animais desilude sobretudo em não prever sanções caso seja violada. O seu artigo 9º remete a matéria para legislação especial que ainda não existe.
Existem ainda outras leis especiais como a Lei nº90/88 de 13 de Agosto e Decreto-Lei nº139/90 de 27 Abril que protegem o Lobo Ibérico, assim como o Decreto-Lei nº204/90 de 20 de Junho que tutela os Animais Selvagens, os Necrófagos e os Predadores e o Despacho normativo nº15/91 de 7 de Janeiro que proíbe a importação de produtos obtidos de focas bebés. Há ainda também o Decreto-Lei 317/85 de 2 Agosto que se destina à protecção de animais domésticos; o Decreto-Lei 129/92 de 6 Julhos para animais utilizados para fins científicos e ainda os Decretos-Lei 99/81 de 29 Julho, 28/96 de 2 Abril e 204/90 de 20 Junho para os Animais de Abate.


7. Conclusão

Vivemos em tempos de evolução, tempos em que já não se demonstra razoável, nem socialmente aceitável qualquer tipo de crueldade gratuita para com os animais. Contudo isso não significa que tenhamos que reconhecer-lhes personalidade jurídica e consequentemente verdadeiros direitos subjectivos. Os animais têm que ser tutelados e protegidos, mas não precisa ser pelo caminho da personificação. Tal como afirma António Pereira da Costa “ se a falta de razão inibe os animais de serem sujeitos de direitos, a sensibilidade torna-os merecedores de tutela jurídica…”. A protecção e tutela indirecta através da imposição de deveres de respeito, defesa e protecção ao Homem pode-se tornar mais eficaz que a tutela directa, porque o que é mesmo necessário é a mudança de atitude em relação aos animais e não a atribuição de direitos por si.
Os animais não são pessoas, mas também não podem continuar a ser coisas. É clara a diferença entre os animais e as coisas; os animais devem, tal como na Alemanha, ser uma categoria sui generis dada à especialidade especificidade da sua natureza.
Os animais, apesar de incapazes de racionalidade, são seres sensíveis, capazes de sentir prazer e dor. A racionalidade não faz, por si só, do Homem, um ser superior. A superioridade do Homem está em, perante a consciência da dor e sofrimento dos animais, abster-se de qualquer acto de crueldade desnecessária para com eles e está sobretudo na defesa destes da crueldade irracional dos outros seres humanos. No mesmo sentido o Prof. Menezes cordeiro afirma que “O ser humano sabe que o animal pode sofrer; sabe fazê-lo sofrer; sabe evitar fazê-lo. A sabedoria dá-lhe responsabilidade”.
O Homem é o único ser capaz de vontade consciente, capaz de tomar decisões e de fazer escolhas ponderadas. A nossa superioridade está nas nossas escolhas; na escolha pelo respeito…pelo semelhante, pelo diferente, respeito pela vida.
“O Futuro sócio-cultural da espécie humana passa por viver em paz com todas as outras formas de vida do planeta” (Menezes Cordeiro)


8. Bibliografia

- Pereira Teodoro, Pedro – Tese “O conflito entre espécies (os direitos dos animais)”
- Pereira da Costa, António – “Dos Animais (O Direito e os Direitos)” – Coimbra editora, 1998
- Ramos, Sílvia de Mira da Costa Ramos – “Protecção dos Direitos dos animais” in Estudos em Homenagem ao conselheiro José Manuel Cardoso da Costa”- Coimbra editora 2003
- Amado Gomes, Carla – “Ambiente e desporto : ligações perigosas : a propósito do Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 25 de Setembro de 2007”
- Araújo, Fernando – “A hora dos direitos dos animais” – Almedina, 2003
- Menezes Cordeiro, António – “Tratado de Direito Civil Português I Parte geral, Tomo II Coisas”, 2º edição – Almedina 2002
- Silva, Vasco Pereira – “Verde Cor de Direito” – Almedina 2002
- Azkoul, Marco António – “Crueldade contra os animais”- Editora Plêiade, 1995

Outros Materiais utilizados:

Greif, Sérgio – “Direitos Animais e o caminho a seguir” in Pensata Animal, Revista de Direitos dos Animais online
http://www.animallaw.info/nonus/statutes/country/stuk.htm
http://www.unesco.pt/
http://www.nipeda.direito.ufba.br/artigos/pdf/habeascorpustochimpanzee.pdf
http://www.nipeda.direito.ufba.br/artigos/pdf/oganhodeforadosdireitosanimais.pdf
http://www.nipeda.direito.ufba.br/artigos/pdf/introduonaododireitoanimalportuguese.pdf
http://www.nipeda.direito.ufba.br/artigos/pdf/derodeiosedenovelas.pdf
http://www.nipeda.direito.ufba.br/artigos/pdf/direitoescusadeconscinciaemexperinciascomanimais.pdf
http://www.anda.jor.br/
http://tribunaanimal.org/index.php?/noticias/animais-mundo/suiça-faz-referendo-para-decidir-se-animais-tem-direito-a-advogado.html
http://www.cfh.ufsc.br/ethic@/et33art1.pdf
http://www.wikipédia.org/wiki/peter-singer
http://pt.wikipédia.org/wiki/utilitarismo#jeremy-bentham
http://pt.wikipedia.org/wiki/Pessoa_(direito)
http://pt.wikipedia.org/wiki/Especismo
http://pt.wikipedia.org/wiki/Personalidade_jur%C3%ADdica
http://pt.wikipedia.org/wiki/Direitos_animais

Sem comentários:

Enviar um comentário