sexta-feira, 16 de abril de 2010

As recentes alterações ao regime da licença ambiental

Como a Prof. Carla Amado Gomes refere, o regime da licença ambiental constitui um instrumento preventivo especial de protecção jurídica do ambiente.
O primeiro regime em Portugal expresso em relação à matéria de licença ambiental constou do DL 194/2000. Este teve como fontes, essencialmente normas comunitárias.
Desde logo, há que referir o artigo 174º /2 (TCE), que previa a necessidade de prevenção, controlo e eliminação da poluição, isto de acordo como o princípio da prevenção.
Outro instrumento decisivo no regime inaugural do licenciamento ambiental em Portugal foi a Directiva /96/91/CE, de 24 de Setembro, pois este Directiva esteve na origem directa da aprovação do DL 194/2000. Contudo não podemos descurar a importância das fontes internas. Primariamente podemos indicar o artigo 66º/2/a) (CRP), que vem enunciar que uma das tarefas fundamentais do Estado é a prevenção e controlo da poluição e seus efeitos, e, como segundo fonte, não nos podemos esquecer do artigo 27º/1/h) (lei 11/87), que determinava a existência de um procedimento de licenciamento das actividades potencialmente poluidoras.
Hoje em dia, no direito português, a licença ambiental está regulada no DL 173/2008. Este foi criado, como refere o preâmbulo do DL em apreço, com base na “necessidade de proceder à sua actualização por forma a adequar e a tornar mais célere o procedimento ambiental nele previsto, harmonizando-o com outros regimes jurídicos (…)”, e também consistiu na transposição da Directiva 2008/1/CE.

Para iniciarmos esta viagem por a nova lei de licença ambiental convém, desde logo, começar por reflectir acerca do conceito de licença ambiental. O Dr. Pedro Delgado Alves começa por referir, na minha opinião bem, que apesar de ter existido uma pequena alteração ao conceito de licença ambiental, esta alteração pode ter muito relevância, No regime anterior definia-se a licença ambiental como “a decisão escrita que visa garantir a prevenção e o controlo integrados da poluição proveniente das instalações abrangidas pelo presente diploma (…) constituindo condição necessária do licenciamento ou autorização dessas instalações”, sendo que na nova a única alteração que existe é o facto se prever que a licença ambiental constitui (…) condição necessária da exploração”
A modificação foi o facto de se ter suprimido que a licença ambiental pode ser condição necessária para licenciamento das instalações, o que na prática pode ser vantajoso para os particulares, uma vez que permitirá aos estes avançar com os restantes licenciamentos necessários, não tendo de esperar pela licença ambiental.
Mas, como ainda refere o Dr. Pedro Delgado Alves, “o reverso da medalha pode apresentar-se menos favorável ao particular”, uma vez que este fica sujeito a uma grande incerteza quanto ao futuro da exploração, podendo já ter feitos investimentos avultados que depois se vêem impedidos que continuar, por se concluir que não obteve licença ambiental.

Qual o âmbito de aplicação da licença ambiental?
Como uma primeira ideia, é preciso referir que o regime de licença ambiental (RLA) não concentrou na totalidade as licenças ambientais, pois continua a autonomizar a licença de resíduos (art.24º), e os títulos de utilização dos recursos hídricos (art.26º).
No nº2 continua a referir-se que estão excluídos do âmbito do DL 173/2008 as instalações utilizadas exclusivamente para investigação, desenvolvimento ou experimentação de novos produtos ou processos.

Quais são as entidades intervenientes na emissão de licença ambiental?
Aqui houve algumas inovações marcantes em relação à legislação anterior, reduzindo a categoria de entidades a intervir a nível principal no procedimento. Com esta nova lei o procedimento cabe à entidade coordenadora (art.2º/g)) e à Agência Portuguesa do Ambiente (APA). Quanto às comissões de Coordenação e Desenvolvimento Regional, estas passam a ter o papel de apoio à realização da consulta pública (art.15º).
No que diz respeito à Comissão Consultiva para a Prevenção e Controlo Integrado da Poluição, esta mantém o seu papel de acompanhar a aplicação da lei e verificação da evolução das melhores técnicas disponíveis (art.8º).
Por último, há ainda que referir a importância da Inspecção-Geral do Ambiente e do Ordenamento do Território, a quem compete fiscalizar as CCDR e as Administrações de Região Hidrográfica.

Como é que se desenvolve o procedimento de licenciamento ambiental?
Quanto à iniciativa, esta cabe aos particulares e desencadeia-se mediante a apresentação do pedido pelo operador (art.2º/n) à entidade coordenadora. Os elementos que devem constar do pedido são idênticos à legislação anterior, contudo, neste novo regime, há a possibilidade de o operador entregar simultaneamente dados que dizem respeito a outros procedimentos para autorização em matéria ambiental (art.11º/1/m) e n)).
Uma outra novidade é o facto de o prazo para a instrução do pedido pela APA ser de 15 dias, ou seja, neste prazo a APA procederá à verificação da presença da totalidade dos elementos necessários (art.13º/1). Alerta ainda para o facto de, no decorrer deste prazo, a APA poder convocar o operador para este participar em conferência instrutória para uma melhor apreciação do pedido feito por este (art.13º/3).
Suscita-se a questão de saber ainda o que acontece se o pedido do particular não estiver conforme os requisitos legais. Neste caso, a APA, poderá, em alternativa, solicitar esclarecimentos adicionais ao operador (art.13º/2/a)), suspendendo-se, logicamente, o prazo para a decisão da licença ambiental (art.13º/5)), ou então, proceder ao indeferimento liminar do pedido, isto se constatar uma impossibilidade de suprimento ou correcção dos elementos omissos (art.13º/2/b)).
Por último, importa referir que se não ocorrer o indeferimento liminar, nem abertura de período de correcção, a lei entende que este se encontra correctamente instruído (art.13/7).
Quanto à fase da avaliação técnica não há nada a acrescentar, pois o novo diploma manteve na íntegra o regime anterior, referindo-se que a APA realiza a avaliação técnica tendo em vista a prevenção e o controlo da poluição para a agua, o ar e o solo, ruído e resíduos (art.14º/1), podendo efectuar visitas técnicas reuniões para o efeito (art.14º/2).

Quais são as grandes alterações na fase da decisão final?
Quanto à fase da decisão final, houve várias mudanças, desde logo em matérias de prazos. Embora a distinção entre prazos de decisão quando haja lugar a avaliação do impacto ambiental e sem este ter existido se mantivesse, em geral houve uma redução dos prazos.
Quanto ao prazo sem se ter efectuado avaliação do impacto ambiental (que se pode denominar de prazo geral) reduziu-se 15 dias, passando a ser de 75 dias (art.16º/1).
No que diz respeito ao prazo se existir prévia avaliação do impacto ambiental, este reduziu-se 5 dias, sendo agora de 55 dias.
Temos ainda que destacar o facto de existir uma novidade no novo diploma, que se traduz na redução para metade de dois prazos, caso o pedido de licença ambiental tenha sido validade por uma entidade acreditada (art.16º/3). Nota para o facto de apesar de o conceito de entidade acreditada estar no artigo 2º/f), cremos que esta definição é demasiado vaga e, hoje, ainda não sabe em que consiste ou consistirão estas entidades acreditas. Esperemos para ver.
Por último, e quanto a prazos, importa referir que o novo diploma prevê o prazo aplicável nos casos em que o procedimento de licença ambiental decorrer em simultâneo com o procedimento de avaliação de impacto ambiental ou de prevenção de acidentes graves com substâncias perigosas (art.16º/4), referindo que o prazo relevante será aquele a partir da emissão de declaração de impacto ambiental ou de emissão de parecer de localização ou aprovação do relatório de segurança. Este prazo será de 10 dias. Podemos criticar esta estipulação de 10 dias estipulada pelo art.16º/4, pois, como refere o Dr. Pedro Alves, “ (…) os dez dias referidos não deixem de se apresentar como escassos, particularmente nos casos de maior complexidade (…). Esta deveria ser uma questão a rever.
Contudo, nem tudo é mau, pois consideramos positivo o facto de se ter eliminado deste novo decreto-lei, a faculdade que cabia a um membro do governo na área do ambiente de reduzir excepcionalmente os prazos gerais.

Quais são os critérios de indeferimento do pedido de licença ambiental?
Os critérios estão definidos no art.16º/6. Aqui também se procedeu a diversas alterações.
O antigo diploma, o decreto-lei 154/2000 limitava-se como que a dar quase como que uma clausula geral para o indeferimento, dando pouca informação ao interprete.
Neste novo diploma procedeu-se a uma formulação mais exaustiva e completa, mesmo não diminuindo a margem livre apreciação da administração.
Ao verificarmos o art.16º/6 do decreto-lei, podemos concluir, exemplificadamente a algumas das modificações:
- A declaração de impacto ambiental (DIA) desfavorável no caso em que o procedimento correu e simultâneo com a avaliação de impacto ambiental (art.16º/6/a)).
- No caso de parecer desfavorável à localização ou não aprovação do relatório de segurança no caso de procedimento do regime de prevenção de acidentes graves que envolvam substâncias perigosas decorrer em simultâneo com o pedido de licença ambiental (art.16º/2/b)).
Em termos sintéticos, e ao avaliarmos o art.16º/6, podemos concluir que as três primeiras alíneas referem-se à articulação entre o regime de licença ambiental com outros procedimentos obrigatórios e que as restantes alíneas dizem respeito à avaliação próprio do procedimento de licença ambiental.
Por último, importa ainda referir a alteração que, para a doutrina, constitui a alteração mais negativa no novo regime da licença ambiental. A alteração consiste no facto de com este novo regime se ter consagrado o deferimento tácito como regra e caso de silêncio da administração, após o decurso dos prazos para a decisão (art.17º/1).
Não me vou alongar de razões sobre esta matéria, pois esta já não faz parte da discussão. Convém referir-me unicamente ao facto de esta, na nossa opinião, ser igualmente um ponto muito negativo no novo regime da licença ambiental, desde logo porque o deferimento tácito nesta matéria vai contra os seus próprios princípios, ou contra a suas finalidades, pois, o que se pretende é que haja uma intervenção obrigatória de uma entidade administrativa.

Qual o conteúdo da licença ambiental?
Neste aspecto existe uma alteração que a doutrina considera positiva, que é o facto de o período de tempo de duração mínima da licença ambiental ter deixado de existir (no anterior regime era de cinco anos), e de se ter mantido o período máximo de duração em dez anos (18º/2/g)).
Acreditamos que esta alteração estará mais ajustada ao interesse público ambiental, devido à crescente evolução tecnológica que existe.
Quanto ao prazo máximo que se manteve, como o Prof. Vasco Pereira da Silva refere, está aqui manifestado o carácter temporário da licença ambiental, pois ao fim de um determinado tempo ela caduca.

Qual a força jurídica da licença ambiental?
Nesta matéria não houve alterações, pois, como o anterior, continua a sancionar com a nulidade quaisquer decisões que autorizem o início da exploração sem a emissão da licença.

Por último, importa ainda referir sumariamente que uma das novidades deste diploma foi o seu aprofundamento na articulação com outros regimes jurídicos, como é o caso da articulação com a avaliação de impacto ambiental, a prevenção de acidentes graves com substâncias perigosas, a gestão de resíduos, o comércio europeu de emissão de gases com efeito de estufa, a utilização de recursos hídricos, a produção de electricidade, o regime de exercício da actividade industrial (REAI) e os projectos de Potencial Interesse Nacional (PIN) e os de Potencial Interesse Nacional de Importância Estratégica (PIN+).


Bibliografia consultada:

Pedro Delgado Alves – “O que há de novo no direito do ambiente”, Actas das jornadas de direito do ambiente

Vasco Pereira da Silva – “Verde Cor de direito”

Carla Amado Gomes – Tratado de direito administrativo especial (volume I)

- Textos dispersos de direito do ambiente (volume II)

Sem comentários:

Enviar um comentário