domingo, 18 de abril de 2010

Formas de Actuação administrativa no domínio ambiental. O caso do Rótulo Ecológico


Actualmente a administração pública caracteriza-se pela multiplicidade e diversidade das suas formas de actuação. Esta afirmação baseia-se no facto de assistirmos, hoje em dia, à regularidade, frequência e ao carácter duradouro do agir da Administração prestadora, ao invés de uma intervenção esporádica e intermitente, característica de uma Administração agressiva. Sucedendo-se quotidianamente planos, regulamentos, actos administrativos, contratos, actividades informais, actuações técnicas e de direito privado, operações materiais.
Consequência de todas estas transformações é a “crise” do acto administrativo, que vão obrigar a repensar um sistema adequado para um modelo de Administração agressiva, mas que não se coaduna mais com a nova lógica da Administração prestadora e infra-estrutural.
Assim, é fundamental ter em conta, não apenas a decisão final mas todas as realidades que antecedem o acto administrativo, tal como é o caso do procedimento ou da relação jurídica administrativa. Neste sentido, o Professor Vasco Pereira da Silva utiliza a seguinte metáfora: se se quiser entender as formas de actuação administrativa não basta olhar para a “fotografia”, mas é necessário ver o “filme” todo, é necessário ter em conta as relações jurídicas administrativas que se estabelecem durante o procedimento, e para além dele, quer esteja em causa um acto, um contrato, um regulamento, ou qualquer outra forma de actuação administrativa.
Para além do que foi referido, torna-se também importante deixar claro que o acto administrativo não é “a” forma de actuação da Administração mas “uma” entre as restantes formas de actuação.
Não se pode também deixar de ter presente, que o que caracteriza estas formas de actuação administrativa, já não é o aspecto autoritário do exercício do poder, mas sim o da realização da função administrativa. Assim, deve ser este último elemento (funcional) e não o autoritário a servir de denominador comum de uma construção dogmática das formas de actuação adequada à diversidade e complexidade da Administração Pública moderna.
As transformações mencionadas obrigam a reconstruir um conceito de acto administrativo, que contenha tanto actuações típicas da Administração agressiva como da prestadora ou infra-estrutural, como também obrigam a uma deslocação do centro da dogmática administrativa para a relação jurídica e para o procedimento.
Sendo o Direito do Ambiente, um domínio jurídico em construção, não fica indiferente a estas transformações, sendo até utilizado como um “laboratório” para a “experimentação” de novas formas de actuação administrativa. E é aqui que se assiste ao caso da eco-etiqueta ou rótulo ecológico. Trata-se de um instituto que foi criado pelo Regulamento do Conselho nº880/92/CEE, de 23/3/1992, mas que se encontra actualmente regulado através da Posição Comum nº6/2000/CEE, de 11/11/1999 e pelo Regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho nº1980/2000, de 17/7/2000.
O rótulo ecológico apresenta-se como uma das modalidades de prestação de informações e de orientações aos consumidores, de forma a “promover produtos susceptíveis de contribuir para a redução de impactos ambientais negativos, por comparação com outros produtos do mesmo grupo, contribuindo deste modo para a utilização eficiente dos recursos e para um elevado nível de protecção do ambiente” (art.1º/1 do Regulamento nº1980/2000 de 17/7/2000).
Do ponto de vista das formas de actuação administrativa, a relação jurídica duradoura de rótulo ecológico inicia-se mediante um acto administrativo de atribuição da eco-etiqueta, na sequência de um pedido apresentado pelo respectivo fabricante (art.7º do Regulamento nº1980/2000, de 17/7/2000); a qual é seguida pela celebração de um contrato com o particular, que estabelece as condições de utilização do rótulo, assim como as condições relativas à revogação de autorização do título (art.9º do Regulamento nº1980/2000, de 17/7/2000); existindo depois um conjunto de actuações administrativas informais, prolongadas no tempo, e destinadas a intervir (de forma infra-estrutural) sobre o mercado de produção e de consumo de bens, promovendo o rótulo ecológico “através de campanhas de sensibilização e informação junto dos consumidores, produtores, comerciantes, retalhistas e do grande público” (art.10º do Regulamento nº1980/2000, de 17/7/2000).
Estamos assim perante a combinação de um acto administrativo com um contrato e uma multiplicidade de actuações administrativas informais, que vão desde o controlo da qualidade dos bens à promoção do rótulo ecológico, no âmbito de uma relação jurídica duradoura.
Assim a administração, para além de verificar a qualidade ambiental de um produto (actuação unilateral) e de promover a sua produção de forma ecologicamente sustentável (contrato administrativo), vai também intervir no mercado através do fornecimento de informações, num mecanismo típico da moderna Administração infra-estrutural.
Depois de estabelecida e explicitada a ligação entre as formas de actuação administrativa com o caso da eco-etiqueta ou rótulo ecológico, passo a explicar na íntegra o sistema de atribuição do rótulo ecológico europeu que desde o primeiro momento até à atribuição do mesmo, tem um procedimento específico e como objectivo distinguir produtos ecológicos.

Sistema de atribuição do Rótulo Ecológico Europeu
O sistema de atribuição do rótulo ecológico europeu permite aos consumidores europeus, Administração Pública e particulares, identificarem facilmente os produtos ecológicos oficialmente aprovados em toda a União Europeia.
Os consumidores exercem um profundo impacto no ambiente, e este é possível ser reduzido mediante a aquisição de produtos ecológicos. A procura de produtos ecológicos é um importante estímulo para as empresas reflectirem sobre formas de tornar os seus produtos mais ecológicos, reforçarem os seus esforços no domínio do ambiente e melhorarem o desempenho dos seus produtos e serviços ao longo do respectivo ciclo de vida. Contudo, os consumidores para adquirirem produtos menos prejudiciais para o ambiente, precisam de ter acesso a informações compreensíveis, relevantes e credíveis sobre a sua qualidade ambiental. Sendo este sistema do Rótulo ecológico europeu um instrumento perfeito.
Este sistema foi criado em 1992 (revisto em 2000 pelo Regulamento CE nº 1980/2000 do Parlamento Europeu e do Conselho), encorajando os fabricantes a conceber produtos ecológicos e oferecendo aos consumidores os meios para escolherem produtos ecológicos com conhecimento de causa.
Os produtos abrangidos por este sistema são bens de consumo corrente (excepto alimentos, bebidas e medicamentos) e serviços.
Os critérios ecológicos implicam a realização de estudos científicos de avaliação do impacto ambiental dos produtos, relativamente a cada fase do seu ciclo de vida. Tais estudos, têm em conta, designadamente, o consumo de energia, a poluição da água e do ar, a produção de resíduos, a gestão sustentável das florestas e a poluição sonora e dos solos. Adicionalmente, incluem critérios de desempenho.
Depois de adoptados por maioria qualificada dos Estados-Membros e pela Comissão Europeia, os critérios são válidos por um período de dois a cinco anos. No fim deste período, os critérios são revistos e podem ser reforçados, em função do mercado e dos desenvolvimentos científicos e tecnológicos, de forma a garantirem a melhoria do desempenho ambiental dos produtos que ostentam o rótulo ecológico.
Em suma, este sistema tem uma dimensão europeia, isto porque o trunfo do rótulo ecológico europeu reside na sua dimensão europeia única. Pode ser utilizado nos 15 Estados – Membros, bem como na Noruega, Islândia e Liechtenstein. Tem um carácter voluntário, visto que os fabricantes não são obrigados a candidatar-se ao rótulo ecológico, cabe-lhes decidir se o pretendem fazer ou não, desde que os seus produtos satisfaçam os critérios pretendidos. No caso de decidirem fazê-lo, os fabricantes de produtos que ostentarem o rótulo beneficiarão de uma vantagem competitiva e poderão utilizá-lo para comunicarem aos seus clientes que os seus produtos são melhores para o ambiente. Por fim apresenta um carácter selectivo, que permite que o rótulo seja concedido apenas a produtos com um menor impacto ambiental.
Critérios de atribuição do Rótulo Ecológico Europeu
Os critérios ambientais são desenvolvidos de forma a cobrir bens de consumo corrente (com a excepção dos alimentos, bebidas e medicamentos) e serviços.
Os critérios ecológicos que presidem à atribuição do rótulo ecológico europeu são o resultado de estudos científicos e de consultas alargadas no âmbito do Comité do Rótulo Ecológico da União Europeia (CREUE). Este Comité é composto pelos organismos competentes dos Estados-Membros, representados de ONG ambientais, associações industriais e de consumidores, sindicatos e representantes do PME e do comércio.
Após terem sido propostos pelo CREUE, os critérios para um grupo de produtos devem ser aprovados pelos Estados-Membros e pela Comissão Europeia antes de poderem ser utilizados para efeitos de atribuição do rótulo ecológico aos produtos.
Estes critérios são transparentes e objecto de consultas, ou seja, a transparência e a participação geral são reforçadas através das importantes contribuições dos representantes das organizações da indústria, do comércio, das organizações ambientais e de consumidores, sindicatos e outros interessados, durante a definição dos critérios ecológicos pelo Comité do Rótulo Ecológico da União Europeia. As opiniões dos fabricantes do exterior da União Europeia são igualmente tidas em conta.
Os critérios dos grupos de produtos devem ser aprovados pela maioria dos Estados-Membros e pela Comissão antes da sua publicação oficial no Jornal Oficial das Comunidades Europeias.
Por fim, os critérios para cada grupo de produtos são definidos de acordo com uma abordagem “do berço ao túmulo”, que identifica os efeitos dos produtos no ambiente em cada fase do seu ciclo de vida, começando na extracção das matérias-primas, passando pelo processo de transformação, pela distribuição (incluindo a embalagem), utilização e terminando na eliminação final.
São tidos em conta os seguintes aspectos ambientais: qualidade do ar e da água, protecção dos solos, redução dos resíduos, poupança de energia, gestão de recursos naturais, prevenção do aquecimento global, protecção da camada de ozono, segurança ambiental, ruído e biodiversidade. São fixados critérios, mediante a utilização do resultado destas análises, para minimizar os principais impactos do produto no ambiente.

Atribuição do Rótulo Ecológico
Após a adopção dos critérios ambientais, os fabricantes retalhistas ou importadores que têm conhecimento da existência de critérios para atribuição do rótulo ecológico aos seus produtos e que desejam candidatar-se ao rótulo ecológico, para mostrarem aos seus clientes que se preocupam verdadeiramente com o ambiente e que os seus produtos são mais ecológicos, apresentam a sua candidatura. A candidatura é avaliada por uma entidade independente: o organismo competente nacional para o rótulo ecológico que garante a conformidade dos produtos que o ostentam com normas ambientais rigorosas. Depois de atribuído o rótulo, todos os produtos o ostentam independentemente da sua origem e natureza. Existe um logótipo de identificação que inclui informações sobre as principais características ambientais do produto.
Tendo em conta, o que acima foi referido, podemos afirmar que a atribuição do rótulo ecológico, se verifica através de duas fases. A primeira fase verifica-se quando o fabricante, importador ou retalhista contacta o organismo competente nacional num dos países abrangidos pelo sistema. O interessado preenche um formulário de candidatura, paga uma taxa e fornece todos os elementos e ensaios necessários à comprovação de que o seu produto cumpre os critérios ecológicos e de desempenho.
Na segunda fase, o organismo competente nacional avalia a candidatura e, se os critérios ecológicos e de desempenho estiverem cumpridos, informa a Comissão Europeia da atribuição, sendo esta publicada, através da Comissão, no sítio Web do rótulo ecológico.
Após a aprovação e atribuição do mesmo, a empresa paga uma taxa anual pela sua utilização, cujo valor é fixado em 0,15% do volume anual de vendas do produto. Está fixado um limite máximo de 25.000 € por grupo de produtos e por candidato. São autorizadas várias reduções da taxa, incluindo uma redução obrigatória de 25%, caso a empresa seja uma PME ou esteja estabelecida num país em desenvolvimento.
O rótulo ecológico é válido enquanto vigorarem os critérios.
Consequentemente, os produtos poderão ostentar o rótulo ecológico e ser vendidos e reconhecidos em toda a União Europeia.

Produtos que ostentam o Rótulo Ecológico da União Europeia
Desde a sua criação, o rótulo ecológico já foi atribuído a mais de 300 produtos de consumo corrente, em toda a Europa. Existem critérios para 17 grupos de produtos diferentes entre os quais têxteis, tintas, detergentes, correctores de solo, frigoríficos, aspiradores, televisores pneus e alojamentos turísticos. Estão constantemente a ser acrescentados novos grupos de produtos e todos os meses há novas atribuições do rótulo ecológico.

Assim e tendo em conta tudo o que acima está descrito, a administração para além de verificar a qualidade ambiental de um produto, uma actuação unilateral, e de promover a sua produção de forma ecologicamente sustentável, vai também intervir no mercado mediante o fornecimento de informação aos consumidores, num mecanismo típico da moderna administração infra-estrutural. Esta intervenção administrativa que decorre da atribuição de uma “marca de garantia ambiental” expressão de Ramón Martin Mateo, visa combater a desinformação provocada pela utilização de técnicas publicitárias, visto que a etiqueta pressupõe para os consumidores a garantia pública e fidedigna de acreditação da composição e dos critérios de produção de um bem em face de uma publicidade eventualmente enganosa que utiliza distintivos ecológicos não normalizados.

Bibliografia:
Silva, Vasco Pereira, Verde Cor de Direito – Lições de Direito do Ambiente, Almedina, 2002;
www.iapmei.pt
Sandra Tenrinho, subturma 2

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