quarta-feira, 21 de abril de 2010

O Ordenamento do Território ao Serviço do Direito do Ambiente

“De grande relevância para a tutela ambiental são os planos, designadamente em matéria de ordenamento do território e de urbanismo”, VASCO PEREIRA DA SILVA, «Verde Cor de Direito – Lições de Direito do Ambiente», 2ª reimpressão da edição de Fevereiro 2002, Almedina, pág. 178.

Antes de mais, cabe em primeiro lugar suscitar a questão que se coloca em torno da divergência doutrinária sobre se os planos, como actuações administrativas, são actos ou regulamentos administrativos, fazendo uma breve caracterização de um acto e regulamento administrativo.

Um acto administrativo, como define o artigo 120º do Código de Procedimento Administrativo, doravante designado por CPA, é uma decisão de um órgão da administração pública que, ao abrigo de normas de direito público, visa produzir efeitos jurídicos numa situação individual e concreta. Com efeito, o acto administrativo tem por objecto uma situação individual e concreta, o que significa que são determináveis, quer os destinatários do acto, quer as situações de facto a que se aplica. O acto administrativo tem portanto, carácter não normativo.

E é com esta última característica, distinta do regulamento que prosseguimos para a análise deste último.

O regulamento é, ao contrário do acto administrativo, uma decisão de um órgão da administração pública emitida ao abrigo de normas de direito público que visa produzir efeitos jurídicos em situações gerais e abstractas.

Não obstante á distinção, entende-se haver uma afinidade estrutural entre o regulamento e o acto administrativo enquanto actos unilaterais e imperativos da administração.

A questão é portanto a de saber, qual a natureza do plano.

Visto que as disposições – plano regulam as situações de bens imóveis, entende ALVES CORREIA, em «O Plano Urbanístico e o Princípio da Legalidade», Almedina, Coimbra, 1989, página 243, que este tem natureza de acto administrativo geral, visto que “das características tradicionais da norma jurídica (…) só possuiria a generalidade, uma vez que o estatuto jurídico dos terrenos aplica-se não apenas aos titulares de direitos reais no momento da entrada em vigor das disposições do plano, mas ainda a todos aqueles que os venham a adquirir no futuro”.

Pelo contrário, o professor VASCO PEREIRA DA SILVA entende que devem ser considerados actos administrativos aqueles que visem só situações individuais e concretas, ao passo que – “a contrario sensu”- todas as outras disposições que embora unilaterais mas de carácter só geral, ou abstracto, são de considerar como regulamentos administrativos. Deste modo, e como refere VASCO PEREIRA DA SILVA, em «Verde Cor de Direito – Lições de Direito do Ambiente», 2ª reimpressão da edição de Fevereiro 2002, Almedina, pág. 180, os planos devem ser entendidos como regulamentos administrativos “já que as suas disposições gozam sempre quer de generalidade, quer de abstracção, quer também de ambas as características”.

Ressalva ainda VASCO PEREIRA DA SILVA as situações em que os planos possam conter decisões individuais e concretas, onde aqui, e atendendo às características materiais, poder-se-á falar de actos administrativos “destacáveis”, visto que o nosso ordenamento jurídico adoptou uma noção material de acto administrativo (artigos 268º nº4 da Constituição da República Portuguesa (CRP), e artigo 120º do Código de Procedimento Administrativo).

Uma vez terminado este ponto da problemática da natureza dos planos em matéria do ordenamento do território, seguimos então para a análise dos planos no domínio do ordenamento do território e do urbanismo.

De acordo com o artigo 65º, nº 4 da CRP, a actividade de planificação processa-se ao nível do Estado, das regiões autónomas e das autarquias locais que “definem as regras de ocupação, uso e transformação dos solos urbanos, designadamente através de instrumentos de planeamento, no quadro das leis respeitantes ao ordenamento do território”.

Deste modo, e como refere VASCO PEREIRA DA SILVA, em «Verde Cor de Direito – Lições de Direito do Ambiente», 2ª reimpressão da edição de Fevereiro 2002, Almedina, pág. 182, há que considerar no nosso ordenamento jurídico português um «sistema de gestão territorial» assente na «inter-acção coordenada em três âmbitos», o âmbito nacional, regional e local (artigo 7º, nº2 al. a), b) e c) da Lei de Bases de Ordenamento do Território e de Urbanismo), tendo como meio os necessários instrumentos de gestão territorial que variam as suas características consoante as suas funções. Vêm referidos nas alíneas a), b), c) e d) do artigo 8º da Lei de Bases do Ordenamento do Território e de Urbanismo, e são agora alvo de análise.

Temos então, e como primeiro instrumento referido na alínea a) do artigo 8º da Lei de Bases de Ordenamento do Território e de Urbanismo, os Instrumentos de desenvolvimento territorial “que traduzem as grandes opções com relevância para a organização do território, estabelecendo directrizes de carácter genérico sobre o modo de uso do mesmo” que se divide em:

1)Programa nacional da política de ordenamento do território, que estabelece um “modelo de organização espacial que terá em conta o sistema urbano, as redes, as infra-estrutura e os equipamentos de interesse nacional, bem como as áreas de interesse nacional em termos agrícolas, ambientais e patrimoniais”, artigo 9º, nº1 a) da Lei de Bases do Ordenamento do Território e de Urbanismo;

2)Planos regionais de ordenamento do território, que estabelecem “as orientações para o ordenamento do território regional e definem as redes regionais de infra-estruturas e transportes, constituindo o quadro de referência para a elaboração dos planos municipais de ordenamento do território”, artigo 9º, nº1 b) da Lei de Bases do Ordenamento do Território e de Urbanismo;

3)Os planos intermunicipais do Ordenamento do Território, que “são de elaboração facultativa, visam a articulação estratégica entre áreas territoriais que, pela sua interdependência, necessitam de coordenação integrada”, artigo 9º, nº1 c) da Lei de Bases do Ordenamento do Território e de Urbanismo;

Como segundo instrumento referido na alínea b) do artigo 8º da Lei de Bases do Ordenamento do Território e de Urbanismo, os Instrumentos de planeamento territorial “de natureza regulamentar, que estabelecem o regime de uso do solo, definindo modelos de evolução da ocupação humana e da organização de redes e sistemas urbanos e, na escala adequada, parâmetros de aproveitamento do solo” e que integram os seguintes planos:

1)Plano director municipal, que “estabelece a estrutura espacial, a classificação básica do solo, bem como parâmetros de ocupação”, artigo 9º, nº2 a) da Lei de Bases do Ordenamento do Território e de Urbanismo;

2)Plano de urbanização, “que desenvolve, em especial, a qualificação do solo urbano”, artigo 9º, nº2 b) da Lei de Bases do Ordenamento do Território e de Urbanismo;

3)Plano de pormenor, “que define com detalhe o uso de qualquer área delimitada do território municipal”, artigo 9º, nº2 b) da Lei de Bases do Ordenamento do Território e de Urbanismo;

Em terceiro lugar, referido na alínea c) do artigo 8º da Lei de Bases do Ordenamento do Território e de Urbanismo, os Instrumentos de política sectorial “que programam ou concretizam as políticas de desenvolvimento económico e social com incidência espacial” e que são, de acordo com o disposto no número 3 do artigo 9º da Lei de Bases do Ordenamento do Território e de Urbanismo, “planos com incidência territorial da responsabilidade dos diversos sectores da administração central, nomeadamente nos domínios dos transportes, das comunicações, da energia e recursos geológicos, da educação e da formação, da cultura, da saúde, da habitação, do turismo, da agricultura, do comércio e indústria, das florestas e do ambiente”.

Em quarto lugar, referido na alínea d) do artigo 8º da Lei de Bases do Ordenamento do Território e de Urbanismo, os Instrumentos de natureza especial “que estabelecem um meio supletivo de intervenção do Governo apto à prossecução de objectivos de interesse nacional, com repercussão espacial, ou, transitoriamente, de salvaguarda de princípios fundamentais do programa nacional de ordenamento do território”. Integram esta categoria os “planos especiais de ordenamento do território”, artigo 9º, nº4 da Lei de Bases do Ordenamento do Território e de Urbanismo, que se dividem nos planos elencados no artigo 33º da Lei de Bases do Ordenamento do Território e de Urbanismo (planos de ordenamento de áreas protegidas, os planos de ordenamento de albufeiras de águas públicas e os planos de ordenamento da orla costeira).

A propósito do tema acabado de referir, o professor VASCO PEREIRA DA SILVA defende dever haver uma hierarquia das fontes de direito ao nível dos regulamentos que são os planos urbanísticos, considerando deste modo que:

1)Os Instrumentos de desenvolvimento territorial estão “no topo da pirâmide” regulamentar por neles constarem as grandes opções em matéria de planeamento e pelo reconhecimento atribuído pelo legislador ao estabelecer que os instrumentos de planeamento territorial têm o dever de “prosseguir as orientações” por eles definidas, artigo 10º, nº1 da Lei de Bases do Ordenamento do Território e de Urbanismo;

2)Os instrumentos de planeamento territorial, mais especificamente os planos municipais, ocupam um “lugar central”. Contudo, discute-se aqui se estes planos devem ser conformes ou compatíveis com os planos de urbanização e de pormenor. O professor VASCO PEREIRA DA SILVA entende que apesar da letra do artigo 20º, nº4 da Lei de Bases do Ordenamento do Território e de Urbanismo induzir a uma ideia de conformidade, o espírito da letra permite a existência de relações de compatibilidade.
Segue-se o artigo 23º da Lei de Bases do Ordenamento do Território e de Urbanismo
que prevê a obrigatoriedade de ratificação governamental de todos os planos regionais,intermunicipais e municipais, e o artigo 20º, nº4 alíneas b) e c) que também apesar de prever a ratificação do Governo é só apenas quando estes se mostrem discordantes com o plano director municipal. Quanto a este aspecto que nos leva a pensar numa possível hierarquia destes planos, o professor VASCO PEREIRA DA SILVA não entende que assim seja, defendendo que a melhor forma de interpretação deste artigo, e conforme á Constituição da República Portuguesa, é “verificar se os poderes dos órgãos autárquicos em matéria de planeamento foram correctamente
exercidos”,em «Verde Cor de Direito – Lições de Direito do Ambiente», 2ª reimpressão
da edição de Fevereiro 2002, Almedina, pág. 189.
É de referir ainda que os planos municipais são aplicáveis directamente a entidades
públicas e privadas, artigo 11º, nº 1 e 2 da Lei de Bases do Ordenamento do Território e de Urbanismo;

3)Os instrumentos de política sectorial, na medida em que “vinculam as entidades públicas competentes para elaboração e aprovação de planos municipais” artigo 10º, nº 3 da Lei de Bases do Ordenamento do Território e de Urbanismo, ocupam também um lugar próprio na hierarquia dos instrumentos planificadores;
4)Os instrumentos de natureza especial que pela sua natureza, especial, prevalecem sobre os demais instrumentos de carácter geral, como dispõem o artigo 10º nº4 da Lei de Bases do Ordenamento do Território e de Urbanismo. Os planos especiais de ordenamento do território são ainda vinculativos para os particulares.

Cumpre ainda falar a propósito deste tema, sobre a discricionariedade que há na actividade de planeamento da Administração, ou seja, a Administração dentro de certos aspectos de matriz vinculada goza de uma «função criadora» na prossecução dos objectivos visados pelo legislador.
O planeamento, como um processo essencialmente dirigido para o futuro, está naturalmente precedido por um juízo de prognose através do qual se antecipa á evolução de determinado espaço territorial. É portanto, neste sentido, através de um método prospectivo, que a Administração vai delinear estratégias para esses espaços. Estas estratégias têm sempre na base a prossecução do interesse público. Mas, poder-se-ia aqui colocar a seguinte questão: perante a multiplicidade de interesses na qual a Administração se confronta e que possivelmente entram em confronto com interesses privados, como resolver a questão de atender a um único interesse público?

Bem, em primeiro lugar não há interesses públicos primários mas sim secundários, sectoriais e locais, evidenciando-se o interesse urbanístico como a síntese da harmonização desses interesses entre si e com os interesses privados.
Com efeito, é conferida prioridade aos interesses públicos cuja prossecução determine o mais adequado uso do solo, em termos ambientais, económicos, sociais e culturais, ressalvando-se porém que os interesses relativos á defesa nacional, á segurança, á saúde pública e á protecção civil prevalecem sempre sobre os demais.

Terá portanto de haver,e numa segunda análise, a ponderação de interesses em jogo, um “dever de justa ponderação” que se vai depois repercutir no plano, que é o instrumento da justa pacificação de interesses antagónicos ou conflituantes.
Em suma, é com base nos princípios que ALVES CORREIA apelida de “princípios jurídicos fundamentais ou estruturantes dos planos urbanísticos”, entre os quais se avultam os princípios da legalidade, da hierarquia, da proporcionalidade em sentido amplo, como defende o professor JORGE REIS NOVAIS, e da igualdade que se controla a discricionariedade de planeamento.

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